Mariana Sgarioni

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Reportagem

Luiza Trajano: "A luta agora é outra"

"Eu nem esperava estar viva para ver o que estou vendo". É o que diz, com brilho nos olhos, a empresária Luiza Trajano, ao se referir às exigências atuais do mercado por mais mulheres nas empresas. Quando ela levantou essa bandeira, há mais de 20 anos, quem poderia imaginar que, hoje, a presença de mulheres nas corporações não só é aceita como também vale muito nas transações de negócios.

Luiza pondera, no entanto, que a luta está longe de acabar. Ela só mudou de lugar. As mulheres já estão inseridas no mercado; o que elas precisam é da tecla que tanto se bate: ocupar os conselhos, a política e os altos cargos. O caminho, para a empresária que é uma referência do sucesso do empreendedorismo feminino no país, passa pela união com os homens. "As mulheres são mais preparadas para uma gestão orgânica e os homens para uma gestão mecânica. Minha proposta é que, neste momento, possamos juntar as forças. As duas são importantes. E as mulheres sabem fazer esta união, elas estão acostumadas historicamente a se unirem para sobreviver".

A presidente do Conselho de Administração do Magazine Luiza sabe que a estrada é longa. Mas fala com a firmeza de quem tem muito a ensinar - sobretudo para quem deseja saber como percorrer uma jornada ESG com resultados reais.

Responsável pelo salto de crescimento que colocou o Magazine Luiza entre as maiores varejistas do Brasil, sempre apoiada em iniciativas de inclusão e diversidade, a executiva foi a única brasileira listada pela revista Time como uma das 100 mulheres mais influentes do mundo. Foi eleita Personalidade do Ano de 2020 pela Câmara do Comércio Brasil-EUA e, em 2023, nomeada pela ONU para integrar uma iniciativa global para acelerar a igualdade de gênero e aumentar as oportunidades para mulheres. Atualmente, preside o Grupo Mulheres do Brasil, que reúne mais de 110 mil participantes.

Na entrevista a seguir, Luiza Trajano fala sobre mulheres, o vanguardismo do Magalu pela inclusão e, principalmente, pontua que o momento pede menos guerra e mais colaboração entre os gêneros para enfrentar os desafios futuros - que não são poucos.

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Ecoa: Há mais de 20 anos você defende a igualdade de gênero no mercado de trabalho. Como está a agenda nos dias de hoje?
Luiza Trajano:
As mulheres já estão no mercado de trabalho e a maioria, inclusive, é arrimo de família. Garantem o sustento da casa com pouco e ainda fazem o dinheiro sobrar. Eu brinco que as mulheres brasileiras das classes C e D são todas ministras da economia. Então agora a luta é outra. A gente precisa mudar de ciclo porque, caso contrário, fica reivindicando as mesmas coisas a vida inteira. Queremos agora que elas tenham mais poder. O trabalho é pular para 50% de presença em altos cargos não apenas de mulheres como também de pessoas negras.

Por que a diversidade sempre foi uma bandeira do Magalu?
A empresa foi fundada por mulheres. Eu sou filha de uma empreendedora que fundou a empresa há 67 anos e deixava os filhos em casa para poder trabalhar. Eu fiz o mesmo. O Frederico (Trajano, CEO do Magalu, e filho de Luiza) é nascido aqui dentro. Todos os homens que passaram por aqui sempre respeitaram muito a liderança feminina e nunca acharam que a mulher não podia estar onde ela quisesse. Até porque a mãe, a tia, a avó, todo mundo foi criado neste ambiente.

Algumas iniciativas do Magalu foram atacadas no início e depois se tornaram uma referência dentro do ESG. Foi o caso do programa de trainees exclusivamente para negros, de 2020. Como você vê isso?
Olha, não tem jeito. Para mudar uma premissa, você leva chumbo mesmo. E eu vivo levando chumbo porque enfrento a mudança. Neste caso do programa de trainees, eu e Frederico nos assustamos com o nível de agressividade que recebemos. Mas não recuamos. Frederico escreveu uma carta muito gentil dizendo que ele não queria mudar o Brasil e sim mudar a empresa dele. E continuamos firmes nisso. Tivemos 21 mil inscritos, recebemos apoio da comunidade. Hoje este programa serve de exemplo até fora do Brasil. E, se você vier ao nosso escritório, vai ver como ele é diverso. Por isso que agora quero dar um salto a mais: aumentar a visibilidade, mostrar o que estes trainees se tornaram.

