Luciana Bugni

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Opinião

A beleza de 'Ainda Estou Aqui' é manter o sorriso como prova de resistência

Uma mulher viúva se vê na função de sozinha criar cinco filhos. Eles, que tinham uma vida confortável no início dos anos 1970, morando na já cobiçada avenida Delfim Moreira, no Leblon, precisam vender propriedades para manter a dignidade sem o pai provedor. Um drama após uma tragédia. Ela se vê obrigada a mudar de estado, mas antes, frente ao crime midiático que destruiu sua vida, decide dar uma entrevista para uma grande revista. Posa para a foto de capa com a prole e o fotógrafo sugere uma expressão triste. Ela se recusa, faz piada, provoca risos nas crianças. Imperativa: "sorriam".

A cena é uma das mais emblemáticas do filme "Ainda Estou Aqui", dirigido por Walter Salles e baseado na obra homônima do escritor Marcelo Rubens Paiva sobre sua mãe, Eunice Paiva. A história narra como ela lidou com o desaparecimento e morte do marido, o ex-deputado Rubens Paiva, preso e executado na ditadura, no Rio de Janeiro. O longa tem um apelido nas rodas de conversa: "o filme de Fernanda Torres", graças à atuação irretocável da atriz no papel principal.

É bonito o método de sobrevivência de Eunice. Fernanda disse que usou um conselho da mãe, Fernanda Montenegro, que também atua na história, para achar o tom da protagonista. Não é possível, segundo ela, interpretar uma vítima chorando o tempo todo. "Você vira uma barata", ela diz. Uma vítima precisa ter força para vencer, fica claro. Especialmente em situações em que não é possível aceitar a derrota. Quando se tem cinco bocas para alimentar, não existe a opção sucumbir. Sigamos, diz a mãe destroçada. E todo mundo segue porque ela existe.

Os efeitos da ditadura

Cresci escutando a história de Rubens à mesa do jantar. Minha mãe também se preocupava em contar a de Stuart Angel, filho da estilista Zuzu Angel, morto pela ditadura de forma cruel —há um filme sobre seu indigesto assassinato protagonizado por Daniel Oliveira e Patrícia Pillar que se chama Zuzu Angel. A própria Zuzu morreu assassinada anos depois. Lá em casa, dona Neise também narrava o dia em que entraram na sua sala da faculdade indignados gritando: "mataram o Herzog!" Ela, que cursava matemática, se apressou em recolher o material e ir para casa, por recomendações de meu avô, simpatizante dos militares. Precisou ler só mais um pouquinho para entender que ir para casa calada para se manter em segurança não era muito justo: a ditadura era perigosa demais para quem queria falar. Eu gosto de dizer o que penso, por exemplo.

O sorriso de Eunice no rosto de Fernanda, entretanto, me lembra uma teoria que sempre volta à cabeça: o vampirismo nos relacionamentos. Há pessoas que se alimentam da dor do outro, em um comportamento vampiresco. Para se alimentar de sangue, é preciso fazer o outro sangrar. O prazer de ver o suposto inimigo apavorado deixa o algoz mais forte.

Eunice contraria a lógica: se sua casa é invadida por agentes dos militares que lá fincam acampamento, ela oferece jantar. Permite que joguem pebolim (ou totó, para os cariocas). Sorri com gentileza. Ninguém entende nada. Não entra em surto em praticamente nenhum momento. Os militares nem sequer a viram chorar. Sem banho, sem comida, sem dignidade, mas sem lágrimas.

Eu, que surtaria por muito menos, acho bonito. "Não alimente os vampiros", costumo dizer. O nosso sofrimento, especialmente público, é o troféu deles. Algum filósofo já deve ter falado algo sobre cair sorrindo para confundir o vilão. Ou seria a Bíblia que ameaça vingança com felicidade. Acho que é Valesca Popozuda mesmo que faz Deus de escudo e deseja aos inimigos vida longa para que vejam a cada dia mais sua vitória.

Se formar em direito, lutar pelas populações amazônicas quando isso não era assunto nacional, conquistar o atestado de óbito do marido sorrindo porque aquele é seu direito, criar cinco filhos —sendo que um deles escreveu lindamente seu legado.... Que os inimigos de Eunice vejam a cada dia mais a sua vitória. Os nossos também. Transformar a dor em causa para proteger os próximos é uma bela bandeira para se carregar.

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A história é escrita pelos vencedores, dizem por aí. Marcelo Rubens Paiva é filho de uma delas. Que sorte a de todos nós que podemos saber disso tudo para não repetir o passado nunca mais.

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