Agroflorestas crescem no Brasil combinando produção e conservação

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Quando começou a trabalhar como produtor rural, Francisco Gomes da Silva aprendeu com colegas que era necessário derrubar a floresta para plantar.
Há dois anos, porém, ele resolveu mudar a forma de produzir em sua propriedade em Castanhal (PA). Procurou a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) em busca de apoio técnico e aprendeu como implantar o sistema agroflorestal. "Hoje eu sei que é possível produzir protegendo a floresta", diz Francisco.
Os sistemas agroflorestais são compostos por árvores combinadas a culturas agrícolas, trepadeiras, forrageiras e arbustivas, o que permite conciliar atividade produtiva e conservação.
"É um sistema produtivo biodiverso, com interações ecológicas e econômicas e múltiplas possibilidades de arranjos espacial e temporal", explica Fabricio Nascimento Ferreira, pesquisador da CPATU (Embrapa Amazônia Oriental).
Com o novo sistema, o solo da propriedade de Francisco melhorou. Isso se deve ao alto teor de matéria orgânica gerado pelas árvores e pelas aves nativas que, antes sumidas, voltaram a frequentar o local.
Já contamos com açaí, cupuaçu, banana e taperebá. Agora, nossa ideia em parceria com a Embrapa, é expandir a agrofloresta dentro da propriedade e cultivar outros frutos. Francisco Gomes da Silva, produtor rural do Pará

Segundo o último Censo Agropecuário do IBGE, no Brasil, cerca de 13,9 milhões de hectares são ocupados com SAFs (sistemas agroflorestais). Porém, com o crescimento do interesse por esse sistema de plantio nos últimos anos, estima-se que área total de SAFs no país já seja bem maior.
Entre os diversos benefícios dessa combinação de floresta e agricultura, estão:
Melhoria do solo: a presença de árvores nos sistemas agroflorestais aumenta a matéria orgânica e protege o solo, melhorando sua qualidade e fertilidade;
Sequestro de carbono: as árvores dos sistemas agroflorestais capturam carbono da atmosfera, ajudando na mitigação dos efeitos das mudanças no clima;
Diversificação da produção: os sistemas agroflorestais oferecem uma variedade de produtos, aumentando a segurança alimentar e a renda dos agricultores;
Recuperação de áreas degradadas: os sistemas agroflorestais contribuem para a restauração de solos empobrecidos e ecossistemas danificados;
Controle de pragas e doenças: nos sistemas agroflorestais, a diversidade de espécies ajuda a reduzir o risco de pragas e doenças na lavoura;
Melhoria do balanço hídrico: os sistemas agroflorestais aumentam a capacidade de absorção e infiltração de água no solo, reduzindo o risco de erosão;
Serviços ecossistêmicos: os sistemas agroflorestais melhoram a qualidade da água, atraem polinizadores e criam habitats para fauna, fortalecendo a resiliência dos ecossistemas;

Em todo o Brasil
Além da Amazônia, esse sistema de integração tem ganhado força em outras regiões do país.
Em Pindamonhangaba (SP), Patrick Assumpção, proprietário da Fazenda Coruputuba, aposta na agrofloresta. Quando começou, em 2007, plantou árvores de guanandi para vender como madeira. Mas percebeu que precisava encontrar um jeito de gerar receitas ao longo de 20 anos, enquanto as árvores cresciam.
Foi então que um pesquisador da região lhe fez a proposta de testar o SAF. Assumpção aceitou e criou áreas de plantio de ciclo curto, como leguminosas ou raízes, e de ciclo médio, frutíferas, para ter outras fontes de renda, enquanto as árvores se desenvolviam.
"Plantei frutas nativas da Mata Atlântica e fiz uma parceria com uma empresa de São Paulo para fornecer minha produção. Deu super certo", conta Assumpção.
Uma das características do modelo agroflorestal é o plantio de espécies que demoram tempos diferentes para se desenvolver - uma planta que leva décadas para crescer é colocada próxima a outra, que demora dois anos, e uma terceira, que leva cinco, por exemplo.
Assim, as espécies que se desenvolvem primeiro melhoram a atividade orgânica no solo, o que ajuda na saúde daquele meio ambiente e, ainda, contribui para pagar as contas do produtor. As plantas que demoram mais a crescer, por sua vez, regulam a luminosidade do terreno abaixo.
"As árvores plantadas nesse sistema também podem se converter em uma poupança ou 'aposentadoria' para agricultores familiares. Elas podem levar mais tempo para crescer, mas, quando chega a hora da colheita, proporcionam um bom retorno do investimento inicial", explica o pesquisador Fabricio Ferreira.

