Roberto Sadovski

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Opinião

Febril e bem-humorado, 'Anora' é revelação da exuberância de Mikey Madison

"Anora" não é uma versão moderna de "Uma Linda Mulher". Claro que existem paralelos - a profissional do sexo que sonha com uma vida melhor, o milionário que lhe abre essas portas, a grande confusão que resulta desse encontro. O diretor Sean Baker, entretanto, não parece minimamente interessado no conto de fadas redentor.

No choque entre mundos antagônicos, o olhar do responsável por pérolas modernas como "Tangerina", "Projeto Flórida" e "Red Rocket" repousa sobre a busca do amor em meio ao caos. Mas não o amor romântico, rotulado de forma impulsiva ao casal de protagonistas, e sim o amor-próprio de uma jovem que se recusa a ser rotulada pelo que ela faz e briga para ser vista por quem ela é.

É um dilema que, a princípio, não parece preocupar Anora Mikheeva - ou simplesmente Ani -, stripper e profissional do sexo que passa a noite entretendo clientes em um inferninho no pedaço habitado por imigrantes russos no Brooklyn. Quando seu caminho cruza o de Ivan Zakharov, filho de um oligarca russo mais preocupado com drogas e festas e menos com seus estudos nos Estados Unidos, Ani vê uma oportunidade.

Mikey Madison em 'Anora'
Mikey Madison em 'Anora' Imagem: Universal

Existe uma linha tênue entre impulso e ingenuidade, cruzada quando Ani topa passar a semana com Ivan em sua mansão nababesca por gordos US$ 15 mil. Esse descuido emocional, inflamado pelo sexo e pela sensação de liberdade, escala para um casamento em Las Vegas. Quando a notícia atravessa o mundo e chega aos ouvidos dos pais de Ivan, contudo, providências rapidamente são tomadas para que o jovem leve um corretivo e Ani seja despachada.

Embora "Anora" transcorra em estado de tensão permanente, as ações não resultam em violência. Ao longo de três segmentos claramente divididos, Sean Baker opta pela costura do humor, acentuado por meio de personagens - de padrinhos a cafetões a capangas - que nunca se comportam seguindo seu estereótipo. Ao sublinhar o inusitado, o diretor humaniza essas figuras, trazendo ternura à urgência da ação.

Seu trabalho seria claramente mais difícil sem o talento revelador de Mikey Madison. Lapidada de "Era Uma Vez em... Hollywood!" ao quinto exemplar de "Pânico", ela surpreende com uma performance implacável, saltando da doçura à fúria sem perder ritmo ou personalidade. Ani é um papel física e emocionalmente exigente, de nuances complexas, que ela abraça com avidez. É assim que estrelas são feitas!

O diretor Sean Baker e seu elenco no set de 'Anora'
O diretor Sean Baker e seu elenco no set de 'Anora' Imagem: Universal
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Ao longo de sua carreira, Sean Baker mostrou habilidade em compreender a massa marginalizada, invisíveis aos olhos da "sociedade". Esse entendimento é acentuado por uma busca não pela autenticidade, e sim por um cenário hiper-realista no qual ele tem liberdade para posicionar suas histórias. "Anora" não seria, portanto, sobre os pormenores e desprazeres da vida de profissionais do sexo, e sim uma história sobre poder.

Ou melhor, sobre uma fantasia masculina de poder, entrelaçada com um conto sobre empoderamento feminino, dolorosamente interrompido pelo movimento dos über ricos. É fascinante como "Anora", mais do que nos trabalhos anteriores de Baker, traça um caminho irreversível da fantasia febril para a solidez de uma realidade que, como Ani descobre, não cede a bravatas.

A jornada é agridoce e estranhamente cativante. Preste atenção no capanga interpretado por Yura Borisov, talvez a grande âncora emocional do filme. Tente não se encantar pela exuberância de Mikey Madison e fracasse copiosamente. Sean Baker acalenta o coração antes de dilacerá-lo com um golpe fulminante. Saber que essa ferida tem cura, contudo, é parte do charme terno e irresistível de "Anora".

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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