'Me perdi quando meu gato morreu': luto pelo pet é real e pode ser tratado
O peso nos meus pés quando estou na cama. A textura do pelo. O miado rouco. O som das brincadeiras com um ratinho de brinquedo. Estas são apenas algumas das coisas das quais eu sinto falta do Mac, um gato siamês com quem tive o privilégio de conviver por 10 anos.
No ano passado, ele faleceu por conta de um tumor que acabou se espalhando por todo o abdômen. Os últimos 12 meses foram bastante difíceis. Desde que o Mac se foi, eu me perdi e ainda não me encontrei. E, além da dor, eu me sinto culpada. Afinal, "era só um gato", como já disseram. "Basta adotar um novo."
Em setembro, estava há algumas semanas sem chorar de saudade até que vi que Estopinha, o primeiro pet influenciador do Brasil, morreu. Junto com muitas outras pessoas da minha timeline, chorei pela perda de um bicho que eu nem conhecia. Assim como lamentamos a morte de uma celebridade ou uma grande personalidade.
É que a nossa relação com a morte de pets têm mudado e levou um nome nem um pouco inovador: luto.
Tristeza é real
Se antes os bichos de estimação estavam restritos aos quintais, a companheiros de trabalho, parte do sistema de segurança de uma residência, nas últimas décadas essa relação mudou completamente: eles entraram em nossas casas, mas também nas nossas rotinas, ganharam prioridade no estilo de vida de muita gente e se tornaram sujeitos de um afeto profundo, coisa que incomodou até o Papa Francisco.
Com essa mudança na relação entre tutores e bichos de estimação, a perda dos pets também ganhou um novo peso e uma nova camada de dor. Já não basta mais "pegar um novo bicho", o turbilhão de sentimentos após a morte de um animal é semelhante ao luto que sofremos quando perdemos um ente (humano) querido.
O luto consiste na perda de um amor significativo em nossas vidas. Os bichos agora fazem parte da nossa família. Esta vinculação é baseada em amor. Todo vínculo quebrado ou perdido vai gerar, consequentemente, sofrimento intenso e luto, diz a psicóloga Fabiana Witthoeft, de Curitiba (PR), que fala sobre o luto animal.
Patrícia Vidal, psicoterapeuta especialista em luto pela perda de animais de estimação, de Salto (SP), diz, ainda, que se o bicho de estimação proporcionava alguma estrutura, segurança e propósito para a vida do tutor, a perda dele pode ser igualmente desorganizadora se comparada à perda de uma pessoa querida.
"Temos de aprender a viver sem aquele animal e tudo o que ele representava para nós. Isso demanda esforço de adaptação além de termos de lidar com os sentimentos que podem ser intensos", complementa a psicóloga. "O que difere grandemente (do luto pela perda de um familiar ou amigo) é a possibilidade de receber apoio."
É que, por mais que o luto pelo pet seja muito natural de acordo com o nosso atual estilo de vida, a sociedade ainda invalida a dor de quem perdeu um bicho de estimação. "O enlutado é alvo de falta de empatia, de pressão para a retomada da vida rapidamente. O tutor se vê isolado, sem ter com quem partilhar seu pesar e vivência. Pode se sentir inadequado. Essa é uma sobrecarga importante para o seu sofrimento", complementa Patrícia.
A especialista em luto pela perda do pet diz que o animal como o alvo de tanto afeto ainda causa estranheza. "Ter um bicho como um aspecto central da vida ainda causa estigma, é visto como uma explicação para o fracasso. Pode ser cruel. E quando o vínculo não é validado, a perda dele também não é", diz a psicóloga de Salto (SP).
Luto-tabu
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Quero receberEsta invalidação social pode causar prejuízos para um momento da vida que já é bastante complexo emocionalmente. "O luto é um processo que precisamos passar. A gente aprende que perdemos as coisas, que elas têm fim. A gente não se distrai do luto, não luta contra ele. Nós o vivenciamos de maneira natural", explica Fabiana Witthoeft.
Para ter um processo de luto saudável, é preciso termos atenção a algumas questões, como vivenciar o sofrimento da perda, respeitar limites e validar a própria dor. Compreender que ter perdido um pet muito amado é motivo mais do que suficiente para se sentir perdido, desanimado, triste e angustiado.
"Dizemos que o enlutado deixa de ser a dor para ter a dor. Ou seja, encontra meios e se fortalece para lidar com tudo que o luto traz. Não há superação, mas sim integração da perda e daquele vínculo especial na história do tutor", complementa Patrícia Vidal.
É um processo cheio de nuances, e idas e vindas dos estados de tristeza, de saudade, vazio e entre outros. Momentos de maior energia para retomar a vida e até construir uma nova identidade. Como num jogo de tabuleiro. Quando tudo isso acontece sem uma rede de apoio acolhedora, sem que entendam a dor que a pessoa está passando, é como se as peças estivessem se movimentando durante um terremoto.
"O luto não saudável implica no congelamento desse movimento. Dificuldade em seguir em frente, encontrar sentido naquela experiência e na vida", afirma Patrícia.
Por isso, a falta de compreensão em relação à gestão da dor de quem perdeu um pet é tão preocupante. E mesmo parte da classe médica não está pronta para lidar com isso.
"Conheço profissionais da área da saúde mental que ainda não estão preparados para a escuta e acolhimento nesses casos. Mas creio que ainda vai haver muita evolução", fala Fabiana Witthoeft.
Patrícia Vidal aponta que um sinal das mudanças é a criação do projeto de lei pela criação de uma licença no trabalho pela morte de pet e a proposta de inclusão de despesa com pets na declaração do imposto de renda.
Como ajudar o enlutado
Enquanto a sociedade vai aprendendo a entender melhor esta nova relação entre pessoas e animais, evite dizer frases como "Não sofra, era apenas um bicho", "Depois você compra/adota outro", "Foi melhor assim!" e entre outros lugares comuns. Por experiência pessoal, eu posso dizer: dói bastante ouvir.
Sempre digo que a gestão do silêncio em qualquer perda é o melhor acolhimento. Ouvir o que o tutor precisa dizer ainda é mais importante, diz Fabiana.
Ofereça um abraço, uma refeição, esteja do lado, ajude nas tarefas diárias. E não dê um bicho novo para o enlutado, ele pode não estar preparado!
"Que saudade do meu preto", eu suspiro quase todos os dias. Eu podia já ter superado a perda de um gato, mas era o Mac. Ele era minha sombra pela casa, que me acordava pela manhã com a patinha no meu cabelo e dormia comigo embaixo das cobertas nos dias frios. Ainda não superei, nem sei quando vai ser. Todo dia eu ressignifico um pouco essa dor. Mas o amor que sinto pelo Mac está mais vivo do que nunca.
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