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Reportagem

Vaticano abraça IA e leva 'gêmeo digital' da Basílica de S.Pedro à internet

No coração de Roma, na Itália, a Basílica de São Pedro é uma obra monumental projetada e decorada por gênios como Michelangelo, Rafael e Bernini com a tecnologia de ponta dos séculos 16 e 17. Nesta segunda-feira (11), o Vaticano anuncia a chegada à internet do templo mais icônico da Igreja Católica, sob a forma de um gêmeo digital, desenvolvido com o que há de mais avançado em termos de inteligência artificial generativa, drones autônomos e mapeamento 3D de fazer inveja a jogos de videogame.

Em parceria com a Microsoft e empresas como Iconem e Dadada, a Santa Sé transformou um símbolo consolidado de fé e requinte artístico em uma nova obra prima, para atrair bem mais do que os 60 mil visitantes por dia (veja a exibição online aqui).

Eu chamo isso de obra prima. e várias pessoas depois de ver esse projeto ficam mudas mudas. Eu acho que há nisso o suspiro de Deus
Padre Enzo Fortunato, diretor de comunicação da Basílica de São Pedro

Gêmeos digitais são réplicas no mundo virtual de todos os elementos físicos de objetos ou edifícios. Isso inclui cada detalhe deles, o que na Basílica de São Pedro exigiu um trabalho descomunal. As tratativas entre Microsoft e Vaticano começaram em 2018 e os últimos retoques ainda eram dados em novembro deste ano.

Gêmeo digital da Basílica de São Pedro, criado pelo Vaticano em parceria com a Microsoft
Gêmeo digital da Basílica de São Pedro, criado pelo Vaticano em parceria com a Microsoft Imagem: Reprodução

É compreensível, afinal a tarefa é recriar digitalmente todos os aspectos, símbolos, sombras e a aura de encantamento presentes no prédio construído em uma área de 23 mil metros quadros. Internamente, a Basílica possui altura de 138 metros que culmina na cúpula projetada por Michelangelo —é tão alto que se, empilharmos o Cristo Redentor, do Rio de Janeiro, e a Estátua da Liberdade, de Nova York, ainda faltarão cinco metros até o teto.

"O desafio de colocar a Basílica no digital é capturar todos os detalhes, como o bronze e o mármore são, o jeito como as sombras tomam o lugar durante a exibição", comenta Shawn Wright, líder de design da Microsoft.

Veterano da indústria dos games, com a supervisão de produções para Hololens e Xbox no currículo, Wright conta que alguns cenários levariam três meses para serem feitos no mundo dos jogos, mas o tempo foi encurtado para três minutos com a tecnologia à disposição. Dentro da Microsoft, a iniciativa foi encampada por uma área chamada AI for Good, destinada a usar IA para projetos sociais ou ligados ao enriquecimento humano.

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Representação digital da Basílica de São Pedro feita por AI que fez parte do processo da construção do gêmeo digital da igreja
Representação digital da Basílica de São Pedro feita por AI que fez parte do processo da construção do gêmeo digital da igreja Imagem: Divulgação/Microsoft

O processo começou com a captura de 400 mil fotos de alta resolução de todos os cantos do interior e do exterior da Basílica. Isso rendeu 33 terabytes de material —o equivalente a quase 129 iPhones de 256 GB— e provocou cenas curiosas.

Nunca imaginei que eu formaria um time que voaria drones na cúpula que é a obra prima do Michelângelo
Carol Ann Browne, vice-presidente da Microsoft

As numerosas fotos viraram pontos que foram reunidos para criar um modelo em 3D do templo. É a partir daí que entra a inteligência artificial.

Yves Ubelmann, CEO da Iconem, empresa que atuou na criação do gêmeo digital da Basílica de São Pedro
Yves Ubelmann, CEO da Iconem, empresa que atuou na criação do gêmeo digital da Basílica de São Pedro Imagem: Divulgação/Microsoft
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Primeiro, ela foi treinada para identificar onde estão pontos de vulnerabilidade estrutural que o olho humano demoraria a enxergar. Assim, o Vaticano pode promover reparações. Como esse é um processo contínuo, o gêmeo digital da Basílica se transformou em uma ferramenta de manutenção.

"A consciência é o primeiro passo para a preservação", afirma o engenheiro Alberto Capitanucci, chefe da área técnica da Basílica.

