Roberto Sadovski

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Opinião

'Tipos de Gentileza' traz Emma Stone em trilogia de absurdos e desconforto

O cinema do grego Yorgos Lanthimos nunca foi de fácil assimilação. É fascinante o modo como ele transforma as relações humanas em experiências perturbadoras, retratando com naturalidade desconcertante as histórias mais espalhafatosas. "Pobres Criaturas", fábula sobre o rompimento do ciclo da subjugação feminina, foi além do sucesso crítico e comercial, tornando-se parte da conversa fora da bolha cinéfila: gostando do filme ou não, todo mundo tinha uma opinião.

Era de se esperar, portanto, que seu trabalho seguinte ampliasse seu alcance com um cinema mais linear e até conservador - caminho natural, ainda que nem sempre satisfatório, para um naco considerável de cineastas. Mas Yorgos não quer saber desse papo. Em vez disso, "Tipos de Gentileza" traça uma rota inversa. É uma obra ainda mais hermética e absurda, remetendo aos primeiros trabalhos do diretor. Um filme esquisito e de digestão lenta, mesmo que agora exiba um verniz hollywoodiano.

Se o tema parece consistente com seu trabalho - a exploração da condição humana por um prisma hiperrealista - a forma aqui faz toda a diferença. Em quase três horas, "Tipos de Gentileza" é estruturado como um tríptico, um trio de obras unidas pela mesma moldura, traduzida como uma antologia com três episódios tematicamente conectados. A constante é um personagem, R.M.F., que batiza e dá o ar da graça em cada capítulo.

Emma Stone em 'Tipos de Gentileza'
Emma Stone em 'Tipos de Gentileza' Imagem: Searchlight

Existe aqui um sentimento de coletivo artístico, já que histórias diferentes são interpretadas pelo mesmo grupo de atores, Jesse Plemons e Emma Stone à frente. "A Morte de R.M.F." é sobre um empregado dependente em todas as formas - profissionais e pessoais - de seu chefe dominador. "R.M.F. Está Voando" traz um policial reunido com a esposa desaparecida, e percebe que talvez seja uma outra mulher em sua casa. Finalmente, "R.M.F. Come Um Sanduíche" mostra dois membros de uma seita sexual em busca do messias.

"Tipos de Gentileza" insere seu fio narrativo nas entrelinhas. São histórias sobre o fim da autonomia pessoal e a dependência de estímulos externos, em que a polidez excessiva em tempos de cancelamento atropela o bom senso. Com esse material, Lanthimos, retomando a parceria com o roteirista Efthimis Filippou ("O Lagosta", "O Sacrifício do Cervo Sagrado"), traça uma obra curiosa em que o amor equivale à submissão passivo-agressiva.

O resultado é seu trabalho mais antissocial e propositalmente desagradável, uma comédia de humor ácido que faz rir menos do que incomoda. A psicodelia de "Pobres Criaturas" é amaciada, substituída em "Tipos de Gentileza" por um mapeamento sombrio do atual momento social e político da sociedade americana. Sua verve ferina escancara feridas que machucam o espírito, e o filme só funciona por ser ambientado em uma sociedade fraturada como os Estados Unidos.

Margaret Qualley, Jesse Plemons e Willem Dafoe em 'Tipos de Gentileza'
Margaret Qualley, Jesse Plemons e Willem Dafoe em 'Tipos de Gentileza' Imagem: Searchlight
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Sua maior força, claro, é o elenco despudoradamente disposto a seguir os comandos de Yorgos. Não existe aqui nenhum elo mais fraco - pelo contrário, é impressionante acompanhar a transformação física e mental de toda a trupe ao longo dos três capítulos. Plemons e Stone são excepcionais ao ancorar cada história, mas é Willem Dafoe quem se apresenta de forma mais camaleônica. Seus três personagens parecem genuinamente defendidos por atores distintos.

Com tanto talento à frente das câmeras é menos penoso assimilar as ideias de "Tipos de Gentileza", que se prende a conceitos abstratos de relacionamentos e religião em uma versão brutalmente exagerada das relações humanas. Na visão áspera de Yorgos Lanthimos, sozinhos não somos o bastante para uma vida feliz e produtiva em sociedade. Precisamos de controle corporativo, marital e religioso para agradar, para sentir e para pertencer. Para fingir que somos humanos, e não insetos.

Mesmo precisando de um pulso mais firme para manter a coesão dramática, e de por vezes se valer de violência gráfica excessiva como ferramenta narrativa, impressiona como as quase três horas de projeção passam feito uma brisa. Nem sempre é fácil acompanhar o fluxo de ideias de "Tipos de Gentileza", mas é impossível não prestar atenção. Se não pela história, mas para saber até onde Yorgos Lanthimos está disposto a ir.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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