Eduardo Carvalho

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Opinião

Sem filtro, Anitta expõe dores e conquistas em documentário

Há cinco anos, aqui mesmo em Ecoa, eu escrevia um texto que tentava seguir o ritmo perfeito e a cadência dos batidões provocantes que ela desperta. Mas como não sou DJ, e o movimento das carrapetas aqui é outro, meu passinho foi contido na caneta. À época, ela, a poderosa, convidava todo mundo, através de uma série dividida em episódios, a entender quem era Anitta, o cometa pop mais eloquente que o Brasil produziu nestes poucos anos de século.

Sendo duas em uma, pessoa física e jurídica, o produto tratava da persona que é a winner, a girl from Rio que dominou o mundo. Mas apenas agora, meia década passada, nós descobrimos um pouco mais sobre quem é a primeira. Em ''O Outro Lado de Anitta'', desvendam-se os motivos por trás do jogo que transforma uma estrela em ascensão em muitas versões de si mesma.

Ao assistir ao documentário de pouco mais de uma hora e meia disponível na Netflix, é possível perceber que, se você vem de uma família rica, talvez não consiga compreender o impacto da história retratada nas cenas. Mas para quem veio de baixo, cresceu sem carinho e teve que lutar ''sozinho'', a obra bate num BPM um tanto quanto diferente. Anitta, ou melhor, Larissa, a quem ela empresta seu corpo e olhar, é humana. Madura e forte, resiliente e sensível, moldada por uma vida sem apoio emocional em casa. Ela mesma revela que não recebia abraços nem beijos da mãe. E não por falta de amor.

A protagonista que conquistou o topo das paradas musicais mundo afora traz a real: se sentia sozinha. E é aí que encontra eco com a vida de muita gente - inclusive a minha. Por ter vindo da ZN, sabia que as oportunidades eram poucas. Assim, foi forjada sendo exigente consigo mesma, numa cobrança que primeiro vinha de dentro.

Figura e sintoma importante na sociedade para uma geração, principalmente no Brasil, ela sabe do poder que tem. Inteligente, ressignificou uma realidade de descrença. E, sabendo que podia, conquistou o mundo. Justamente ela, a garota que sofreu zoações na escola e que, aos sete anos, venceu o concurso de Rainha da Primavera para ter uma bolsa de estudos, vestida de copinhos de café da cabeça aos pés.

No documentário com roteiro de Maria Ribeiro, o traçado da anatomia de um ícone, cheio de dores e amores - e até sendo um deles o diretor do filme -, Anitta escancara verdades. A de que somos frágeis. De que há peso em sermos ''os primeiros''. De que abrir caminhos é punk. E sem proteção e autoamor, ou qualquer coisa que seja lida e interpretada como força, sucumbimos aos desafios da peleja cotidiana que exige cuidado mental. Me vejo ali. Naquela luta, naquela dor e na resiliência.

As cenas finais têm viralizado desde que a obra foi lançada. Nela, uma papo firme de Larissa com o público: "Eu decidi ser muito feliz, porra! Eu vou ser feliz, mesmo que qualquer merda aconteça. Você não pode decidir ser feliz também? E por que você não está sendo feliz até agora?"

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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