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Tratar pet como gente: qual o limite e as consequências deste comportamento

Fernanda diz que seus pets são como filhos: ela veste roupinhas, faz festa de aniversário e se sente verdadeiramente mãe - Fernando Moraes/UOL
Fernanda diz que seus pets são como filhos: ela veste roupinhas, faz festa de aniversário e se sente verdadeiramente mãe
Imagem: Fernando Moraes/UOL

Juliana Finardi

Colaboração para Nossa

26/01/2021 04h00

Festa de aniversário, roupinha, carrinho de bebê, gravatinha, lacinho, sapatinho, dormir na cama do tutor, ser chamado de filho... Afinal de contas, existe um limite para a humanização dos pets? Uma margem de segurança que garanta o bem-estar dos bichinhos e a satisfação dos humanos? A polêmica é garantida e pode gerar longas discussões.

A publicitária Fernanda Penha Dias, 48 anos, pode dizer muito bem o que é ser julgada pela forma como trata seus pets. Já foi criticada nas redes sociais que mantém em nome deles, mas garante que entre os amigos não há problemas. "São pessoas que agem como eu, não sofro críticas".

Ela é "mãe" do bull terrier Quase Nada, de 10 anos, e da SRD Rabiola, de 7. Eles ganham presentes de dia das crianças, natal, festa de aniversário, roupinhas, vão à creche e têm fantasias especiais para datas comemorativas.

Foi quando trabalhava como voluntária de uma ONG protetora de animais que Fernanda adotou a cachorrinha Pink. "Foi naquele instante em que ela veio no meu colo pela primeira vez que me senti mãe", conta.

Fernanda Penha Dias diz que os pets são como filhos, ela veste roupinhas, faz festa de aniversário e sente-se verdadeiramente mãe - Fernando Moraes/UOL - Fernando Moraes/UOL
Fernanda com seus pets Rabiola e Quase Nada, seus "bebês"
Imagem: Fernando Moraes/UOL

"A Pink viveu 12 anos, teve 12 festas de aniversário, participou de todos os amigos secretos da minha família no fim do ano, tinha guarda-roupa com diversos looks do dia, a melhor cama de princesa, dormia comigo e comemorava dia das mães. A minha vida passou a girar em torno dela como uma mãe", diz a publicitária, que já chegou a se ofender com o título de "tutora".

Porque eu sou mãe! Aliás, não consigo conceber que ela teve uma mãe e um pai cachorros, isso não entra na minha cabeça por mais que eu saiba que eram"

Hoje, enquanto ainda vive o luto pela perda de Pink, Fernanda continua o tratamento humanizado com os demais pets. "Eles não comem na mesa junto com a gente porque isso eu acho exagerado, mas os chamo de bebês, eles vão à creche e têm fantasias de Halloween, natal e festa junina. Para mim, eles são meus filhos."

Ouvir o instinto animal

Flávia Cardozo gosta dos pets e está sempre com eles, mas é contra a humanização - bichos  - Fernando Moraes/UOL - Fernando Moraes/UOL
Flávia Cardozo gosta dos pets e está sempre com eles, mas é contra a humanização
Imagem: Fernando Moraes/UOL

A fisioterapeuta Flavia Cardozo, 32 anos, usa o exemplo da cachorrinha Nala, 7 anos, quando precisa exemplificar hábitos saudáveis para algum paciente.

"Ela dorme quando sente sono, come só quando sente fome, sente necessidade de se exercitar toda vez que me pede para jogar a bolinha e fica feliz sempre que tem um pouco mais de contato com a natureza, curte demais uma ida ao parque. Ao invés de humanizarmos os bichinhos, nós é que deveríamos ouvir um pouquinho mais o nosso instinto animal", disse.

Flavia também tem a gata Anita, 4 anos, e três passarinhos (Flora, Gucci e Dolce), todos adotados, e afirma ser contra a humanização:

Acho desnecessário primeiro porque é mais uma necessidade da pessoa do que do pet e segundo porque não acho saudável. Dou o melhor tratamento que posso, são meus maiores companheiros. Falam até que mimo demais, mas faço de tudo para que tenham uma vida feliz e saudável"

Flávia Cardozo gosta dos pets e está sempre com eles, mas é contra a humanização - bichos -  Fernando Moraes/UOL -  Fernando Moraes/UOL
Flávia dá o melhor tratamento aos seus pets, mas acha desnecessário exagerar
Imagem: Fernando Moraes/UOL

A veterinária comportamentalista da Rede Petz, Katia De Martino, afirma que existe um limite importante que respeita o bem-estar dos humanos e do pet. "Claro que o contato com o cão é muito prazeroso para os humanos, libera um hormônio, a ocitocina, que dá uma sensação de prazer e isso é muito bom, porém existe um limite".

