Polêmica: IA 'verde' aposta em energia nuclear para manter datacenters
Não é preciso nenhum exercício de futurismo para acreditar que, em breve, não viveremos sem Inteligência Artificial. Porém, não existe almoço grátis: para ser gerada, a IA depende de datacenters que têm fome de muita, mas muita energia. Com uma demanda de IA que só aumenta no mundo, como gerar toda essa energia com o mínimo de impacto ambiental possível? As Big Techs parecem ter encontrado uma resposta rápida: investindo em reatores nucleares.
Na última semana, o Google anunciou um acordo com a empresa Kairos Power, que deverá fornecer pequenos reatores nucleares para abastecer seus centros de processamento de dados de IA nos Estados Unidos. Estes reatores, ainda em construção, entregarão até 500 MW de energia. A previsão é que o primeiro reator comece a ser usado até 2030 e os demais até 2035.
A Amazon também anunciou recentemente que vai investir mais de US$ 500 milhões para desenvolver pequenos reatores no Estado da Virgínia (EUA) como parte de seu compromisso com sustentabilidade e para atender à alta demanda de seus datacenters. Na mesma esteira, Microsoft também fechou um acordo com a Constellation Energy, maior operadora de reatores dos EUA, para reativar uma de suas usinas.
É importante notar que a maior parte destes investimentos estão na Europa e Estados Unidos - onde outras fontes de energia limpa, como solar e eólica, são mais escassas. A preocupação das Big Techs não é à toa. No início deste ano, o Google disse que suas emissões de carbono cresceram quase 50% em relação a 2019, graças, em parte, a um aumento no consumo de energia de datacenters.
De acordo com o Electric Power Research Institute, a simples execução da resposta para a pergunta: "Pergunte ao Chat GPT" exige cerca de dez vezes mais eletricidade do que uma busca no Google. Criar fotos, áudios e vídeos com IA generativa exigiria ainda mais. Um estudo recente da Agência Internacional de Energia (AIE) estimou que o consumo em datacenters no mundo, que foi de 460 terawatt-hora (TWh) em 2022, pode chegar a 1.050 TWh em 2026 com o avanço da IA. Estes números significam o dobro da energia consumida no Brasil inteiro em um ano.
A depender das fontes de energia utilizadas para suprir tanta demanda, a IA pode aumentar significativamente as emissões de gases do efeito estufa, uma vez que o setor energético é o principal emissor do mundo.
A opção pelo investimento em reatores nucleares pode fazer sentido se o raciocínio estiver apenas voltado a emissões de carbono. A energia nuclear, neste ponto, pode ser considerada limpa, sim, pois emite poucos gases em sua operação. Porém, se olharmos com uma lente de aumento, há controvérsias. "O primeiro perigo do debate climático é cair nesta armadilha e isolar a métrica do carbono como se ele, sozinho, determinasse se uma atividade é ou não ambientalmente responsável", provoca Marcelo Laterman Lima, especialista em clima e energia.
Segundo ele, a energia nuclear custa caro para a sociedade, traz riscos de acidentes que podem causar impactos irreversíveis, não é renovável, expõe trabalhadores, além de consumir quantidades exorbitantes de água para resfriar caldeiras. "Ela não faz sentido nem do ponto de vista ambiental, nem social. O urânio utilizado nas usinas, por exemplo, não é um material renovável. A questão dos resíduos nucleares também não foi resolvida. A crise climática que vivemos não trata apenas de emissão de gases. Estamos falando de pessoas também", pontua.
Os caminhos para uma IA considerada "verde", entretanto, não se resumem à polêmica energia nuclear. As empresas de tecnologia fazem questão de deixar claro que pulverizam seus investimentos em fontes alternativas de energia - no Brasil, isso inclui apostas massivas em geração eólica, solar e hidrelétrica para datacenters.
"Continuaremos a trabalhar para acelerar um portfólio diversificado de tecnologias avançadas de eletricidade limpa e trazer nova energia limpa e acessível, 24 horas por dia, 7 dias por semana, para todas as redes onde operamos", diz comunicado do Google. Em 2023, a Microsoft assinou um contrato de energia renovável de 15 anos com a AES Brasil, para um projeto de geração eólica que iniciou suas operações comerciais em julho de 2024. A energia será gerada pelo Complexo Eólico Cajuína, localizado no Rio Grande do Norte, aproximadamente 130 quilômetros de Natal.
Animado com a chance brasileira, o vice-presidente Geraldo Alckmin, em evento com a Microsoft, anunciou: "O Brasil vai ser o grande protagonista da Inteligência Artificial. IA precisa de energia. A pergunta é: o mundo tem a energia suficiente? Energia limpa, verde, renovável? O Brasil tem".
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