O canto afro-diaspórico de Tiganá Santana não cabe nas redes (e em rótulos)

Músico. Instrumentista. Tradutor. Poeta. Professor. Pesquisador. Tiganá Santana é muitos. Mas, em "Caçada Noturna", é um só: íntimo.

Gravado em 2023 na cidade de Serpa, interior de Portugal, e lançado em maio do ano passado, "Caçada Noturna" é o sétimo disco de Tiganá. Ao lado dos músicos Leonardo Mendes e Ldson Galter, compôs um trabalho essencialmente de cordas, sem percussão - o primeiro de sua prolífica carreira musical com esse direcionamento.

"Há intenções percussivas que estão nos instrumentos de cordas ,que são basicamente a composição instrumental do álbum", comenta Tiganá, em entrevista ao TOCA. "Guitarras, baixos diferentes, violões? Mas, fora isso, é um álbum de cantautor, de alguém que chega e apresenta de modo quase desnudo as canções que inventa."

É, de fato, um trabalho intimista. De suas sete faixas, apenas "O Véu" traz participações especiais - da cantora Fabiana Cozza e do instrumentista Henrique Araújo no cavaco. E somente uma faixa não é de autoria de Tiganá, "Da Mata", do músico Fabrício Mota.

Em todo o trabalho é possível identificar a forte influência afro diaspórica que norteia a carreira do músico baiano desde seu primeiro disco, "Maçalê" (2010) - considerada a primeira obra na história fonográfica do Brasil gravada em línguas africanas (Kikongo e Kimbundo) compostas por um artista brasileiro. Também está presente o Candomblé, materializado em faixas como "Da Mata", homenagem ao orixá Oxóssi.

"O Candomblé me formou como pessoa desde criança [da mesma forma] como eu me formei em Filosofia, como eu me formei nos fazeres artísticos. Me formei também por meio do Candomblé, ou seja, isso participa da minha forma de interpretar o mundo, de receber e dar ao mundo", explica.

Tiganá, no entanto, resiste em rotular sua música. Egresso de família musical, neto de instrumentista e filho de cantora, afirma ouvir muita música instrumental, de todo o mundo, além de mestres da música brasileira, como Egberto Gismonti, Clementina de Jesus e Milton Nascimento.

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"Quanto a gente é convidado a criar, a inventar, a gente deve fazê-lo. Eu não me identifico muito com a ideia de colocar em caixas o que a gente faz", diz. "Classificam o que eu faço como música ou como poesia, ou como filosofia ou curadoria, mas eu acho que, no fundo, é uma fonte mesmo de criação e invenção que responde a vida. Faço porque estou vivo".

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Imagem: Divulgação

Sem algoritmos

Apesar de uma presença digital robusta (tem quase 30 mil seguidores no Instagram) e ter todos os seus discos nas plataformas de streaming (com uma média de mais de 57 mil ouvintes mensais somente no Spotify), Tiganá não é exatamente um fã do universo digital. Para ele, redes sociais e serviços de streaming cumprem uma função de conectar público e artista - e só.

"Eu acho que quanto mais a gente vai condicionando a nossa própria criação a uma resposta ou a um tipo de subjetividade necessariamente atravessada pela dinâmica das redes sociais, pelo tempo das redes sociais, pela estética das redes sociais, mais eu me desinteresso por aquela criação", pontua. "Eu me interesso muito mais pelo que cada pessoa, nas suas histórias, complexidades, subjetividades, têm a dizer artisticamente".

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