Luciana Bugni

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Opinião

É só barraco: Heleninha Roitman e a absurda dificuldade de lidar com um não

"Tem coisa que pode, tem coisa que não pode", dizia minha mãe. Parece óbvio, mas não é. Lidar com a frustração pode ser um desafio para quem não aprendeu que, frente às "coisas que não pode fazer" o jeito é abaixar a cabeça e sobreviver. Eu, por exemplo, não posso tirar a tarde de folga —eu queria muito— e não remoo por nem um segundo. Continuo trabalhando com a violinha no saco.

Heleninha Roitman (Paolla Oliveira, em "Vale Tudo"), a típica pobre menina rica (muito rica), não aprendeu isso com a mãe dela. Bem, eu não sei direito como pessoas muito ricas ensinam o que não se pode ter em um mundo em que a frustração é aniquilada com muito dinheiro. Quando se tem tudo, pode tudo, ué. Aí, a pessoa cresce sem entender como ouvir um não.

O "que não pode" é algo com o que a gente aprende a lidar para sobreviver em um mundo em que, se sairmos fazendo tudo o que dá na cabeça, não sobrará uma parede em pé.

Meu filho queria levar um gato na mochila para a escola. Não pode. Ele chorou no canto do quarto escuro e quase nos atrasamos. Ele disse que eu era a pior mãe do mundo. Eu falei que não é não. E que ouvir os nãos é treino. Ele foi para a escola, o gato ficou.

Olha que coisa injusta para o ser humano hedonista: quanto mais negativa a vida te dá logo cedo, melhor você aprende a viver uma vida cheia de privações —como todas as vidas, perdão por decepcionar os iludidos.

Heleninha levou o gato na mochila para a escola quando era criança? Deve ter levado.

Ela não consegue lidar com a frustração de desligar o telefone celular durante a terapia. Além de atender o celular, ela não consegue lidar com a frustração de continuar a terapia e vai atrás do moço que acabou de conhecer no meio da consulta! Se o garçom não entende a bebida que ela quer, ela quebra copos nele!

Quando sua mãe —uma megera terrível— afirma que ela é uma garota mimada, está correta. Quando diz que ela não sabe lidar com não aos 40 anos, também está.

Estamos aqui excluindo o fator doença, claro, porque é realmente difícil se livrar do alcoolismo. Mas entender que o moço que você achou gato tem uma namorada, e que não é você, é coisa simples se você tiver capacidade de enfrentar algum desapontamento. Guarda a tristeza para dramas reais.

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Não, Heleninha, não pode jantar sobremesa! Não, Heleninha, não pode cortar lençol para fazer saia! Não, Heleninha, não pode roubar o marido da moça!!!!

Odete, sua mãe, faz o oposto. Invade o quarto do filha após ela ter uma reação absurda na própria exposição de arte e a acolhe. "É saudável você estar péssima", ela diz, "porque sua reação foi um absurdo". Opa, parece que finalmente vai educar. Não vai. Apenas sugere que o moço por quem ela está interessada não é assim tão compromissado quanto ela acha. Ou seja: no lugar de "esse não é para você", Odete coloca o "todo mundo é para você, basta querer".

Em vez do "que não pode não pode" da minha mãe, entra aqui o "você pode tudo, querida, até o que não pode". É vilã mesmo, embora travestida de mãe boazinha.

Ser privado de frustração não é privilégio de gente muito rica não. Estamos educando gerações à margem do não, scrollando uma telinha infinita na qual o algoritmo é desses que só dizem sim. A frequência sexual do jovem baixou porque eles não aguentam o desgosto de parar de sentir prazer contínuo para dar prazer a outra pessoa. Precisa dizer mais?

Limite é amor. Negar o que nossos filhos não podem ter é treiná-los para uma vida toda de desencantamentos —assim é a vida real. Quando eles crescerem vão saber contornar os dissabores melhor que Heleninha. E valorizar as alegrias também.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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