Mariana Sgarioni

Mariana Sgarioni

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Reportagem

Rock in Rio quer transformar festivais em plataformas sustentáveis

O ESG desembarcou de vez nos grandes eventos - e o Rock in Rio é pioneiro deste movimento. O festival, que acaba de celebrar 40 anos, nunca falou tão sério quando lançou a marca "Por Um Mundo Melhor": sua organização conta com um plano sócio-ambiental minucioso, que inclui patrocinadores e fornecedores, além de metas estabelecidas para 2030 alinhadas com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas.

A Cidade do Rock, aliás, foi palco neste mês do lançamento do Guia Diretrizes ESG para Festivais de Música, publicação com iniciativas para apoiar patrocinadores e organizadores de grandes eventos na implementação de boas práticas. Estão incluídos indicadores e estratégias como uso da água, energia e gestão de resíduos. "Este é um convite para toda a indústria do entretenimento e da música. A cadeia produtiva precisa se unir e trazer soluções sustentáveis para os shows", diz Roberta Medina, vice-presidente de reputação de marca da Rock World, empresa que criou e organiza o Rock in Rio, The Town e produz o Lollapalooza.

O Rock in Rio deste ano reuniu 730 mil pessoas e mais de 700 artistas. Na parte dos resíduos, foram recolhidos 288,5 toneladas, material triado por catadores e encaminhado para posterior comercialização. A inovação deste ano foi uma das maiores operações de copos reutilizáveis do mundo, o que evitou a geração de mais de 14 toneladas de lixo. Seguindo a agenda verde, agora o festival prepara um show inédito em um palco flutuante, no rio Guamá, no Pará, para atrair a atenção do mundo para a COP 30 que acontecerá no Brasil no ano que vem. "Vamos mostrar que a floresta também é feita de pessoas", planeja Roberta.

Filha de Roberto Medina, que fundou o Rock in Rio em 1985, Roberta acredita que estes grandes eventos de entretenimento têm a responsabilidade de usar sua influência para levar compromissos ambientais e sociais ao consumidor.

A executiva, que sempre acompanhou, desde criança, os bastidores do festival com o pai, hoje se divide entre Rio de Janeiro e Portugal. Foi de lá que ela conversou com esta coluna - e contou, entre outras coisas, por que um mega show flutuante neste momento é só um pretexto para levar as pessoas onde realmente importa: o coração da Amazônia.

***

Ecoa: Há uma jornada ESG em ascensão nos festivais de música no mundo inteiro. Podemos dizer que o Rock in Rio abriu essas portas?
Roberta Medina:
Este olhar da sustentabilidade vem de dentro de casa. Meu avô já dizia: "Seu negócio só vai bem se a sua cidade também for bem". Porque ninguém está isolado, fazemos parte de um sistema integrado. O Rock in Rio foi criado, em 1985, para dar voz a uma juventude que vinha da ditadura militar, e também para trazer um impacto econômico e social para a cidade do Rio de Janeiro. Em 2001, na terceira edição, surgiu a marca "Por Um Mundo Melhor", que levou parte da renda a projetos sociais, e, em 2006, assumimos compromissos ambientais. Fomos também os primeiros a ter certificações ISO e, há dois anos, temos relatórios de sustentabilidade. Porém, ainda não existe uma legislação específica para o setor. Nossas iniciativas são voluntárias porque entendemos nosso papel como influenciadores internacionais.

Ecoa: Os relatórios de sustentabilidade apontaram para alguma nova direção?
Roberta Medina:
Sim, os relatórios mostraram, por exemplo, que precisamos olhar para a governança com mais cuidado. Afinal, crescemos muito e isso precisa ser organizado. No estudo da materialidade vimos que, apesar de termos nossas metas, a partir de nossas experiências, precisamos dar mais atenção para dentro de nosso sistema e não apenas para fora.

Ecoa: Qual é o principal foco dos festivais neste momento?
Roberta Medina:
São várias as preocupações, mas eu quero que os festivais sejam cada vez mais inclusivos. Então estamos investindo na pluralidade - e isso é muito mais do que falar de gênero. Estou falando de diferenças. É preciso trabalhar para ter um público diverso - não adianta deixar correr o fluxo normal porque as diferenças não vão aparecer sozinhas. Tem que correr atrás, incluir, acelerar a acessibilidade. Nosso papel é trazer as pessoas que não poderiam chegar aqui por diversas razões.

Continua após a publicidade

Ecoa: E quais são os gargalos ambientais de um festival deste porte?
Roberta Medina:
Temos muitos porque há poucas soluções voltadas aos festivais. Por isso temos um plano de gestão e investimos muito. Na última edição do Rock in Rio Portugal, usamos um combustível que emitia 85% menos gases poluentes porque tivemos acesso a esta tecnologia. Não foi o show que consumiu menos e sim a tecnologia que evoluiu. Então eu diria que estamos sujeitos ao que os desenvolvedores nos trazem para reduzir os impactos. É fundamental que toda a cadeia produtiva se una para que possamos fazer mudanças mais efetivas e mais rápidas. Juntos poderemos incentivar desenvolvedores de tecnologia, startups e investidores a trazer soluções que tornem nossos eventos e shows verdadeiramente sustentáveis, sem penalização financeira para os negócios.

Ecoa: Qual o balanço desta última edição do Rock in Rio que terminou agora?
Roberta Medina:
Ainda não tenho números finais, mas temos um feedback emocionante de acessibilidade e inclusão. O público está cada vez mais diverso. Na parte ambiental, tivemos os copos retornáveis que, apesar de terem sido um sucesso, ainda vamos avançar neste modelo de operações. Um ponto que nos chamou a atenção foi o da mobilidade: muitas pessoas usaram carros de aplicativos, que são individuais, e não são bons em termos de emissão de gases e trânsito. O mais bonito de tudo é que foi um evento de paz, onde milhares de pessoas se reuniram num espaço de segurança, todos foram acolhidos, não importa raça, religião, política. Aquele ambiente mostrou que isso é possível. E terminamos a edição iniciando um novo ciclo com os holofotes para a Amazônia.

Ecoa: Teremos um Rock in Rio Belém?
Roberta Medina:
Não. Teremos um show flutuante, no rio Guamá, seguido de um documentário. Na verdade, o show é só uma desculpa para chamar a atenção do público para as pessoas que fazem a floresta ficar de pé e como ela é potente assim. Queremos mostrar essa cultura da floresta, o valor desta economia. E será um esquenta para a COP 30, de Belém. Você não ama aquilo que não conhece, então vamos levar as pessoas para conhecer a floresta. Vamos usar o poder de mobilização de Rock in Rio e The Town para atrair os olhares para esta causa tão importante. A música tem esta capacidade.

[Esta reportagem faz parte da newsletter "Negócios Sustentáveis". Inscreva-se para receber gratuitamente no seu email toda segunda-feira]

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Deixe seu comentário

Só para assinantes