O que acontece no seu corpo quando você vive se automedicando

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Se você consome medicamentos sem indicação, diagnóstico ou acompanhamento médico, reutiliza receitas para comprá-los, compartilha remédios de familiares e conhecidos e, além disso, usa restos de medicações antigas, saiba: esses comportamentos caracterizam o que os especialistas chamam de automedicação.
O problema dessas práticas é que usar medicamentos de forma indiscriminada pode levar a efeitos indesejados. Esta é a razão pela qual a OMS sugere o uso racional de remédios: você só deve consumir fármacos que atendam às suas necessidades, em doses personalizadas e por tempo adequado.
É claro que tomar um analgésico que você já usou antes para aliviar uma leve dor de cabeça não oferece perigo potencial. No entanto, a advertência das autoridades de saúde se justifica: nenhum remédio é 100% seguro, principalmente quando utilizado de forma inadequada. A ordem é prevenir para não ter de remediar.
De acordo com o ICTQ (Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico), cerca de 90% da população brasileira se automedica. No mundo, esse percentual varia entre 12% e 92%.
Ser mulher, além de ter 1, 2 ou mais doenças crônicas são fatores associados. Dados publicados pela Revista de Saúde Pública.
Usar muito remédio, pouco ou de forma imprópria resulta na perda de recursos e em riscos generalizados para a saúde.
Os efeitos no seu corpo
O uso de medicamentos por conta própria deve ser evitado, a menos que seu médico já tenha sugerido determinados remédios que podem ser usados com segurança por você.
Diante de sintomas desconhecidos e que duram no tempo, porém, as melhores estratégias são não ignorá-los e buscar por orientação médica. Isso porque a repetida automedicação está associada a consequências indesejadas. Conheça algumas delas:
- Tiro pode sair pela culatra
O autodiagnóstico pode levar ao uso de anti-inflamatório para combater uma dor de garganta. A sensação dolorosa pode até reduzir porque, na maioria, das vezes, a causa desse sintoma é uma infecção viral.
No entanto, nem sempre este é o caso de usar esse tipo de medicação. Afinal, pode acontecer de a dor de garganta decorrer de uma infecção bacteriana.
Nesse caso, o uso indevido de um anti-inflamatório não só permite que a infecção se agrave, como também pode resultar em sangramentos, insuficiência ou úlcera no estômago.
Outro exemplo é o uso de anabolizantes. Automedicar-se pode resultar em alterações como maior risco de AVC (acidente vascular cerebral), infarto do miocárdio (ataque cardíaco), além de problemas hepáticos.
Esses riscos também estão presentes quando o consumo de anabolizantes é indicado e supervisionado por um médico. No entanto, sem a devida orientação profissional, a probabilidade de esses efeitos aparecerem é ainda maior.
- Resistência bacteriana corre solta
Útil no combate de infecções causadas por bactérias, os antibióticos só devem ser utilizados sob orientação médica e por tempo limitado.
A razão para isso é que o abuso ou o uso indevido desse tipo de medicação colabora para o que os especialistas chamam de resistência bacteriana —ou seja, os microrganismos se tornam resistentes mesmo quando combatidos com altas doses.
Como existem tipos diferentes de antibióticos e de bactérias, bem como dosagens diferentes para cada doença, é preciso que um especialista oriente o tratamento para evitar que o quadro se agrave. Isso garante que quando o medicamento for realmente necessário, ele será efetivo.
Evitar a automedicação com antibióticos colabora não só para a sua própria saúde, mas também a saúde da sua comunidade.
- Parece que não dá para viver sem
Quando a automedicação ocorre de forma repetida e por longo tempo, ela pode gerar dependência física ou psicológica, especialmente quando se trata de uma medicação que requer prescrição médica.
A falta do medicamento pode gerar insegurança e ansiedade, e a solução encontrada é o uso constante dele, mesmo sem a indicação e a supervisão de um especialista.
- Medida tapa o sol com a peneira
Insistir na automedicação —quando os sintomas que incomodam não passam— pode mascarar doenças, atrasar o diagnóstico correto e também o tratamento adequado.
Insistir nesse comportamento pode resultar no agravamento do quadro médico, facilitando o aparecimento de complicações que poderiam ter sido evitadas.
- Meio de campo fica atrapalhado
Pessoas que têm doenças crônicas e que necessitam do uso contínuo de um ou vários tipos de fármacos precisam estar muito atentas a possíveis interações medicamentosas.
Isso significa que determinadas medicações e substâncias como o álcool, quando usados de forma conjunta, podem reduzir ou aumentar o efeito uns dos outros. Ou seja, você pensa que está controlando seu estado de saúde, mas isso pode não estar acontecendo.
Pessoas com diabetes, hipertensão e mulheres que fazem uso de anticoncepcional, por exemplo, poderiam ter o efeito de seus medicamentos de uso contínuo alterados, o que teria como resultado reações indesejadas.
Quando é necessário o uso de variados medicamentos ao mesmo tempo, o médico faz escolhas que garantam a sua máxima segurança.
Acrescentar um novo elemento nesse esquema tem o potencial de agravar as doenças de base, bem como prejudicar a sua saúde como um todo.
Se você costuma se automedicar, converse com seu médico para saber quais seriam as melhores opções e as doses mais seguras no seu caso.
Mas por que tanta gente se automedica?

Os especialistas consultados afirmam que esta é uma prática tão antiga quanto a própria humanidade, mas hoje ela é influenciada principalmente por fatores culturais e sociais.
