Roberto Sadovski

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Opinião

Sem sal ou riscos, novo 'Capitão América' mostra a Marvel perdida no jogo

A Marvel perdeu seu mojo. E nem é de hoje, já que o brilho do estúdio anda embaçado desde que Tony Stark se sacrificou para salvar o universo em "Vingadores: Ultimato".

O que era um plano bem azeitado em criar um universo compartilhado se tornou, então, uma jornada com alguns altos e muitos baixos. Neste cenário, "Capitão América: Admirável Mundo Novo" é um sintoma, e não a doença.

O estúdio peca pelo excesso. São dezenas de filmes e séries expelidos sem passar por um controle de qualidade rigoroso. Novos personagens nem sequer têm tempo de conquistar alguma fatia do público e são logo escanteados em prol da próxima novidade.

Houve um controle de danos e uma redução de produção em 2024, com "Deadpool e Wolverine" como único filme Marvel para o cinema. Financeiramente foi um sucesso. Criativamente, nada saiu do lugar.

"Admirável Mundo Novo" estreia com a missão infeliz de reacender o interesse neste universo, resgatando elementos do passado da Marvel ("O Incrível Hulk", "Eternos" e uma pitada de "Viúva Negra" entram na mistura) para tentar sugerir um caminho para o futuro. Tudo isso existindo como filme, vá lá, autocontido e com algum semblante de começo, meio e fim.

O oceano de fatores externos terminou por minar sua lógica interna. "Admirável Mundo Novo" tenta iniciar uma série de discussões que poderiam dialogar com nosso mundo, criando a mesma ilusão de realismo que ajudou, por exemplo, a solidificar o sucesso de "Capitão América: O Soldado Invernal", até hoje um dos pontos altos do catálogo Marvel.

Mas "tentar", como diria Yoda, não é o bastante.

Anthony Mackie em 'Capitão América: Admirável Mundo Novo'
Anthony Mackie em 'Capitão América: Admirável Mundo Novo' Imagem: Marvel
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A trama dispara com a eleição do ex-militar Thadeus Ross (Harrison Ford, substituindo William Hurt, que morreu em 2022) como presidente dos Estados Unidos. Antes um sujeito linha dura, responsável pela caçada ao Hulk e pela dissolução dos Vingadores, Ross agora quer o diálogo.

O motivo é o acordo com outras potências pela utilização dos recursos da Ilha Celestial, monólito cósmico deixado no Oceano Índico ao final de "Eternos".

Se a linha de Ross seria diplomática, um incidente terrorista ameaça melar o acordo e a frágil sensação de segurança de um mundo ainda assombrado pelo sumiço de metade da população por cinco anos.

Neste cenário, o Capitão América (Anthony Mackie) tenta salvar a cara de um amigo acusado injustamente de atentar contra o presidente e desbaratar a conspiração que coloca essa paz em risco.

O diretor Julius Onah nem sequer esconde o uso da estrutura de "O Soldado Invernal" como base para o longa. São bases secretas, personagens sofrendo controle mental e o herói contando com a ajuda de uma ex-espiã para resolver o caso.

O problema é que, para funcionar, o entusiasmo que alimenta o fã precisa ser orgânico: quando essa empolgação é orquestrada por um comitê, o público sente o golpe e responde com bocejos.

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Harrison Ford e Anthony Mackie em 'Capitão América: Admirável Mundo Novo'
Harrison Ford e Anthony Mackie em 'Capitão América: Admirável Mundo Novo' Imagem: Marvel

Deixando a marca Marvel de lado, junto com todo seu peso e implicações, "Capitão América: Admirável Mundo Novo" ainda é uma empreitada anêmica. Depois de um primeiro ato sem um ponto de entrada claro, o filme se apoia em um texto que não para em pé.

O plano traçado pelo vilão Samuel Sterns (Tim Blake Nelson, recuperado de "O Incrível Hulk") sugere uma carga política que rapidamente é esvaziada, sendo reduzido a uma trama de vingança banal. Falta coragem para assumir riscos. Para engajar o público em torno de alguma coisa, qualquer coisa!

É frustrante ver como "Admirável Mundo Novo" senta confortavelmente em seu nicho apolítico, com personagens apresentados e removidos a esmo, não raro posicionados em cima do muro. As cenas com Giancarlo Esposito, por exemplo, parecem costuradas de outro filme.

Ele é o terrorista Coral, mas seu grupo, as Serpentes, foi limado do texto original —seu braço direito, interpretado por Jóhannes Haukur Jóhannesson, terminou reduzido a um capanga sem nome.

O resto do roteiro, uma bagunça que absorveu a nefasta tendência de explicar a ação transcorrendo em cena, segue como uma salada de personagens claramente modificados ao longo da produção. Ruth Bat-Seraph (Shira Haas), agente de segurança israelense treinada na mesma Sala Vermelha da Viúva Negra, ameaça alguma relevância, mas é deixada de lado.

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O mesmo acontece com Isaiah Bradley (Carl Lumbly), supersoldado aprisionado por décadas pelo governo americano, usado como mero gatilho narrativo.

A fúria do Hulk Vermelho em 'Capitão América: Admirável Mundo Novo'
A fúria do Hulk Vermelho em 'Capitão América: Admirável Mundo Novo' Imagem: Marvel

Anthony Mackie, por sua vez, faz o que pode ao carregar o legado do Capitão América. É uma luta inglória: bom ator, falta a ele a aura de astro e o carisma de Chris Evans ou Chadwick Boseman, relativos desconhecidos que brilharam ao ser alçados à condição de protagonista.

Apesar do esforço, Mackie passa o filme espelhando o dilema de seu personagem: ele busca constantemente provar que aquele é seu lugar de direito.

Quem não faz o menor esforço, contudo, é Harrison Ford. Se o ator brinca em entrevistas que topou o trabalho por dinheiro, a coisa fica séria quando, na frente das câmeras, ele se coloca totalmente no automático, seu charme de astro veterano desaparecendo em cenas de um exagero constrangedor.

O que seria o grande momento de "Admirável Mundo Novo" —sua transformação no Hulk Vermelho—, passa raspando na galhofa.

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Inócuo na engrenagem do universo Marvel no cinema, e pouco atraente para se justificar como filme-solo, "Capitão América: Admirável Mundo Novo" é apenas uma trama de vingança na qual falta clímax e um propósito. A sensação é de uma banda de rock vetusta que volta com a formação original sem perceber que seu tempo já passou.

Ao final da sessão, um colega me disse que se divertiu porque o filme "não ofende". Achei terrível. Ser "passável e esquecível" é colocar a régua no chão, o elogio ao conformismo é a morte do entretenimento.

Este ano o estúdio tem mais duas tentativas —"Thunderbolts*" e "Quarteto Fantástico"— para voltar aos trilhos. Ao menos o alarme não soou para Liv Tyler: em "Admirável Mundo Novo", a atriz ganha o troféu Mark Hamill em "O Despertar da Força" como o cachê mais fácil que já embolsou.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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