Propaganda com Sabrina Sato e Maria Bethânia é a redenção das cabeludas

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"Frizz? Nem sei o que é isso."
Quem diz é uma calmíssima Maria Bethânia com seus longos cabelos acinzentados livres de qualquer tentativa de domá-los. Seria mais uma entrevista da maior cantora do Brasil, dando pouca trela para aquilo que não lhe importa, não fosse um comercial de produto para cabelo.
Sim, Bethânia está com Sabrina Sato falando sobre cuidados com os fios. Que rituais ela precisa ter?, pergunta Sabrina. Nenhum. Nossa, eu respiro invejosa. O cabelo da minha artista favorita só precisa existir. Sato também está lamentando —a gente não sabe quantas horas foram necessárias para ficar linda como ela está.
A antipropaganda, iniciativa da Tressemmé para divulgar um produto que acaba com o frizz por 72 horas, acaba sendo um tratado de comportamento feminino em frente ao espelho. Sabrina pergunta se a cantora sabia que, no Brasil, muita gente diz que acordou com o cabelo da Bethânia. "Por que acordaram livres?", retruca a baiana sem mudar a expressão facial.
Não era bem isso o que significava para mim na adolescência ouvir ter o "cabelo da Bethânia", quando os cachos ousavam ficar naturais depois de uma chuvinha. Atire o primeiro fichário a jovem dos anos 1990 que não corria da água na saída da escola para evitar que a chapinha ficasse em risco. Foram anos (décadas?) até que eu entendesse o que Bethânia sempre soube: o cabelo existe ali, do jeito que é. E eu nunca terei os fios perfeitamente alinhados da Sabrina.
Um produto que segura o frizz por 72 horas, me pego fazendo cálculos se vale a pena. Bethânia garante que não: nem por três dias, nem nunca que ela vai domar a si mesma desse jeito. De dica de beleza para filosofia da boa —cada uma com a aparência que lhe transmitir verdade.
"Deve dar trabalho um cabelo assim tão... sem nada", diz minha ídola, educadíssima, mas debochada, para a apresentadora. Ela está se referindo ao frizz e, ao mesmo tempo, questionando a graça de não ter aquilo que chamam por aí de defeito. Sabrina se inclina no sofá onde está sentada de tanto rir. É isso mesmo, dá muito trabalho, ela sabe, mas mesmo sabendo deve passar mais tempo sendo esticada por quem cuida de seus fios.
O assunto rende. Aceitar a textura que é maioria no Brasil é mais complexo do que deveria ser. Tem a ver com racismo, tem a ver com eurocentrismo, tem a ver com modelo de beleza americano. O que se chama hoje de ondulado Giselle, citando a modelo brasileira, não tem um fio fora do lugar. Não é bem assim que cresce cabelo na cabeça da brasileira comum. O meu é esse caos com vontade própria. Não domo mais, mas também não deixo de sentir um pouco de culpa por ser como sou. Foi assim que aprendi e nem todo mundo tem a segurança de Maria Bethânia.
Mas é ruim ter vontade própria? De quem é a vontade de que meus fios sejam arrumadinhos se eles, por natureza, são assim?
Um pena que eu não sabia de nada disso quando era adolescente. A indústria da beleza não vendia creminhos que cuidavam naturalmente deles. Infelizmente. Ia me poupar algumas queimaduras na testa, dor no braço e muitos rabos de cavalo para tentar domar o que é indomável. "É assim, uma loucura", diz a cantora. Estamos sabendo.
Agora as marcas lançam produtos para quem quer —e é provavelmente essa liberdade de ser como é que ajuda a vender mais. Quem não quer olha o espelho com um pouco menos de incômodo. Tomara.
"Me ensina a cantar, Bethânia. E eu te ensino a...", Sabrina quase diz cuidar do frizz.
"Me ensina a quê, Sabrina?"
A apresentadora gargalha: "Te ensino outras coisas".
Realmente, não dá para ensinar nada para Maria Bethânia.
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