Tony Marlon

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Opinião

SP 471 anos: a cidade vista pelas lentes da periferia

São Paulo é um caleidoscópio: aparece diferente para cada pessoa. Encostada na porta do metrô, já no fim da tarde e com ele cheio, a Ana Dindara me respondeu assim, um dia desses: "O que eu mais vejo aqui é gente chorando nas ruas". Eu fiz um esforço para lembrar se aquilo aparecia para mim, e lembrei: ontem tinha mesmo uma pessoa chorando, na calçada do metrô Paraíso. Será por quê? Dindara é de João Pessoa, tinha acabado de chegar.

A gente vai vivendo e vendo umas coisas, daí que um dia elas viram paisagem. Por omissão ou por autoproteção. A gente nem percebe. Aniversariante do dia, a cidade de São Paulo completa hoje 471 anos. Qual será a história que contaremos sobre ela aos 500 anos?

Durante boa parte da minha vida, São Paulo foi: prédios enormes cheios de terno e paletó pra lá e pra cá; o motorista de um carrão que entra em câmera lenta num casarão branco, na novela das nove. E aquele amontoado de estereótipos por segundo nos programas-tribunais de fins de tarde. Pra minha sorte, eu não acreditei em tudo que me contaram sobre nós mesmos e os nossos bairros. Essa cidade é maior que isso, maior que esses. Não teria conseguido sem eles.

Quem alfabetizou o meu olhar tem nome: Racionais MC's, Sarau do Binho, as fotografias tiradas por tanta gente, que não caberia listar aqui. É quem ajuda a empurrar pra frente uma história da cidade, que eu desconfio que nem mesmo a cidade saiba que existe. Existem muitas São Paulo dentro de São Paulo, é só procurar bem. Eu gosto de você, cidade.

Quando completar 500 anos, ali na frente, as fotos tiradas por pessoas feito o Rogério Gonzaga e o Gsé Silva, a Julia Ferreira, a Josi Cuervo, e tantas outras serão estudadas nas escolas, ganharão exposições. Ao contrário da história da cidade que a nossa geração recebeu, a cidade que essas pessoas contam em suas fotografias não deixará ninguém para trás. Nelas, todo mundo aparece na foto oficial do aniversário.

Meu olhar sobre São Paulo é focado na periferia, onde vejo uma riqueza que vai além do que é percebido à primeira vista. Gosto de registrar o cotidiano, os detalhes das ruas, as cores e texturas. Para mim, a periferia expressa resistência e criatividade de forma única. Essa foto representa uma cidade mais humana e simples. Busco retratar tudo isso de maneira real e sensível, destacando a beleza e a força, sem romantizar. Julia Ferreira

Moradora da zona sul de São Paulo, Julia Ferreira iniciou sua trajetória na fotografia aos 18 anos de idade, motivada pelo desejo de aprofundar o seu olhar sobre os movimentos culturais do seu território. Acompanhe o seu trabalho em @jubiis011

Da Unasp ao Masp: a visão da metrópole
Da Unasp ao Masp: a visão da metrópole Imagem: Foto cedida por Rogério Gonzaga

Essa foto nos dá a visão do alto do morro do Capão Redondo. O extremo que não se vê. Um olhar de dentro pra fora, como quem nos diz: "vai, lute. Pois um dia nada disso será teu". O contraste da Cohab Adventista com a grandiosidade do restante da cidade de São Paulo ao fundo. Esta é a visão de quem frequentou o Praçarau, nosso encontro literário que se nasceu exatamente num 25 de janeiro. Rogério Gonzaga

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Rogério Gonzaga é paulistano. Meio secular, é tricolor de coração e legionário de corpo e alma. Entusiasta da fotografia, gosta de registrar os momentos e a história, do hoje para o amanhã. Acompanhe seu trabalho em @gonzaga_rogerio

Chafariz do Museu do Ipiranga, na zona sul de São Paulo
Chafariz do Museu do Ipiranga, na zona sul de São Paulo Imagem: Foto cedida por Josi Cuervo

Pra mim, o Museu do Ipiranga é um lugar de memórias afetivas. Foi o primeiro museu que eu fui em família. Hoje, ele faz parte da minha arquitetura paradoxal. Por onde ando, cruzo pontos de relevância social e cultural. Em meio a toda dureza urbana, crianças podem pisar onde pisavam os nobres e encontrar água para brincar. Desafiando processos históricos, as ordens capitais de não se divirta, não sonhe, não viva, escorrem com a água. Josi Cuervo

Josi Cuervo é fotógrafa, videasta e documentarista com experiência em contar histórias através de diversas mídias digitais. Mora em Itaquera, zona leste de SP. Acompanhe seu trabalho em @cinecuervo

Jovem na praça do Campo Limpo, zona sul de São Paulo
Jovem na praça do Campo Limpo, zona sul de São Paulo Imagem: Foto cedida por Gsé Silva

Escolhi esta imagem porque ela diz tudo: São Paulo é um mundo. Um mundo que se mantém funcionando e crescendo através das mãos do povo, que é empurrado para as periferias e, num ato de resistência, constrói outra cidade nas quebradas. Uma cidade que vibra, que tem dialeto próprio, cores e sons, cheiros e gostos, sonhos e trabalho, fé e boemia, luta e poesia. Onde o quintal é a rua, e a rua é a escola que nos guia. Gsé Silva

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Gsé Silva é um humano imperfeito dividindo espaço e sentimentos diversos com outros bilhões de seres humanos, sendo afetado pelas mesmas mazelas do mundo e buscando levar afeto por onde anda. Também é artista, fotógrafo e tem um coração que é poeta. Acompanhe seu trabalho em @gessesilva

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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