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Você acha que este sucesso pode ser creditado à uma gestão corporativa mais feminina?
Acredito que foram duas forças trabalhando juntas: a masculina e a feminina. Eu tenho uma administração totalmente feminina: para você ter uma ideia, eu nem uso calça comprida. Eu choro, tenho uma intuição aguçada. Muitas vezes, eu dizia: estou intuindo, deixa eu fazer da minha forma. Outras vezes, eu falava: isso não é comigo, é com vocês, é com a força masculina. Quando você usa as forças masculina e feminina de forma positiva, consegue fazer muito mais com menos.

Como isso funciona?
Nós, mulheres, estamos muito mais preparadas para uma gestão orgânica como a minha. Já os homens foram formados para uma gestão mais mecânica, mais linear e pragmática. Por muito tempo não tivemos a oportunidade de trabalhar juntos nas lideranças. Minha proposta agora não é repetir o passado. É que, nós, mulheres, que temos a capacidade da união, possamos promover esta coalizão, de igual para igual.

Por que as mulheres têm esta capacidade?
As mulheres têm uma força extraordinária. Ela se uniram a vida inteira para se posicionarem e lutarem pelo que acreditam. Acabei de fazer um evento com 700 mulheres que vieram de todo lugar do mundo e do Brasil, desde as mais simples, que são de comunidades, até as mais executivas. Elas têm a força para unir o mundo, para fazer diferente. Acredito muito nessa força, muito mesmo.

Existe uma maré de ataques ao ESG no momento, especialmente vindos dos Estados Unidos, e há quem diga que a estratégia pode estar com os dias contados. O que você acha?
O ESG que conhecemos hoje foi uma herança da época da pandemia, uma fase tão triste que a humanidade passou, em que as empresas tiveram um tempo de reflexão e entenderam que precisavam ser mais cooperativas. Este senso chegou no consumidor final. Ele exige práticas de igualdade e sustentabilidade e não vai mudar de opinião. Eu cito um exemplo muito claro. Se alguém em uma loja nossa tratar mal uma pessoa negra ou qualquer outra pessoa, e isso for filmado, no final do dia todo mundo estará sabendo e perderemos consumidores. Então o que eu quero que vocês entendam é que isso chegou na ponta. E não tem mais volta.

Recuo de aliança nos EUA não muda pauta climática no setor financeiro

Especialistas apontam que, apesar da suspensão temporária das atividades da Net Zero Asset Managers (NZAM), as instituições financeiras seguem com seus compromissos
Especialistas apontam que, apesar da suspensão temporária das atividades da Net Zero Asset Managers (NZAM), as instituições financeiras seguem com seus compromissos Imagem: Unsplash
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O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, nem bem sentou na cadeira e algumas de suas ideias já estão chacoalhando o mundo - e os bolsos. Nesta semana, a Net Zero Asset Managers (NZAM), maior coalizão de gestores do mundo pela agenda climática, anunciou uma suspensão temporária de suas atividades para um balanço geral. A decisão teria sido motivada pela saída da BlackRock do grupo, gestora que administra cerca de US$ 11,5 trilhões em ativos. Dias antes, a Net-Zero Banking Alliance (NZBA), que reúne grandes bancos, também sofreu diversas baixas com a perda de gigantes como Bank of America, Citi, Goldman Sachs e JPMorgan.

Este recuo da NZAM e a aparente debandada do setor financeiro de alianças ambientais podem ter um efeito político importante nos Estados Unidos. Com a ascensão republicana, as instituições estão sofrendo fortes pressões para segurar a agenda. Porém, na prática, não parece haver nenhuma mudança significativa em curso, além de uma insegurança jurídica local e, claro, um enfraquecimento da própria coalizão.

É o que pensam os especialistas ouvidos durante a semana por esta coluna. "A NZAM é uma aliança voluntária, não obrigatória. E ela não interrompeu suas atividades, apenas está em revisão. As gestoras que saíram da aliança, incluindo a BlackRock, seguem com as mesmas metas climáticas e não deixaram de levar em conta os riscos materiais - os riscos climáticos estão entre eles. Todos declararam que, apesar de sair da coalizão, seguiriam com suas ações individualmente. É só pensar o óbvio: nenhum banco vai deixar de olhar os riscos climáticos na hora de financiar qualquer coisa", comentou Linda Murasawa, consultora de sustentabilidade, clima e finanças da Fractal Assessoria. Ela lembra que este recuo faz parte de um jogo político específico norte-americano, graças ao negacionismo climático de Donald Trump, uma vez que não houve este mesmo movimento em nenhuma outra parte do mundo.

José Pugas, sócio e diretor de sustentabilidade da Régia Capital, concorda que este seja um contexto específico dos Estados Unidos, lembrando que é importante, no momento, diferenciar o que é som do que é ruído: países como China, Japão e Cingapura apresentaram planos de descarbonização detalhados e a Europa segue firme em seus compromissos robustos. "Temos que olhar numa perspectiva global. A pauta climática avança como a maré - tem idas e vindas. Nos Estados Unidos, está havendo sim um retrocesso. Mas, no mundo, há um forte avanço e estamos atravessando um momento em que as regulações estão se acomodando", diz.

