Oscar 2025 celebra o cinema independente em noite, para o Brasil, histórica

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"Ainda Estou Aqui", drama dirigido por Walter Salles e protagonizado por Fernanda Torres, foi escolhido Melhor Filme Internacional na cerimônia do Oscar realizada apropriadamente em pleno domingo de Carnaval. Foi um momento histórico para o cinema brasileiro, que garfa aqui sua primeira estatueta dourada, e um dos pontos altos em uma festa protocolar, de poucas surpresas e que ainda vale estes dois centavos de prosa.
Após a pausa dos festejos de Momo - fiquei off de redes sociais depois de apresentar a cobertura ao vivo do Oscar aqui no UOL -, me deparei com o barulho de sempre. A turma xingando muito no Twiter depois que a estrela de "Anora", Mikey Madison, foi para casa com o Oscar de Melhor Atriz, frustrando a torcida (minha, inclusive) pela vitória de Fernanda Torres na categoria.
Tremenda bobagem de quem enxerga tudo como competição. A campanha estelar de "Ainda Estou Aqui" terminou com saldo para lá de positivo. Além do Oscar, que fica com o diretor Walter Salles, o mundo teve o privilégio de conhecer o talento infinito e a simpatia imensurável de Fernanda. Ela parabenizou a colega oscarizada e volta para casa gigante, celebrando o triunfo do cinema independente bem no quintal da terra dos blockbusters.
O ESPÍRITO INDEPENDENTE
E foi o cinema independente quem deu o tom do Oscar 2025. Quando Quentin Tarantino subiu ao palco para entregar o prêmio de Melhor Diretor, era certo que Sean Baker subiria ao palco para coletar mais uma estatueta por "Anora". Foi o terceiro de quatro Oscar que o diretor levou para casa, um recorde que igualou os prêmios que um certo Walt Disney levou para casa em 1954 - mas por filmes diferentes.
De Coppola a Cameron e Peter Jackson, passando por Chloé Zhao, Alfonso Cuarón e Bong Joon Ho, o número havia passado raspando em cerimônias anteriores. O feito de Baker se deve ao clima favorável ao cinema independente que permeou todo o Oscar 2025. Enquanto os blockbusters "Duna Parte 2" e "Wicked" brilharam em categorias técnicas, "Anora" representou o espírito do cinema de muitas ideias e pouco dinheiro.
Não que filmes como "Oppenheimer", celebrado ano passado, não tragam a assinatura de seu realizador - no caso, Christopher Nolan. Mas são produções opulentas, não raro tocadas em espírito de comitê. "Anora", por sua vez, custou US$ 6 milhões, um trocado na ecosfera hollywoodiana, e Baker não se furtou em arregaçar as mangas ao produzir, escrever, montar e dirigir o filme. Curiosamente, a produtora Neon investiu cerca de US$ 18 milhões em sua campanha vitoriosa.
A ELEGÂNCIA DAS DIVAS
O quinto Oscar de "Anora" foi, claro, para sua estrela, Mikey Madison. A atriz apresentou uma performance espetacular em um papel difícil e já havia sido reconhecida semanas atrás no BAFTA, a premiação do cinema britânico. Embora houvesse um clima de "redenção" que parecia dar vantagem a Demi Moore em "A Substância", além do reconhecimento da indústria ao trabalho primoroso de Fernanda Torres em "Ainda Estou Aqui", o Oscar colocou um pé no futuro e premiou a jovem de 25 anos.
Claro que isso disparou a indignação esperada em redes sociais, com brasileiros alternando entre o bom humor dos meses e a bile da frustração vazia para ventilar sua fúria da vez. Mikey, que não possui redes sociais, foi poupada dos comentários mais acalorados, e recebeu não só os parabéns de Demi como também de Fernanda. Aprendam com a elegância das duas, trolls!
