Luciana Bugni

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Opinião

Lady Gaga: a verdade é que megashow pra 1,5 milhão de pessoas não é roubada

"Mas que confusão está isso aqui, hein?", dizia um feirante na última quinta-feira, após montar sua barraca na rua Ronald de Carvalho, em Copacabana. "É por causa do show da Madonna", responde o colega, acertando no alvo do motivo do movimento de malas de rodinha no bairro, mas errando a diva pop: a responsável pelo trilili todo é Lady Gaga.

Madonna esteve por aqui em 2024 e lembrou o carioca do potencial de um megashow gratuito —como foram as apresentações de Rod Stuart na década de 1990 e dos Stones nos anos 2000. Foi a maior apresentação da carreira da cantora de hits como "Like a Virgin". Em 2025, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, repetiu a operação: Lady Gaga é a anfitriã de um evento que mexe com a economia da cidade. O frisson que lembrou o feirante como foi o ano passado é maior desta vez.

Gerou polêmica, claro. Não falta inimigo da felicidade na política brasileira espinafrando o que dá alegria gratuita para o povo. Paes rebateu: "'Vai gastar dinheiro público com a Lady Gaga?' Vou. Com a Madonna gastei também. Sabe por quê? Porque enche todos os hotéis, enche todos os restaurantes", afirmou, no podcast PodK Liberados. Seu plano é transformar esse feriado em data oficial de shows internacionais. U2 e Beyoncé estão em seu alvo.

Cada turista que arrasta as malas de rodinha no bairro desembolsa R$ 500 por dia, dizem as projeções. "Eu não duvido", penso ao tropeçar na bagagem de alguém enquanto passo R$ 89 no débito por um café da manhã para dois em uma padaria da Prado Jr.

Um olho na Gaga, outro na publi

A soma é boa para todo mundo: comerciante feliz, políticos satisfeitos, patrocinadores no alvo. A cidade só fala do banco que fez a área VIP onde todo mundo quer estar no sábado. As menções à marca de cerveja que estampa a festa estão por todo lado. Até gigante do streaming entrou na dança e colocou o monstrinho Stitch na janela de Narcisa, na cara da piscina do Copacabana Palace —monstrinhos, aliás, é o jeito que os fãs de Gaga se denominam. A publi é para divulgar o live action do personagem simpático.

Os aviões que cruzam a praia trazem recados relacionados ao evento ("se protejam, monstrinhos", diz a faixa bancada por uma marca de preservativos; "Brazil, I'm devasted", se lê na propaganda da série "Last of Us" em referência a uma cena triste com o tuíte antigo da própria Gaga lamentando o cancelamento de seu show no Brasil há uns anos.

O "devasted" antigo acabou em pizza: Gaga bancou o jantar de uma galera que se aglomerava na frente do Copa havia dias para ver um aceno seu —o que até essa sexta-feira não havia acontecido. Tudo é pertencer. Com ou sem uma fatia da musa (gastronômica e metaforicamente), é gostoso demais se sentir parte de algo. Os momentos históricos que escolhemos viver têm um sabor diferente do triturador humano que tem sido os acontecimentos do mundo.

Tem a ver também com solidão: gostar da mesma coisa que o outro —mesmo que o outro seja um desconhecido— é a chave para se sentir menos sozinho. E quando se está em grupo até a alegria parece mais forte e mais justificada.

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No milhão de gente que vai cantar "Bad Romance" esta noite, não dá para saber quantos são monstrinhos de carteirinha. Os fãs ocasionais fazem volume na grande aglomeração que dá arrepios em quem vê pela TV. "Você vai mesmo encarar essa loucura?", diz um amigo preocupado. A verdade para quem pisa na areia em dia de megashow é bem menos catastrófica, entretanto. Não tem esse caos todo que se imagina. O que tem é gente.

"Mas como tem muito gay, fica mais calmo. Quem cria confusão é homem hétero", diz uma amiga carioca. A estratégia de Paes com divas pop com muito apelo na comunidade LGBT seria essa? Se sim, ponto para ele.

"Ficou muito mais seguro ir a eventos grandes em Copa", fala outra amiga citando a revista pela qual todo mundo que entra na área passa. Garrafas de vidro, por exemplo, não entram. Armas também não. É garantia de segurança? Claro que não, mas alivia bem. "Nos Stones, fui roubada no primeiro minuto em que pisei na areia", ela fala sobre o evento de 2007. Na Madonna, ninguém próximo reclamou de furto.

A sensação de risco de pisoteamento é amenizada por dezenas de telões. A enorme extensão de areia dissolve a muvuca por quilômetros. Não faz muita diferença colar na grade (até porque a área vip já distancia o ser humano comum do palco por centenas de metros). Mesmo se assistir a apresentação do bairro vizinho, o Leme, vendo pelo telão, vai ter a mesma sensação de quem foi para perto. O som é potente na praia toda.

É isso: se não lhe agrada a multidão, leve sua canga, seu cooler de latinhas, chame os amigos e sente-se à beira-mar lá perto da avenida Princesa Isabel. Os barcos iluminados vão se aproximando da orla, as crianças brincam na praia à noite e parece até que Lady Gaga vai cantar de graça para todo mundo.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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