Katia acredita que a humanização pode provocar a supressão de necessidades naturais dos pets como correr, brincar, farejar e estar em contato com outros animais da mesma espécie:

As pessoas acabam mimando muito e a perda dos hábitos e instintos começa a criar alguns desvios comportamentais como agressividade, ansiedade de separação (o cachorro não fica sozinho), medos e alguns problemas de compulsão"

"Pet é pet"

Nathaly Cristina Leo, com seus gatos Fredy e Frida - Alex Almeida/UOL) - Alex Almeida/UOL)
Nathaly Cristina Leo, com seus gatos Fredy e Frida
Imagem: Alex Almeida/UOL)

Os gatinhos Fredy e Frida, de 10 e 7 anos, vivem em uma casa com os muros cercados para que não saiam, comem ração e ganham petiscos, dormem com os humanos e recebem carinho.

"Pet é pet, humano é humano, eles têm outras necessidades diferentes das nossas. Vivemos em um país cercado de desigualdade social e querer mimar um animal que só precisa de carinho e cuidado é pura futilidade. Seu gato está feliz com uma casa, uma caminha quente e comida. Além disso é uma necessidade sua e não dele", diz a confeiteira Nathaly Cristina Leo, a humana responsável pelos dois felinos.

Para ela, humanizar é ignorar a natureza da espécie:

É achar que os animais precisam de festa de aniversário, creche, spa, e querer o retorno desse tratamento. Ou só para gerar conteúdo digital e inflamar o ego de seus 'pais'"

Uma relação histórica

cães bichos - Fernando Moraes/UOL - Fernando Moraes/UOL
Os cães adaptaram processos comunicativos a tal ponto de reconhecerem feições humanas e interpretá-las
Imagem: Fernando Moraes/UOL

A veterinária comportamentalista, doutora em Psicologia, Ceres Faraco, diz que o vínculo entre cães e humanos não é recente e começou quando a civilização deixou de ser nômade. "Obviamente que esse vínculo é dinâmico e vai ter configurações diferentes ao longo da história da humanidade, mas a questão é que não nasceu agora. Novos estudos indicam que houve um esforço evolutivo das duas espécies para conviverem porque haveria benefícios para ambas".

Enquanto os cães ganharam abrigo, alimentação e proteção, os humanos garantiram a interação social, também importante para a espécie canina. "Os processos comunicativos através da compreensão vêm evoluindo a tal ponto que os cães são capazes de reconhecer feições humanas e interpretá-las. Eles também mantiveram comportamentos e configurações anatômicas mais infantis ao longo da vida adulta porque isso se demonstrou benéfico", explica Ceres, e completa:

A vocalização mais próxima à dos filhotes e o fim da exposição dos dentes, que poderia ser vista como ameaçadora, também foram adaptações que vieram da convivência"

Com os bichanos, outra história

Nathaly acha errado a humanização de pets porque eles têm necessidades diferentes das humanas - Alex Almeida/UOL - Alex Almeida/UOL
Nathaly acha errado a humanização de pets porque eles têm necessidades diferentes das humanas
Imagem: Alex Almeida/UOL

Com relação aos gatos, a veterinária diz que se trata de outra história evolutiva porque aos poucos foram sendo incluídos como animais de companhia após serem utilizados apenas para a proteção de celeiros de alimentos.

Mesmo assim, é preciso garantir uma estrutura para que eles possam manter os instintos. "Alguns são extremamente sociais, outros menos, mas de qualquer forma é preciso garantir características importantes no manejo da casa para que eles sintam-se confortáveis com lugares elevados, rotas de fuga e pontos de eliminação separados dos pontos de comida".

A pesquisa de doutorado da socióloga política Kênia Gaedtke teve como tema o afeto e cuidado nas relações entre humanos e seus animais de estimação e ela diz que observou sentimentos muito fortes.

 Nathaly Cristina Leo - Alex Almeida/UOL - Alex Almeida/UOL
Imagem: Alex Almeida/UOL

"Porque aquele cachorro e aquele gato vão dar razão para a existência das pessoas. Na verdade, isso reflete um padrão que vem acontecendo nas nossas sociedades urbanas, muita gente atribuindo a si o papel de mãe de pet e garantindo a polêmica nos dias das mães", diz.

Na opinião de Kênia, a humanização vem de algo escancarado na modernidade e escrito por autores consagrados. "A sociedade ocidental tem obsessão em ser civilizada. Fazemos isso a qualquer custo tentando evitar nossos instintos e acabamos transferindo para os animais. Eles não podem correr, arranhar o sofá, vamos podando a animalidade deles".