A falta de educação em saúde, assim como o reduzido acesso a serviços de saúde estão associados. Além disso, o excesso de publicidade e de informações disponíveis na internet e nas redes sociais —nem sempre confiáveis— acabam gerando a ilusão de resultados milagrosos e as pessoas não pensam duas vezes antes de embarcar nessas sugestões.
A sugestão dos especialistas consultados é que você verifique a origem da informação, confira se quem está aconselhando o uso de determinado produto é um especialista e, se decidir usá-lo, fale antes com seu médico para saber se ele poderia ser prejudicial para você.
Classes de remédios mais utilizadas
Os quadros que mais levam as pessoas à automedicação são as dores (cabeça, garganta, muscular, estômago, cólica menstrual), febre e gripe.
Assim, os medicamentos mais utilizados são:
Analgésicos (como dipirona ou paracetamol)
Anti-inflamatórios (nimesulida, ibuprofeno, ácido acetilsalicílico e diclofenaco)
Descongestionantes (cloridrato de nafazolina)
Antiácidos (omeprazol, pantoprazol)
Antibióticos (azitromicina, norfloxacino)
Xaropes (dropropizina, acetilsisteína)
Relaxantes musculares (ciclobenzaprina, carisoprodol)
Suplementos e fitoterápicos, como ômega-3, creatina, ginkgo biloba, etc., também entram na lista
Recente pesquisa realizada pelo ICTQ mostrou também que sintomas como ansiedade, estresse e insônia são motivos para a automedicação em 6% da população.
Muita cautela nessa hora
Embora os remédios que você pode comprar sem receita médica, os chamados MIPs (medicamentos isentos de prescrição), como o ibuprofeno e o paracetamol, sejam considerados seguros, seu uso merece cautela. Caso tenha alguma dúvida, converse com seu médico ou com o farmacêutico.
Entre as funções do farmacêutico destacam-se a responsabilidade na conscientização do uso de medicamentos.
Cabe a eles ajudar a educar, instruir, orientar sobre a importância do uso de determinado remédio, as doses corretas, possíveis efeitos colaterais ou reações adversas.
Esses profissionais são treinados para identificar riscos associados à automedicação, como agravamento de doenças, resistência bacteriana, alergias e intoxicações.
Eles ainda podem orientar a busca por atendimento médico, quando necessário.
Saiba quando procurar ajuda
Ter a necessidade de se automedicar repetidamente, seja porque os sintomas que incomodam não desapareceram, pioraram ou apareceram novas manifestações, sinaliza que seus incômodos merecem uma avaliação médica.
Outro possível sinal de alerta é observar que você já não consegue ficar sem o medicamento, mesmo sem necessidade.
A presença de sintomas como arritmia (palpitação) ou dificuldade respiratória após a administração do remédio, igualmente podem indicar abuso da dose ou alergia. Nesses casos, procure o serviço de emergência o mais rápido possível.
Dicas de uso seguro de medicamentos
Caso deseje se automedicar em situações de doenças e sintomas comuns, mas leves, como gripes, dores de cabeça ou febres, na próxima consulta com seu médico pergunte a ele quais seriam a melhores opções para você, considerando seu estado geral de saúde.
Com essas informações em mãos, esteja atendo a essas dicas:
Observe a validade do medicamento. Lembre-se: após a abertura, alguns fármacos têm tempo de validade menor, o que também é influenciado pela forma como você o armazena.
Leia atentamente a bula ou as instruções de consumo do medicamento.
Ingira os comprimidos inteiros. Evite esmagá-los ou cortá-los ao meio —eles podem ferir sua boca ou garganta.
Evite abrir cápsulas, tirar os medicamentos dos blísteres e colocar em outra embalagem. Só tire no medicamento na hora de ser consumido. Use sempre a cápsula íntegra.
Respeite o limite da dosagem indicada.
Escolha um local protegido da luz e da umidade para armazenamento. Cozinhas e banheiros não são as melhores opções. A temperatura ambiente deve estar entre 15°C e 30°C.
Guarde seus remédios em compartimentos altos. A ideia é dificultar o acesso às crianças.
Procure saber quais locais próximos da sua casa aceitam o descarte de remédios. Algumas farmácias e indústrias farmacêuticas já têm coleta própria.
Evite descarte no lixo caseiro ou no vaso sanitário. Embalagens e frascos vazios podem contêm restos das substâncias.
O Ministério da Saúde mantém uma cartilha (em pdf) para o Uso Racional de Medicamentos, mas você pode complementar a leitura com a cartilha do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos - Fiocruz) (em pdf) ou o material do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo.
Fontes: Amouni Mourad, farmacêutica, assessora técnica do CRF-SP (Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo) e coordenadora do curso de farmácia da Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP); Anderson Soares da Silva, médico especializado em medicina de família e comunidade e professor do Departamento de Medicina Social da FMRP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto) da USP; e Marcelo Polacow, farmacêutico, mestre e doutor em farmacologia pela Unicamp e presidente do CRF-SP. Revisão técnica: Anderson Soares da Silva.
Referências:
Ministério da Saúde
OMS (Organização Mundial da Saúde)
ICTQ (Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico)
Dnyanesh Limaye. A Systematic Review of the Literature to Assess Self-medication Practices. Ann Med Health Sci Res. 2017. Disponível em https://l1nq.com/U2C1p
Arrais PS, Fernandes ME et al. Prevalence of self-medication in Brazil and associated factors. Rev Saude Publica. 2016. Disponível em https://doi.org/10.1590/s1518-8787.2016050006117.
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