Recuo de aliança nos EUA não muda pauta climática no setor financeiro

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O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, nem bem sentou na cadeira e algumas de suas ideias já estão chacoalhando o mundo - e os bolsos. Nesta semana, a Net Zero Asset Managers (NZAM), maior coalizão de gestores do mundo pela agenda climática, anunciou uma suspensão temporária de suas atividades para um balanço geral. A decisão teria sido motivada pela saída da BlackRock do grupo, gestora que administra cerca de US$ 11,5 trilhões em ativos. Dias antes, a Net-Zero Banking Alliance (NZBA), que reúne grandes bancos, também sofreu diversas baixas com a perda de gigantes como Bank of America, Citi, Goldman Sachs e JPMorgan.
Este recuo da NZAM e a aparente debandada do setor financeiro de alianças ambientais podem ter um efeito político importante nos Estados Unidos. Com a ascensão republicana, as instituições estão sofrendo fortes pressões para segurar a agenda. Porém, na prática, não parece haver nenhuma mudança significativa em curso, além de uma insegurança jurídica local e, claro, um enfraquecimento da própria coalizão.
É o que pensam os especialistas ouvidos durante a semana por esta coluna. "A NZAM é uma aliança voluntária, não obrigatória. E ela não interrompeu suas atividades, apenas está em revisão. As gestoras que saíram da aliança, incluindo a BlackRock, seguem com as mesmas metas climáticas e não deixaram de levar em conta os riscos materiais - os riscos climáticos estão entre eles. Todos declararam que, apesar de sair da coalizão, seguiriam com suas ações individualmente. É só pensar o óbvio: nenhum banco vai deixar de olhar os riscos climáticos na hora de financiar qualquer coisa", comentou Linda Murasawa, consultora de sustentabilidade, clima e finanças da Fractal Assessoria. Ela lembra que este recuo faz parte de um jogo político específico norte-americano, graças ao negacionismo climático de Donald Trump, uma vez que não houve este mesmo movimento em nenhuma outra parte do mundo. A bola não está com os Estados Unidos e o jogo não vai parar só por causa deles.
José Pugas, sócio e diretor de sustentabilidade da Régia Capital, concorda que este seja um contexto específico norte-americano, lembrando que é importante, no momento, diferenciar o que é som do que é ruído: países como China, Japão e Cingapura apresentaram planos de descarbonização detalhados e a Europa segue firme em seus compromissos robustos. "Temos que olhar numa perspectiva global. A pauta climática avança como a maré - tem idas e vindas. Nos Estados Unidos, está havendo sim um retrocesso. Mas, no mundo, há um forte avanço e estamos atravessando um momento em que as regulações estão se acomodando", diz.
Pugas pontua que a instabilidade trazida pelo governo Trump à agenda climática norte-americana pode acabar beneficiando o Brasil. "Investidores não vão querer colocar dinheiro em um país que o próprio governo ameaça barrar subsídios em energia limpa, por exemplo. Aí que o Brasil entra no jogo como a melhor opção para estes investimentos, temos mais segurança jurídica". Ele completa: "Só temos a ganhar com esta crise nos Estados Unidos, não devemos nos preocupar. O Brasil é muito mais relevante nesta pauta".
Linda Murasawa reforça a posição privilegiada brasileira no momento. "Temos políticas nacionais, programas governamentais de baixo carbono, metas setoriais. As regulamentações existentes no país podem impulsionar este movimento e atrair investidores", afirma a executiva.
Jaques Paes, especialista em projetos e professor de MBAs na FGV (Fundação Getúlio Vargas), aponta ainda a fragilidade de coalizões como a NZAM, que não teriam um papel prático definido. "Este tipo de coalizão é um jogo de poder disfarçado que não veio para resolver problemas ambientais. Como pode existir uma aliança em que cada participante tem autonomia para implementar suas próprias metas?", questiona.
Segundo ele, as coalizões são importantes para mostrar ao mundo que há engajamento em torno de um tema. "Entretanto, neste caso, o que parece, é que, dependendo de quem está no governo, a narrativa faz ou não sentido. Há uma indefinição de papéis e responsabilidades em uma estrutura que não trouxe nenhum resultado até agora. Por isso que, na prática, nada vai mudar com este recuo", finaliza.
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