Recorde de salas de cinema mostra impacto das políticas públicas do Brasil
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A Ancine (Agência Nacional do Cinema) anunciou na última quinta-feira (6) que o Brasil nunca teve tantas salas de exibição como agora: 3.509 estão em funcionamento em todo o país. Um recorde. E não para por aí.
No ano passado, mais de 121 milhões de pessoas passaram pelos cinemas brasileiros, o dobro do público de 2023. Puxados por sucessos nacionais feito "Ainda Estou Aqui" e "O Auto da Compadecida", os números de 2025 podem ser ainda maiores. Como tudo na vida, uma coisa só acontece quando tantas outras acontecem juntas. Nada existe sozinho, em separado.
Políticas públicas e movimentos impulsionam retomada
"A recuperação do número de salas de cinema está diretamente relacionada ao impacto positivo das políticas públicas voltadas ao audiovisual e ao fortalecimento da produção nacional", explica a produtora e realizadora audiovisual Anna Andrade. Nascida no Cabo de Santo Agostinho e moradora do Recife (PE), Anna trabalha na distribuição de filmes.
"Antes, durante e depois da pandemia (até janeiro passado) vivemos um dos períodos mais difíceis deste país, com retrocessos e desmontes que impactaram diretamente na cultura e no audiovisual, fazendo com que toda a indústria entrasse em crise", detalha Anna. Para se ter uma ideia, a pandemia e os seus desdobramentos cortaram as salas de exibição pela metade: de 3.507 em 2019 para 1.860 em 2020. É sobre a arte como arte, sim, mas não só.
Quem espera subir os créditos no final de um filme já sabe disso: aquelas duas horas quase mágicas no cinema são resultado do trabalho de muita gente. Se acha que não, tente contar quantos nomes sobem a tela. Então, é assim: menos salas, menos filmes. E menos trabalho e renda para muitas famílias.
O resgate e a reorganização da política do investimento público no setor fez com que as coisas fossem se transformando com o tempo, explica Anna. A cultura voltou a ter um ministério e isso muda tudo. Também foram retomados os investimentos no FSA (Fundo Setorial do Audiovisual), por exemplo. A SAV (Secretaria do Audiovisual) foi reformulada, um outro exemplo. E por aí vai.
Anna explica que "as leis emergenciais Paulo Gustavo e Aldir Blanc desempenharam um papel fundamental na democratização do acesso à cultura e ao audiovisual, permitindo que mais filmes nacionais fossem produzidos e exibidos". A gente lê sobre o milagre - o recorde de salas no país, mas fica sem entender qual foi o santo. E, neste caso, foram vários.
Descentralização do recurso e acesso ao cinema nacional
"Outro ponto importante", explica Anna, "foi o esforço de diversas entidades, associações e movimentos organizados da sociedade civil, que contribuíram para a mobilização e fortalecimento da indústria cinematográfica". "Tudo isso", defende a distribuidora, "resultou em uma reestruturação institucional que trouxe efeitos positivos tanto na criação e produção de filmes, quanto na ampliação do número de salas". Mais filmes, mais salas, mais trabalho.
Não só para quem está diretamente ligado ao que se assiste na tela. O pipoqueiro, por exemplo, num cinema de rua. A atendente, que pede para você escolher a poltrona numa tela. É tudo trabalho, é sempre sobre pessoas.
"O atual momento do cinema brasileiro é reflexo positivo dessa retomada e do acesso nos últimos anos, pois filmes produzidos com o apoio dessas políticas públicas conseguem se estruturar em relação à sua circulação e têm maior interesse do público, gerando, consequentemente, mais demanda por espaços de exibição", diz.
Notícia boa, sim, para celebrar, sim, mas dá para melhorar. Na verdade, é preciso que se melhore. Anna conhece e conversa com os cinemas feitos em vários cantos do Brasil. Como profissional da área e alguém que ama filmes, sabe como poucas pessoas o que vai dizer agora:
"O cinema brasileiro está, de fato, em um momento de reconstrução, mas ainda enfrenta muitos desafios. Atualmente, grande parte dos recursos destinados às políticas de incentivo está concentrada nas empresas localizadas no eixo Sul/Sudeste", aponta. "Isso interfere diretamente na produção e comercialização dos filmes, além de impactar no que chega ao público nas salas de cinema".
Ou seja: é de se comemorar que existam tantas salas abertas. É de se pensar e agir como fazer para que mais filmes brasileiros sejam exibidos nelas. Nossa próxima tarefa nacional?
"Muitos filmes de qualidade, produzidos aqui, acabam não chegando às salas de cinema ou têm campanhas de divulgação limitadas, o que restringe o acesso do público a essas obras", explica Anna, que aponta uma das direções a seguir.
"A descentralização de investimentos e a democratização do acesso ao cinema são essenciais para garantir que mais produções, de diferentes partes do Brasil e com vozes diversas, possam alcançar a mesma visibilidade e reconhecimento" - aqui Anna citava "Ainda Estou Aqui" e suas 4 milhões de pessoas até agora.
"Isso não só ajuda na valorização do nosso cinema, como também abre portas para que outras obras brasileiras se destaquem em espaços internacionais". Se Anna acredita que o Brasil conquistará seu primeiro Oscar? Sim, e muito. Mas essa já é uma outra história. Se você voltar, eu conto.
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