Já na fase da reconstituição digital, a tecnologia recrutada foi a IA generativa, aquela capaz de elaborar conteúdo a partir de outros dados. Ela preencheu com "nuvens de dados" algumas lacunas não captadas pelas fotos, como o espaço dentro das paredes. Também atuou para dar a sensação de dimensão espacial. Ou seja, dar ao observação a devida noção de distância relativa para o objetos e entre eles. Para essa fase, foi usado uma combinação de fotogrametria e de uma nova tecnologia chamada Splating 3D, que está chegando agora ao mundo dos games.

Deixamos a arte ditar o que a tecnologia precisava ser
Shawn Wright, líder de design da Microsoft

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Imagem: ALBERTO PIZZOLI/AFP
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Padre Fortunato conta que este foi também um processo para a Santa Fé abrir a mente para novas ideias. Foi só recentemente que a Igreja Católica passou a tratar publicamente dos avanços da inteligência artificial e das preocupações relacionadas a ela. O Papa Francisco falou especificamente sobre o assunto pela primeira vez, durante a Cúpula do G7. Na mensagem, ele tratou das promessas trazidas pela tecnologia, como a democratização no acesso ao conhecimento, e também da possibilidade de a desigualdade ser ampliada, ao concentrar mais poder na mão de poucas empresas.

A inteligência artificial se origina justamente do uso desse potencial criativo que Deus nos deu
Papa Francisco, durante o G7

Por permitir sobrevoos pela Basílica, a exposição digital leva o visitante virtual a lugares a que quem coloca os pés na igreja jamais sonha enxergar. Um exemplo é a cúpula de Michelangelo, com seus afrescos sobre Pedro e os outros apóstolos.

Outro é o Baldacchino, o altar de São Pedro onde apenas o Papa pode celebrar missas. Na lateral e no topo, é possível ver três pequenas abelhas. O inseto não tem papel especial na mitologia cristã, mas era símbolo do escudo de armas da família do responsável pela obra, Gian Lorenzo Bernini.

Representação digital do Baldacchino, o altar de São Pedro, dentro da Basílica de São Pedro
Representação digital do Baldacchino, o altar de São Pedro, dentro da Basílica de São Pedro Imagem: Reprodução
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Também é possível enxergar no peito da Pietá a inscrição entalhada por Michelangelo para atestar ao mundo que foi ele, aos 24, o escultor da estátua que representa Maria segurando no colo o corpo de Jesus Cristo já morto.

A exposição virtual dá acesso ainda a lugares a que os visitantes não podem ir. São as grutas, onde estão enterrados alguns dos primeiros cristãos e em cujas paredes há inscrições em que eles professavam sua fé. Segundo a Igreja Católica, o próprio apóstolo Pedro está enterrado ali, após ter sido morto durante martírios em um circo montado pelo imperador Nero.

A exibição digital mostra ainda um artefato inédito. É uma pedra com a inscrição "Pétros ení", que, segundo o Vaticano, prova a passagem de Pedro por ali

A exposição virtual exibe quatro ambientes: a Piazza de São Pedro, o interior da Basílica, a cúpula e as grutas. Três roteiros contextualizados explicam do ponto de vista histórico e religioso alguns aspectos da igreja: A Vida de Pedro, Do Passado ao Presente e Basílica de S.Pedro. Há ainda um making off sobre como o processo criativo recorreu à inteligência artificial.

Imagem feita por inteligência artificial da Basílica de São Pedro
Imagem feita por inteligência artificial da Basílica de São Pedro Imagem: Divulgação/Microsoft
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Para quem for fisicamente à Basílica, o Vaticano montou uma exposição multimídia no terraço com exposição de hologramas sobre o processo que levou à reconstrução digital.

Para a Santa Sé, o gêmeo digital da Basílica de São Pedro é uma forma não só de permitir a fiéis de todo mundo tomarem contato com símbolos cruciais de sua fé, mas também de comunicar às gerações futuras a grandiosidade da cultura humana.

É uma nova interface que não substitui a original, mas que pode melhorar a realidade experimentada pelas diferentes pessoas que visitam a Basílica. (...) Nós temos de deixar para outras pessoas algo que nos dá o entendimento da condição humana. Essa transmissão de geração para geração é feita por cultura, linguagem e coisas
Padre Paolo Benanti, Professor de Ética na IA da Pontifícia Universidade Gregoriana, de Roma

*o jornalista viajou a convite da Microsoft

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

3 comentários

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Daniel Rogerio Gonzales

E como acessamos/navegamos nas imagens?

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Valdir Rodrigues

Notícia muito boa. Mas como acessar essas imagens?

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Sergio Luis Lopes

Virão até falsos Deuses. Vamos viver mais na ilusão de que tudo é cada vez mais acessível, lindo e perfeito. E viva a hipocrisia. 

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