Série de Marquezine e dificuldade da geração que tem muitas opções afetivas
Antes era assim: homem casava com mulher e a opção para quem não era feliz para sempre, como ensinavam os contos de fadas, era fingir que estava muito satisfeito.
A vida de comercial de margarina não era Instagramável porque não existia Instagram, mas era exibida na ceia de Natal, nas festinhas de garagem na vizinhança, na missa de domingo. O importante, por muitos anos na sociedade, era formar uma família. E, depois, mantê-la. A qualquer custo.
As coisas mudaram. Outro dia o filho de uma amiga chorou porque era o único que não tinha pais separados na sala. Ele estava se sentindo excluído da nova configuração de família em que se tem várias casas e - espera-se - famílias amplas e plurais vivem mais afetivamente.
Homens podem ficar com homens, mulheres podem ficar com mulheres, e ambos podem ficar com os dois (ainda bem) se assim desejarem. Vivemos uma sociedade mais livre que em décadas anteriores, em que amar é decisão individual e não um pacto coletivo em que a obrigação de ter uma família está acima de nossa própria vontade.
Isso leva à nova série da Disney, com Bruna Marquezine, "Amor da minha vida". A trama é sobre a história de dois melhores amigos, entre 25 e 30 anos, que moram no Rio e encaram a dor sem tantas delícias da vida adulta. A geração deles tem à mesa uma vasta opção de relacionamentos. Bia (Bruna) evita namoros porque não acredita na instituição padrão. Victor (Sergio Malheiros) é casado e acha que a coisa mais legal do mundo é ficar quietinho em casa com a esposa, como faziam os fenícios, digo, a maioria dos adultos. Todo mundo pode fazer o que quiser.
Mas, surpresa! Todo mundo sofre. Andar de mão dada, fazer sexo em frente a uma webcam, dormir de conchinha, pegar uma pessoa do mesmo sexo... pode tudo. E mesmo assim, se relacionar ainda é difícil.
Victor não entende por que a garota por quem está apaixonado há um ano não quer namorar sério. "Eu te amo. Mas amo mais minha liberdade", ela diz. Toma essa. A garota com quem Bia anda saindo é casada. Diz que Bia é um tipo de escape. A protagonista percebe a cilada afetiva, mas embarca mesmo assim. Vale mais ser prudente ou pular de cabeça em um abismo só para ter o efêmero prazer da adrenalina na queda? Ninguém sabe responder. Mas é tentando que se descobre.
Se gerações passadas saíam do baile de debutantes com o destino da monogamia traçado como meta, hoje os casais discutem a abertura de seus casamentos enquanto montam a lancheira do filho. Está errado? Claro que não. Porém, não é por isso que amar ficou mais fácil. "Não me vem discutir monogamia, eu saí de todas as redes sociais porque não aguento mais esse assunto", diz um entediado Victor que quer, sim, andar de mão dada no shopping e fazer sexo sempre com a mesma pessoa e está muito bem com isso, obrigado. Todos os amigos que pregam o amor livre que o cercam respeitam isso também.
É um privilégio dessa geração estar discutindo abertamente os assuntos do coração. Não está fácil para ninguém. Muita gente irresponsável afetivamente circula por aí traumatizando outras pessoas. "É uma epidemia. Um se fere e fere o próximo como uma onda de contágio", diz Paula, uma cam girl que prefere ficar longe de relacionamentos sérios. Porém, jogar honestamente as dores na roda e encarar o sofrimento de frente é o caminho do autoconhecimento. Se sentir tiver a profundidade que eles mostram na tela, parece que a vida vale a pena - no amor e na dor também, porque infelizmente não tem escudo para isso.
Quando a gente pula nesse abismo que é se relacionar, tudo pode parecer insuportável muitas vezes. Mas é assim que o autoconhecimento vem. E, pensando bem, não tem escudo melhor do que se conhecer direito, dialogar e respeitar o outro. Sigamos.
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