Mariana Sgarioni

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Além do discurso: demissão responsável demonstra ESG na prática

Um dos mais potentes impactos que uma empresa pode ter na sociedade é a demissão de um colaborador. A repercussão vai muito além da vida pessoal daquele indivíduo. Trata-se de um efeito dominó que repercute na família, no bairro, no comércio chegando até mesmo na economia de uma cidade inteira. Se uma demissão tem todo este poder de impacto, parece óbvio que ela deveria ser feita de maneira responsável e incluída na agenda ESG das empresas. Mas não é.

O processo de demissão é o mais abandonado na gestão de pessoas. "As empresas se esforçam tanto para construir uma marca empregadora bacana, criam uma alta expectativa na contratação, investem tudo no onboarding. Mas quando chega o momento de maior atrito com os colaboradores, que é a demissão, elas simplesmente perdem o controle do que acontece. Não dá para dizer que a companhia leva o ESG a sério se não faz nada sobre demissão - isso deve constar inclusive nos relatórios anuais", analisa Lucy Nunes, fundadora da Prepara-me, startup que trabalha com demissão responsável para cargos de entrada até média gerência.

Entre maio e julho de 2022, a consultoria Produtive Carreira e Conexões com o Mercado elaborou uma pesquisa com 417 profissionais sobre sua experiência com a demissão: 61,4% dos demitidos foram surpreendidos pela notícia do desligamento, o que demonstra que não houve nenhuma preparação prévia; 35,7% alegou falta de clareza do gestor neste momento; quase 70% dos líderes não souberam demitir, ou seja, não estão preparados para a função; 46% dos demitidos relatam ter ficado magoados com a forma como o desligamento foi feito. "Costumo brincar que, na contratação, somos uma família. Na demissão, somos casos de família", diz Lucy.

Falar sobre demissão pode ser tabu dentro das corporações, mas é um assunto inevitável: somente no ano passado, o Brasil contou com 20 milhões de demissões. Segundo dados do Ministério do Trabalho, o tempo de permanência média de um trabalhador no mesmo emprego vem diminuindo: não chegou a dois anos em janeiro de 2023. Profissionais de 18 a 24 anos têm uma média ainda menor: nove meses. Já quem tem mais de 65 anos permanece em média nove anos em um emprego.

"Não existe demissão feliz. Demissão é fim de relacionamento, fim do conhecido, fim da rotina. É um luto. Porém, se demitir faz parte do negócio, como faço isso de forma a minimizar os impactos negativos? Isso significa demissão responsável", explica Lucy.

O processo, conhecido como offboarding, pode ser conduzido de diversas formas. Ele deve começar muito antes do dia da demissão. Em primeiro lugar, a notícia não deveria ser uma surpresa - o colaborador precisaria receber periodicamente feedbacks sobre seu desempenho. O líder tem que ser preparado para dar a notícia com respeito e cuidado. O departamento de Recursos Humanos também deve ser equipado para oferecer bom pacote de benefícios ou ajuda ao demitido. Isso inclui um apoio à sua recolocação profissional.

"Na agenda ESG das empresas existe toda uma preocupação com o entorno, com a comunidade que está em vulnerabilidade social. Entretanto, quem será demitido poderá ficar vulnerável também e não será assistido. Isso acontece principalmente com profissionais de cargos de entrada que não têm a mesma reserva financeira que um diretor".

Segundo Lucy, deixar de cuidar do processo demissional vem custando muito caro às empresas. O risco do ex-colaborador falar mal da companhia nas redes sociais e manchar a imagem que a empresa passou anos tentando construir é grande - sem contar os riscos de processos trabalhistas. Ela aponta que, por outro lado, mais de 70% daqueles que receberam apoio das empresas para recolocação profissional saem com uma boa impressão do antigo trabalho.

"Chegará o dia em que demitir sem se responsabilizar pelos impactos sociais causados, será tão inadmissível como é hoje poluir um rio e não se responsabilizar pelos impactos ambientais", conclui.

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