E se supersalários fossem investimento em inovação popular?

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Eu vou chamar de inovação popular tudo aquilo que é construído a partir da base social, econômica e política brasileira: os empobrecidos. Inovação nem sempre é sobre criar algo do zero e popular é quando a coisa brota e se espalha, a partir do chão, sobre o chão, com o chão. A partir do que nós já sabemos, sobre o que nós precisamos e com todo mundo ao redor.
São adolescentes, jovens e adultos que, diariamente, constroem soluções que funcionam para enfrentar e superar os desafios cotidianos da vida prática de quem sai para trabalhar às 5 da manhã. Se as verduras e frutas estão caras, ocupam terrenos com hortas comunitárias a preço justo; se o jornal não fala sobre o que interessa às suas vidas, criam seus próprios meios de comunicação e se as entregas não chegam em suas casas, se organizam de um jeito que agora, sim, as compras cheguem.
Por sorte da vida, estou rodeado dessas pessoas e, todos os dias, eu tenho mais sorte ainda de conhecer alguém que caminha o mesmo caminho. Se o Brasil soubesse que tudo de que precisa para ser melhor os brasis já inventaram, a história seria outra.
É algo tão comum se esbarrar com essas pessoas inventando uma vida que seja possível no país dos supersalários para poucos, que há dias em que eu esqueço de me espantar ou de ficar emocionado com quem decidiu juntar todas as pessoas do seu bairro para plantar mil árvores. E, junto, cobrar políticas públicas que façam o mesmo. Afinal, elas sabem: tudo o que fazem tem fins públicos.
Ela, uma senhora que já passou dos 70 anos de idade, me contando que conseguiu ninguém sabe como, palavras dela, todos os ônibus que eram necessários para juntar um punhado de homens e mulheres que trabalhavam sem parar, mas que naquele dia não foram. Se reuniram logo cedo, cada um com seu lanchinho, que era dividido com quem não tinha e, enquanto os filhos e filhas ficavam com vizinhos e vizinhas, foram pressionar os vereadores.
Foram dizer pessoalmente, não existiam as redes sociais ainda, nem Internet ainda, que como assim só lá no nosso bairro não tinha creche, nem escola? Que a mais perto era coisa de 30, 40 minutos andando, e como é que alguém que sai de madrugada vai levar a sua criança para tomar aula num lugar que nem abriu ainda? Ou que, mesmo que chegasse lá no tempo certo de entrar, atrasaria depois para chegar no trabalho. Isso lá faz sentido?
E foi daí que resolveram se enfiar todo mundo num ônibus. E ir lá dizer que chega. Vocês têm seus carros particulares, vereadores. Pagam escolas particulares para suas filhas, nem na pública estudam, e a gente fica vivendo deste jeito? Está errado isso daí. Estava mesmo. E conseguiram. Ruas melhores, creches e as escolas. Quem me contou isso me mostrou fotos atrás de fotos daquele tempo, daqueles dias.
E em dias como o desse encontro, ou o de ontem, eu numa reunião de moradoras e moradores de um bairro que decidiu criar a sua própria horta, para plantar a sua própria comida, que se reveza para cuidar daquele lugar, para levar a ele o que vão aprendendo mundo afora, em dias como o de ontem eu fico me perguntando como o Brasil não investe nessas sabedorias.
Como o Brasil não bota boa parte dos seus recursos públicos para dar escala, para fazer chegar em todo o canto, ideias como a dessa horta. Porque não é ela quem alimenta todas as escolas públicas daquela região, e, sim, uma empresa que entrega uma alface bem mais ou menos a um preço que compraria sete vezes mais localmente.
Imagine não sermos conhecidos como o país dos supersalários, mas como o lugar no mundo das microtransformações.
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