Eduardo Carvalho

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Reportagem

Combate à fome avança, mas Brasil tem desafios na sustentabilidade

O Brasil tem assistido a um esforço para combater a fome, com a retirada de 20 milhões de pessoas dessa situação desumana, indicando um progresso importante. No entanto, esse avanço não significa que o país esteja caminhando para sistemas alimentares justos e sustentáveis. Como aponta o Informe Dhana 2024, há um contraste entre a retomada de políticas e a persistência de obstáculos.

"Na primeira metade do governo Lula, o combate à fome ganha novamente centralidade, e a retirada de 20 milhões de pessoas dessa situação mostra o país a caminho de sair mais uma vez do Mapa da Fome com base na retomada de políticas", salienta Nayara Côrtes Rocha, secretária-geral da FIAN Brasil.

O relatório da FIAN Brasil, em parceria com o FBSSAN (Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional), revela que, embora as estruturas e políticas voltadas ao direito à alimentação tenham sido retomadas, os anúncios ainda superam as ações, e os planos e estratégias carecem de recursos e implementação. Um dos pontos críticos levantados é a alocação de recursos, com um volume maior destinado ao auxílio-gás em comparação com programas estruturantes como o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) e o Sisan (Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional).

"Nossa grande questão é por que um programa desse recebe muito mais de recursos do que um programa como o PAA, por exemplo, que tem uma capacidade de produzir efeitos mais sustentáveis e duradouros?", questiona Nayara. O auxílio-gás, apesar de sua importância em momentos de crise, não atinge o sistema alimentar de forma sustentável, ao contrário do PAA, que fomenta a produção de alimentos por pequenos agricultores, oferecendo um caminho mais duradouro para a segurança alimentar. "O PAA atua mantendo as pessoas no campo, produzindo alimento…e oferece alimento de qualidade para quem muitas vezes tem maior dificuldade de acessar."

Além da questão orçamentária, o informe aponta que o Brasil ainda precisa avançar na proteção aos territórios indígenas e de povos e comunidades tradicionais, grupos que têm práticas alimentares mais sustentáveis e alinhadas com a preservação ambiental. Nayara destaca que "a forma desses povos de produzir e consumir alimento é uma forma mais compatível com o que o planeta precisa".

A publicação também aborda a ameaça da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 17/2023, que propõe trocar o termo "alimentação" por "segurança alimentar" no artigo 6º da Constituição Federal. Essa mudança, segundo Nayara, é preocupante, pois o termo "segurança alimentar" é controverso e usado por grupos do agronegócio, desconsiderando aspectos essenciais como a qualidade nutricional, o uso de agrotóxicos, a cultura e a sustentabilidade. "Todos os tratados de direitos humanos que garantem o direito à alimentação, eles usam o termo direito humano à alimentação". A alteração na Constituição pode enfraquecer o marco legal do direito à alimentação, impactando a garantia desse direito em sua totalidade.

O Informe Dhana também aborda o contexto econômico, incluindo a inflação dos alimentos nos últimos anos, motivada pela disrupção das cadeias produtivas globais e a desvalorização do real. O documento busca compreender as estratégias do governo para reduzir o preço de alimentos saudáveis, como a retomada de políticas de abastecimento e a reforma tributária.

O país deu passos em relação à formalização do direito à alimentação, com a inclusão desse direito na Constituição, a criação de marcos legais robustos e a criação de estruturas com participação da sociedade civil. Para Nayara, ainda há muito a ser feito para garantir direitos para grupos racializados e historicamente marginalizados. "A gente vê que os avanços ainda são insuficientes, a gente precisa caminhar muito mais".

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