Curiosamente, a artilharia canarinho pareceu arrefecer para o lado de "Emilia Pérez", que no começo da corrida pelo Oscar, e no alto de suas 13 indicações, foi colocado como grande favorito da noite. O filme de Jacques Audiard, claramente prejudicado por fatores que nada tem a ver com suas qualidades cinematográficas, perdeu tração e terminou com as premiações esperadas para Zoe Saldaña (Melhor Atriz Coadjuvante) e para a canção "El Malo". Sobre as críticas ao filme, Zoe foi cirúrgica na coletiva pós Oscar: "Não fizemos um filme sobre um país, e sim sobre quatro mulheres".
FRAGMENTOS POLÍTICOS
A cerimônia, embora trouxesse a mistura habitual de programa humorístico, festa da firma e telejornal, não fugiu de momentos sóbrios - e nem estou me referindo à metragem do discurso de Adrien Brody, que falou por um recorde de 5 minutos e 40 segundos ao aceitar a estatueta de Melhor Ator por "O Brutalista". O importante é o que ele disse, em especial sobre estar mais uma vez no palco defendendo um personagem marcado pelo trauma da guerra e da opressão. "O ódio não pode passar incólume", disse.
Foi um discurso incisivo em uma festa amplamente apolítica, apesar de os Estados Unidos viverem hoje o show tresloucado de Donald Trump. Tirando uma piada mirando o presidente laranja pelo apresentador Conan O'Brien, e do comentário pró imigrantes feito por Zoe Saldaña, a sala só prestou atenção à temperatura política com a vitória inesperada do documentário "Sem Chão" - uma surpresa porque o filme continua sem distribuição nos EUA.
Rodado por um coletivo de ativistas palestinos e israelenses, o filme versa sobre a destruição de Masafer Yatta, conjunto de vilas palestinas localizado na Cisjordânia ocupada, perpetrada pelas forças militares israelenses. Ao receber o Oscar, o diretor israelense Yuval Abraham ressaltou que seu povo só estará livre e a salvo quando o povo de seu codiretor, o palestino, Basel Adra, também o estiver. "Existe uma solução política que os Estados Unidos estão ajudando a bloquear", disse, para aplausos da plateia.
VOZ E CORES DO BRASIL
Foram fagulhas em uma festa correta e ligeira, mesmo que morna. O Oscar 2025 se mostrou protocolar até nas críticas que recebeu, do suposto etarismo por conta da premiação de Mikey Madison ao desrespeito ao deixar nomes importantes fora da homenagem aos artistas que morreram ao longo do último ano. São ponderações que merecem atenção dado o escopo da festa. Só não vale dizer que a cerimônia não inova em sua estrutura: Oscar bom, vale lembrar, é Oscar cafona e exagerado!
Da mesma forma que a estrega dos prêmio da Academia se mostra a coisa mais importante em sua bolha, o Oscar se torna ultrapassado já na manhã seguinte. Suas consequências - como o rumo da carreira dos premiados e o impacto (se houver algum) do que foi dito ao longo da festa, está agora nas mãos do tempo. Em mais ou menos um ano estaremos de novo nessa montanha-russa, como dita a natureza cíclica da cultura pop.
Para o nosso quintal, o que importa é celebrar a conquista histórica de "Ainda Estou Aqui". Ainda mais importante seu papel como como ponto de inflexão em nossa indústria. A continuidade deste momento não pode sucumbir à tentação das fórmulas: o filme de Walter Salles representa um esforço único e inimitável, e o que funcionou em sua campanha não deve se tornar regra.
Cada produção que traga a voz e as cores do Brasil, não importa seu escopo ou seu tema, precisa descobrir seu próprio caminho, entender suas próprias necessidades e dar seus próprios passos. Se existe uma lição exposta por "Ainda Estou Aqui" é que nossas histórias conseguem, quando transformadas em arte. Tocar o mundo. Agora eu quero ver outra estatueta verde e amarela, de preferência até a celebração do centenário do Oscar em três anos. Temos tempo!
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