Amazon no controle, Broccoli fora: Muda tudo no universo de James Bond

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Uma canetada. Bastou isso para que um pedaço da história do cinema fosse alterado de forma até então inimaginável. Os produtores da série 007, Barbara Broccoli e Michael G. Wilson, cederam controle criativo do universo de James Bond para a Amazon, que desde 2022 tinha o direito de distribuição da série. Na prática, desfez um negócio de família de mais de seis décadas.
A história de Bond no cinema começou em 1962, quando os produtores Albert Broccoli e Harry Saltzman lançaram "007 Contra o Satânico Dr. No", primeira adaptação das aventuras do espião criado por Ian Fleming. Broccoli passou a dividir a produção com seu enteado Michael em "Na Mira dos Asassinos", de 1985, e sua filha Barbara assumiu a série com o irmão em "Goldeneye" uma década depois.
A série, entretanto, estacionou em um limbo após a partida de Daniel Craig, que defendeu o papel do espião em cinco filmes, sendo o último "Sem Tempo Para Morrer", de 2021. No ano seguinte, a Amazon comprou o estúdio MGM por US$ 8.5 bilhões, com os direitos de distribuir os filmes futuros de James Bond a partir de então.
A direção criativa da série, contudo, permanecia com Barbara Broccoli e Michael G. Wilson. Decisões sobre o rumo das aventuras de 007 - e de seu universo - esbarravam no controle rígido exercido pelos produtores. Mesmo com a latitude exercida nos filmes ao longo do tempo, especialmente os da era Craig, James Bond manteve as mesmas características desenhadas originalmente por Fleming.
Parceiro passivo
Agora tudo mudou. Michael G. Wilson, hoje com 83 anos, se aposentou como produtor após "Sem Tempo Para Morrer". Barbara, que teve sua carreira - e sua vida, na verdade - conectada a 007 desde sua infância, percebeu que era hora de passar o bastão. As três partes - os produtores e a Amazon - forjaram então um acordo que equilibra os direitos da série, com o gigante do streaming, até então um parceiro passivo e frustrado pela demora em tirar um novo filme da gaveta, sendo agora responsável pelos novos rumos da série.
E agora? Bom, o futuro de James Bond ainda é nebuloso, já que não existe história, roteiro, diretor ou ator selecionados para seu retorno ao cinema. O ritmo glacial imposto pela rigidez da família Broccoli, que produziu cinco filmes com Daniel Craig em 15 anos - uma eternidade no mercado supersônico das propriedades intelectuais -, deve ceder espaço a um time que vai acelerar a produção e lançamento de novas aventuras.
Havia, claro, método nessa mesma rigidez. A principal, ao longo de seis décadas, foi proteger os pilares associados à marca - do Aston Martin pilotado pelo espião à pistola Walther PP ao martini "batido, não mexido". Apesar da constelação de coadjuvantes, o cuidado em proteger e não pulverizar as histórias fizeram com que Bond, sempre Bond, estivesse à frente de cada aventura.
Avalanche especulativa
O panorama do que seria uma propriedade intelectual, entretanto, foi alterado radicalmente e irrevogavelmente na cultura pop. O universo compartilhado da Marvel, série financeiramente mais bem sucedida da história, atiçou os instintos de produtores que buscam otimizar a monetização de seus ativos.
Agora está nas mãos da Amazon ater-se aos princípios da família Broccoli ou expandir 007 em spin-offs para o cinema e séries de TV. Ontem mesmo, Jeff Bezos, dono da Amazon, estava em suas redes sociais pedindo sugestões de quem poderia ser o novo Bond.
A certeza agora é a avalanche especulativa que deve tomar a atmosfera da cultura pop. Os fãs mais ranhetas, aqueles que sempre detestaram a versão de Craig e acreditam que James Bond deve ser mantido como monólito imutável, congelado eternamente na Guerra Fria. Já a turma mais moderna e menos histérica estão de olho nos próximos movimentos para se manifestar. Não dá para comentar o que sequer existe.
SEM AMARRAS
A verdade é que qualquer avanço no universo de James Bond levará tempo. O acordo ainda precisa ser ratificado por órgãos regulatórios, e oficialmente a Amazon vai segurar quaisquer planos para Bond pelo menos até o fim deste ano. Não existe sequer um produtor destacado para guiar os rumos da série, mas certamente o estúdio não vai sentar nas próprias mãos por muito tempo.
Apesar da recepção calorosa a alguns títulos produzidos pela Amazon desde que o gigante de vendas online entrou no negócio do audiovisual, como "Suspiria", "Som do Metal" e "Saltburn", falta ao estúdio uma marca longeva que mantenha a engrenagem funcionando para além do conforto do sofá e que possa incendiar as bilheterias. Uma propriedade intelectual como James Bond não pode ficar sentada no limbo vendo o tempo passar pela janela.
A responsabilidade dos Broccoli em manter a integridade de uma marca que se tornou o legado da família está agora em outras mãos. Pessoalmente, eu adoraria ver algum autor apaixonado por Bond assumir uma próxima aventura. Nolan, Villeneuve, Tarantino ou Fincher, trabalhando sem amarras em um filme para chacoalhar o status quo de 007. Vale tudo, certo?
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