"É preciso descobrir líderes sem diploma", diz diretora da Ardagh
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"Eu não mando em ninguém. Aqui tudo se faz em conjunto. Eu apenas lidero."
As afirmações acima poderiam ter sido ditas pelo CEO de uma grande empresa. Ou saído de algum livro recomendado para lideranças em faculdades. Entretanto, são palavras de Dona Rosa Queiroz, catadora de latinhas, dirigente da Cooperativa Coral de Alagoinhas, para Elisangela Matos, diretora de sustentabilidade da Ardagh Metal Packaging Brasil, líder global no fornecimento de latas de metal para bebidas.
À frente das iniciativas de sustentabilidade da empresa, a executiva conta que Dona Rosa fez com que ela mudasse diversos pontos de sua visão de negócios. "Essa senhora negra, baixinha, de sorriso largo, e voz firme nunca esteve num banco de faculdade. Mas tem uma forte gestão e articulação, tanto com o poder público como com a iniciativa privada, e está tirando centenas de pessoas da invisibilidade. Você já parou para olhar um catador de latinhas? Ou será que ele ainda é invisível aos seus olhos? Para Dona Rosa, não", provoca a executiva.
Elisangela acredita que o S é um ponto nevrálgico do ESG e aponta que, para atuar com precisão, os executivos devem "abstrair a caneta" e ver de perto de que forma lideranças que não foram a Harvard sustentam um modelo de negócios que prospera. "Há muito mais mundo fora do nosso mundo", diz.
Poucos dias antes de encarar a aventura de subir o Monte Kilimanjaro, na Tanzânia, Elisangela Matos contou para esta coluna como o trabalho dos catadores e catadoras é essencial para a cadeia produtiva de reciclagem e está diretamente ligado ao negócio da Ardagh, que produz latas infinitamente recicláveis. Ela fala também sobre o destaque das lideranças femininas e por que a história de Dona Rosa, afinal, tem tanta conexão com sua própria história.
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Ecoa: Dona Rosa Queiroz é uma catadora de latinhas que chamou sua atenção como executiva de uma grande empresa. Por quê?
Elisangela Matos: A Ardagh apoia duas cooperativas de catadores onde tem fábricas: em Alagoinhas, na Bahia, e em Manaus, no Amazonas, onde existe a maior produção de tampinhas de alumínio do país. Estas duas cooperativas são lideradas por mulheres de origem negra e indígena. Aliás, o trabalho de catadores é quase sempre liderado por mulheres. Elas superaram infinitas barreiras, como o trabalho braçal pesado, o preconceito, o assédio, para estarem hoje na liderança de tantas pessoas cujo serviço é essencial para a economia e o meio ambiente. São elas que mantêm tantos cooperados unidos. Olhar para estas mulheres como Dona Rosa significa um aprendizado.
Ecoa: O que você aprendeu com Dona Rosa?
Elisangela Matos: Ela costuma dizer: "Calce primeiro os meus sapatos para me julgar". Isso significa que, em uma gestão, é preciso ter escuta ativa, empatia. Dona Rosa também sempre repete que liderar não significa ordenar. O essencial, segundo ela, é a cooperação. Isso, no fim, é o que mais se ensina nas universidades. Observar o modo com que Dona Rosa trabalha e chama a atenção para a importância do serviço ambiental e social dos catadores, tirando-os da invisibilidade, me traz também um pouco da minha própria história.
Ecoa: Por quê?
Elisangela Matos: Dona Rosa me lembrou minha mãe e avó, que também nasceram na Bahia, são mulheres negras, e que lutaram para que eu jamais caísse na invisibilidade, incentivando uma formação universitária sólida, por exemplo. Minha mãe também estudou e hoje é pós-doutora. Eu estudei engenharia. Estas mulheres como minha mãe, avó e Dona Rosa, são lideranças sustentáveis que transformaram a realidade das pessoas ao seu redor.
Ecoa: Esta visão de transformação tem a ver com o S do ESG.
Elisangela Matos: Com certeza. O S é a letra mais difícil porque estamos falando de pessoas e é preciso estar conectada a elas para que uma iniciativa tenha impacto. No Brasil, existe uma cultura histórica de achar que o S é só função do Estado - pode ser também, mas as empresas têm o poder de acelerar políticas públicas e impactar mudanças. O privado tem que andar com o público. Existe ainda uma visão de que é só doar uma cesta básica e o problema está resolvido. Na Ardagh, nossa visão é completamente diferente: é a de mudar uma realidade, oferecer instrumentos para que aquela comunidade cresça e se torne autônoma.
Ecoa: Como se muda uma realidade?
Elisangela Matos: Costumo dizer que não vou mudar o mundo. Mas aquele mundo dos catadores que apoiamos vamos mudar, sim. Temos diversas iniciativas junto às cooperativas, além de conversas junto ao governo para regularizar esta profissão. Investimos ainda na capacitação de professores para que eles tenham bagagem suficiente para formar as crianças. Como transformar estas crianças em futuros diretores de empresas se a maioria chega aos 15 anos sem saber uma conta básica de matemática? Isso me faz sair da minha cadeira de conforto.
Ecoa: Qual é seu principal desafio no momento?
Elisangela Matos: Quero trazer mais mulheres para o topo. Na Ardagh, a maioria da diretoria é composta por mulheres - e duas delas negras. Entretanto, percebo que lá fora não é assim. Eu olho para os lados em congressos e não vejo meus pares. Portanto, meu objetivo agora é fazer com que mais Elisangelas estejam no mesmo lugar que estou.
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