O que cultivar
É possível cultivar uma grande variedade de espécies em sistemas agroflorestais. Algumas delas são:
Culturas agrícolas anuais: como milho, feijão, arroz, cana, mandioca, abóbora, batata, maxixe, melancia;
Espécies frutíferas: como banana, maracujá, cacau, jabuticaba, acerola, abacaxi, mamão, cupuaçu, pequi;
Espécies arbóreas e palmeiras: como copaíba, castanha-do-pará, mogno, andiroba, taperebá, açaí, pupunha;
Hortaliças: como quiabo, berinjela, jiló, couve, pimenta, gergelim;
Trepadeiras: como ingá, pimenta-do-reino, pitaya.
No entanto, segundo Fernando Silveira Franco, professor e coordenador do núcleo de agroecologia da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), é primordial avaliar o clima e o bioma da região ao implantar o sistema.
Uma agrofloresta do litoral paulista não vai ser igual a uma do interior de São Paulo. No litoral, a biodiversidade da Mata Atlântica favorece o cultivo de banana, cupuaçu e manga. No interior, é mais corriqueiro nas agroflorestas o cultivo de mamão, citrus e hortaliças. Fernando Silveira Franco, professor e coordenador do núcleo de agroecologia da UFSCar
Projetos incentivam agroflorestas
Nos últimos anos, o número de instituições que atuam incentivando e implantando sistemas agroflorestais cresceu no Brasil. Muitas são financiadas por grandes empresas que buscam, por meio desse sistema alimentar, criar seus bancos de crédito de carbono.
Uma dessas instituições é a Pretaterra, fundada há quase 10 anos pelo engenheiro florestal Valter Ziantoni, que antes viajou o mundo para conhecer sistemas agroflorestais. Ao voltar ao Brasil, se uniu à bióloga e engenheira florestal Paula Costa para disseminar os safs pelo país.
"Mesmo com todo o avanço, os sistemas agroflorestais ainda enfrentam certa resistência para se tornarem comuns", afirma Valter. "Um dos principais fatores é a falta de conhecimento especializado para manejar sistemas biodiversos, que exigem a gestão simultânea de múltiplas culturas em uma mesma área. E isso se agrava pela carência de centros de capacitação que ofereçam formação em agrofloresta e manejo integrado", explica.
Outra brasileira que busca dar escala a esse modelo entre os produtores rurais do Brasil é a engenheira Danielle Celentano. Ela é analista sênior de Restauração Ecológica no ISA (Instituto Socioambiental), organização brasileira que tem projetos de apoio a sistemas agroflorestais na região da Amazônia.
Os sistemas agroflorestais são nossos aliados para o enfrentamento da crise climática, pois mitigam os efeitos das mudanças climáticas através do sequestro de carbono atmosférico na vegetação e no solo, e contribuem com a regulação do clima local, melhorando a infiltração e o armazenamento de água. Danielle Celentano, analista sênior de Restauração Ecológica no ISA
Nas agroflorestas da Amazônia, segundo ela, as espécies mais cultivadas são cacau, café, pimenta-do-reino, açaí, outras frutíferas e espécies de interesse madeireiro.
"Sistemas com espécies exóticas, como o eucalipto e o dendê, também são comuns, especialmente em contextos voltados à produção de madeira e óleo vegetal. Essa flexibilidade permite atender tanto pequenos agricultores quanto grandes produtores, conciliando sustentabilidade e viabilidade econômica", afirma a engenheira florestal.
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