Para combater racismo no futebol, é preciso ir além da punição

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A recente declaração do presidente da Conmebol, comparando o Brasil a um "Tarzan sem Chita", reverberou profundamente no debate sobre racismo no futebol sul-americano. A infeliz comparação, evocando estereótipos racistas, escancara a urgência e a complexidade da luta contra o preconceito no esporte.
Para entender a dimensão dessa polêmica e aprofundar a discussão sobre o racismo no futebol latino-americano, a coluna conversou com Marcelo Carvalho, diretor executivo do Observatório Racial do Futebol.
Em sua análise, Carvalho destaca um ponto crucial: a discrepância abissal entre a forma como o racismo é debatido no Brasil e em outros países da América Latina. Enquanto no Brasil a discussão sobre o chamado "racismo recreativo" e a reprodução de estereótipos ganha espaço, outros países ainda se encontram distantes desse debate. Essa diferença de percepção e engajamento representa um desafio significativo para articular um combate unificado e eficaz ao racismo em toda a região.
Para além das punições, Carvalho defende a urgência de campanhas de conscientização e educação sobre o que é racismo e como ele afeta a população negra, incluindo o genocídio dessa população.
Ele também ressalta a importância de ações de diversidade e inclusão, criticando a baixa representatividade de pessoas negras em cargos de gestão e como treinadores nos clubes brasileiros. Segundo Carvalho, um combate efetivo ao racismo passa necessariamente pela presença de pessoas negras liderando esses movimentos.
Veja mais a seguir:
A declaração do presidente da Conmebol, ao comparar o Brasil a "Tarzan sem Chita", evoca estereótipos racistas. Como o Observatório Racial do Futebol avalia essa fala e qual o impacto dela no combate ao racismo no esporte?
Marcelo: Um ponto importante que precisa ser entendido no debate sobre racismo no futebol da América Latina é o quanto discutimos sobre racismo no Brasil e o quanto outros países estão longe desse debate. A gente precisa pensar em como articular para que todos possam entender sobre o que a gente está falando e se conscientizar sobre a importância de não reproduzir estereótipos. Mas o meu ponto é esse: existe uma grande diferença, um abismo, entre o que a gente discute sobre racismo e o que é discutido nos países vizinhos.
Que medidas podem ser adotadas para combater o racismo no futebol dentro e fora de campo?
O principal fator para a gente ter os atos de racismo tanto no campo, como na internet - e não só no mundo do futebol, mas fora - é a sensação de impunidade. Vemos cada vez mais gente cometendo atos racistas sem medo nenhum. No Paraná, uma pessoa se filmou xingando um jogador. E, no estádio, muita gente diz que é antirracista, mas quando um caso acontece ao lado, ninguém faz nada. E assim as pessoas propagam essas ideologias.
Assim, além das punições, a gente precisa conscientizar as pessoas sobre o que é racismo, o genocídio da população negra, como isso acontece. Precisamos trabalhar muito em campanhas de conscientização e educação. Só a punição não vai resolver o problema.
Outro ponto é avançar nas ações de diversidade e inclusão. Enquanto entre os 20 clubes da Serie A apenas um tiver um treinador negro, enquanto pessoas negras não ocuparem espaços de gestão e poder, estaremos muito longe do efetivo combate ao racismo.
O Observatório Racial do Futebol tem realizado um trabalho importante de monitoramento e denúncia de casos de racismo. Quais os principais desafios dessa luta e como a sociedade pode colaborar?
O principal desafio é fazer com que as pessoas entendam que racismo não é só o insulto, o xingamento, de que não é só o gesto de macaco, o uso de frases e palavras que reforçam esses estereótipos em relação à população negra. Além disso, fazer com que todos entendam que não ter pessoas negras nesse espaço de gestão e poder também é racismo. No futebol, quem está na cabeça do combate ao racismo hoje são os presidentes de clubes brasileiros. Só pessoas brancas. Precisamos mudar isso. Não há como ser efetivo no combate ao racismo se não há pessoas negras liderando os movimentos.
Nos últimos anos, vimos um aumento na conscientização sobre a importância da diversidade no esporte. Na sua visão, quais são os avanços mais significativos e o que ainda precisa ser feito?
Eu acho que o avanço a ser mais comemorado é, de fato, um aumento da conscientização. Houve aumento das denúncias, que está ligado a essa questão. Os jogadores negros estão quebrando o silenciamento, as pessoas estão mais atentas ao que é racismo.
A gente teve um movimento muito bom da CBF em implementar os projetos de bolsas para negros e negras cursarem as licenças de treinadores do curso da entidade. Mas enquanto a gente não tiver um olhar muito mais atento de incluir pessoas negras nesse espaço de gestão do futebol, a gente tá muito longe do combate efetivo. Deixa a gente olhar para os tribunais de justiça esportiva hoje, qual é a quantidade de pessoas negras nesse espaço? É mínima. Não tem como um caso de racismo ser julgado de forma devida, tendo apenas pessoas brancas compondo esses tribunais, né? Então a gente precisa avançar muito. Eu tenho muita esperança que a gente está trilhando um caminho, não na velocidade que a gente gostaria, na forma que a gente gostaria, mas é possível ver alguns avanços.
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