Pugas pontua que a instabilidade trazida pelo governo Trump à agenda climática norte-americana pode acabar beneficiando o Brasil. "Investidores não vão querer colocar dinheiro em um país que o próprio governo ameaça barrar subsídios em energia limpa, por exemplo. Aí que o Brasil entra no jogo como a melhor opção para estes investimentos, temos mais segurança jurídica". Ele completa: "Só temos a ganhar com esta crise nos Estados Unidos, não devemos nos preocupar. O Brasil é muito mais relevante nesta pauta".

Linda Murasawa reforça a posição privilegiada brasileira no momento. "Temos políticas nacionais, programas governamentais de baixo carbono, metas setoriais. As regulamentações existentes no país podem impulsionar este movimento e atrair investidores", afirma a executiva.

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Jaques Paes, especialista em projetos e professor de MBAs na FGV (Fundação Getúlio Vargas), aponta ainda a fragilidade de coalizões como a NZAM, que não teriam um papel prático definido. "Este tipo de coalizão é um jogo de poder disfarçado que não veio para resolver problemas ambientais. Como pode existir uma aliança em que cada participante tem autonomia para implementar suas próprias metas?", questiona.

Segundo ele, as coalizões são importantes para mostrar ao mundo que há engajamento em torno de um tema. "Entretanto, neste caso, o que parece, é que, dependendo de quem está no governo, a narrativa faz ou não sentido. Há uma indefinição de papéis e responsabilidades em uma estrutura que não trouxe nenhum resultado até agora. Por isso que, na prática, nada vai mudar com este recuo", finaliza.

Startup transforma restos de comida em cimento sustentável

Pesquisadores da Universidade de Tóquio, criadores da Fabula, mostram de que forma restos de alimentos podem se tornar um material sustentável de construção
Pesquisadores da Universidade de Tóquio, criadores da Fabula, mostram de que forma restos de alimentos podem se tornar um material sustentável de construção Imagem: Divulgação

O investimento em pesquisa e inovação pode levar o planeta a um patamar bem mais interessante. Um lugar em que - literalmente - nada se perde, tudo se transforma. No Japão, dois pesquisadores da Universidade de Tóquio descobriram que restos de comida podem deixar de entupir os aterros sanitários e se transformar em uma espécie de cimento biodegradável, que pode ser usado na construção civil e em objetos de decoração, como vasos e pratos. O inusitado é que quem quiser pode também ingerir o material, já que ele é comestível se for partido e fervido.

Os professores japoneses Kota Machida e Yuya Sakai fundaram a Fabula, startup que tem o propósito de evitar o desperdício de alimentos, um problema endêmico no mundo. Relatório divulgado pelas Nações Unidas no ano passado aponta que mais de 1 bilhão de refeições vão parar no lixo diariamente em todo o planeta. Isso dá uma média de 132 kg de comida jogados fora por pessoa a cada ano. Enquanto isso, no mesmo planeta, mais de 780 milhões de pessoas passam fome. É uma conta que definitivamente não fecha.

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Machida e Sakai explicam que a produção do cimento sustentável (e comestível) é feita de forma bem simples. Os resíduos secos de alimentos são triturados e transformados em pó. Em seguida, são encaminhados a uma prensa quente e colocados em moldes variados.

"Ao mudar o método de secagem ou pulverização e a temperatura durante a prensagem quente, podem ser obtidas uma variedade de cores, texturas e aromas. Também é possível misturar diferentes restos de comida", explicam os pesquisadores em seu site, que descobriram uma verdadeira inovação. Outras empresas já haviam testado anteriormente restos de comida para a construção civil - entretanto, era necessário um componente plástico na mistura para dar liga ao material. Na Fabula, esta liga acontece apenas com um ajuste de pressão.

Os restos de alimentos testados com sucesso para a produção até o momento foram borra de café, cascas de banana e laranja e repolho chinês. "A resistência à flexão de um material feito de resíduos alimentares de repolho chinês é 4 vezes mais forte que o concreto tradicional. Uma placa fina de 5 mm pode suportar um peso de 30 kg e tem potencial para se tornar um excelente material de construção no futuro".

Além de resistente, a invenção da dupla japonesa promete ser ainda saborosa. "Nossas matérias-primas são de origem 100% natural e originalmente consideradas alimentos. Por enquanto, estamos estudando criar materiais que também tenham a possibilidade de misturar temperos", diz o texto da empresa. Será que um dia será possível comermos as paredes da nossa própria casa? Quem sabe.

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