Tony Marlon

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Opinião

Neste Carnaval, cuide de quem trabalha enquanto você brinca

Nos últimos anos, era o auge do Carnaval pelas ruas de Olinda, e eu encontrava a Mariana KZ com duas garrafinhas de água. Uma de jogar nas pessoas, a outra era de beber. Mariana ia passeando entre os Bonecos Gigantes, o que é uma habilidade e uma responsabilidade. É preciso jeito para não receber do nada uma mão na cabeça, é preciso respeito ao outro para não atrapalhar as artistas carregando aquelas estruturas enormes. E pesadas.

Um passo aqui, uma dança ali, e a KZ ia parando bonequeiro por bonequeiro: toma, é água para refrescar; toma, é água de sumir com a sede. Daí a gente se via de longe, a gente sorria e ia se dar um abraço. De novo, a gente aqui. Até parece combinado. Coisas do Carnaval, né? E é.

Foram as ladeiras de Olinda e as ruas do Recife que alfabetizaram o meu corpo para entender que Carnaval não se pula, se brinca. Que na casa dos outros, a gente chega pisando devagar, pedindo licença a quem nos recebe. Foram as ladeiras de Olinda e as ruas do Recife que alfabetizaram o meu espírito sobre a função social da festa.

"A gente é aquilo que a gente faz nos dias de Carnaval. No resto do ano, a gente se fantasia para aguentar o tranco da vida", me disse uma vez o Edgard Gouveia Júnior. Já a KZ me ensina sobre presença, responsabilidade e cuidado.

Eu sei, você e as suas amizades estão ansiosas para chegar ao bloco favorito de vocês. Eu também. Mas a motorista do ônibus não tem culpa do congestionamento, dos desvios do trânsito, daquele homem ali que atravessou a rua, do nada, fazendo com que ela freasse com tudo. Considere isso.

Eu sei, você e as suas amizades querem a bebida preferida de vocês bem gelada, quase congelada, eu também, mas aquela pessoa que atravessou a cidade com um isopor na cabeça para tirar o sustento da família não tem culpa pelo calor. E nem merece receber estes resmungos de insatisfação. Considere isso.

Eu sei, você e as suas amizades estão com muita fome, brincaram cinco blocos seguidos sem parar. Mas o garçom que as atendeu está fazendo o melhor que pode, com a estrutura que tem. E é possível que por estes dias não esteja dormindo mais que três ou quatro horas. Eu sei, a gente está na festa. Mas a festa não está para todo mundo ao mesmo tempo. Considere isso.

Mariana KZ e as suas garrafinhas me contam todos os anos que só a presença nos faz perceber quem está ao nosso lado. E quem percebe, se implica. Daí é que vem tudo que vem depois: não responsabilizar quem dirige o ônibus que te leva para a festa, não descontar a sua frustração pessoal em quem só está trabalhando. Não pressionar, ainda mais, quem precisa se multiplicar para atender 13 mesas em vez de duas, como acontece nos outros dias.

Brinque muito com o seu Carnaval, seja feliz. Todo mundo diz por aí que não existe nada parecido e realmente não deve existir. Mas cuide das pessoas que irão trabalhar nos lugares em que você for. Festa boa é quando é uma boa festa para todas as pessoas ao mesmo tempo. E não esquece: não é não.

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KZ, a gente se encontra no ano que vem nas ladeiras de Olinda. Você, eu e as suas garrafinhas. E este seu jeito de cuidar do outro, sem se abandonar pela festa.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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