Escola sem aula, futebol sem jogo: a crise do clima no nosso dia a dia

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Foi o calor absurdo que levou o Flamengo e o Botafogo a cancelarem uma partida que aconteceria na tarde de hoje (19), pela Copa Rio Feminina. Ao longo da semana, os termômetros do Rio de Janeiro chegaram a marcar 44 graus em algumas regiões. A prefeitura abriu 58 pontos de hidratação e abrigo. Entre a negação de alguns e o lenga-lenga de governos, a nossa vida tem mudado radicalmente.
Mangaratiba, na Costa Verde, e Barra Mansa, no sul do estado, anunciaram que os horários de escolas e creches foram reduzidos até a sexta-feira. Há poucos meses, o Rio Negro teve o menor índice de água no Porto de Manaus desde 1902.
Na semana passada, a volta às aulas de mais de 700 mil estudantes do Rio Grande do Sul aconteceu depois do planejado, também por conta do calor extremo. A mesma região sul do país agora recebe alertas de tempestades, com ventos de até 100 km/h.
Em sua terceira onda em 50 dias, o calor excessivo ameaça a nossa saúde.
Infraestruturas despreparadas e impactos desiguais
Entre a negação de alguns e o lenga-lenga de governos, o mundo como o conhecíamos vai deixando de existir. E muitas vidas vão sendo perdidas pelo caminho, como aconteceu ontem em São Paulo. Desde dezembro, 19 pessoas morreram no estado.
Não é a chuva quem mata, é a falta de vontade política.
Pesquisador do Lasa-UFRJ (Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais no Departamento de Meteorologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro), Djacinto Monteiro dos Santos afirma que "nenhum setor da economia e da sociedade está suficientemente preparado para a realidade das mudanças climáticas".
Da combinação de dois elementos, ele aponta, um efeito cascata atravessa o nosso dia a dia. "O primeiro elemento é a falta de preparo das infraestruturas urbanas, sejam escolas, transporte público, hospitais, o sistema de saúde como um todo, o setor de energia", aponta o pesquisador. "Depois, temos os desastres e os riscos representados por esses eventos extremos. Quando eles se combinam, os impactos se tornam muito maiores e atingem principalmente as populações mais vulneráveis".
No Brasil, mudam-se as formas de morrer, só não muda quem morre primeiro.
Mitigação e adaptação: como enfrentar o problema?
Crianças sem aula, insegurança hídrica e alimentar e perda de vidas. Antes, o clima era uma conversa de conferências, entre especialistas. Hoje, Djacinto pode fazer uma lista do que já mudou em nossas vidas e a gente nem percebeu. Ou finge que não, ou escolhe não perceber. A realidade é essa: não temos outra escolha a essa altura.
"Quando falamos de eventos climáticos extremos, lidamos com mitigação e adaptação. Precisamos minimizar os problemas futuros, mas sem desconsiderar os desafios do presente, que exigem estratégias de adaptação imediatas", explica.
Ou seja, de agora em diante a vida será um pouco assim. Então, como a gente se prepara para isso acontecendo todos os dias. E, junto, o que se pode fazer para recuperar o equilíbrio ambiental que já tivemos um dia. Lá atrás, a sua avó sabia qual era o mês das chuvas.
"Sobre mitigação, precisamos de uma governança global e multilateral, envolvendo não só governos, mas também empresas, movimentos sociais e aqueles que estão na linha de frente do problema", diz o pesquisador.
Isso significa reduzir as emissões provenientes do desmatamento e da queima de combustíveis fósseis e promover formas de produção de alimentos com baixa emissão de carbono. Além de uma transição energética justa.
"Já no campo da adaptação", indica Djacinto, "é essencial que governos formulem cidades mais justas e resilientes, com infraestrutura adequada para enfrentar eventos climáticos extremos".
Na prática, é isso aqui: um sistema de transporte público, de saúde e estruturas urbanas que estejam adaptadas a essa nova realidade. Ou então, você continuará 4 horas dentro de um ônibus para voltar para casa, toda vez que chover.
Qual é o papel de cada uma de nós nesta história?
Em suas pesquisas, Djacinto busca entender como as questões climáticas e a saúde pública se encontram. Por isso, ele consegue perceber e nos alertar como é que as nossas vidas já estão diferentes. E vão continuar mudando, para pior, se nada for feito agora.
"As mudanças climáticas são uma realidade e sabemos que a situação só tende a se agravar nos próximos 5, 10, 30, 50 anos. Não queremos ser alarmistas, mas precisamos ser realistas: esse cenário já está batendo à nossa porta". Você, ele e eu podemos fazer muitas coisas para mudar o rumo dessa história. Todo mundo pode.
"A ciência e os meios de comunicação têm um papel fundamental em informar e mobilizar a população. Quanto mais unirmos esforços para alertar e pressionar, melhor. Estamos correndo contra o tempo", finaliza.
Eu me lembrei da comunicadora Samara da Silva, que outro dia me disse assim: "Este é o ano mais frio que a gente vai viver daqui para frente". Essa frase não me sai da cabeça, espero que não saia da sua também.
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