Rico Vasconcelos

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Opinião

Com novo surto, São Paulo libera vacina de hepatite A para homens gays

Se tem uma coisa que muda nesse mundo é o conhecimento que temos sobre saúde. Aquilo que num momento era considerado como completamente compreendido e dominado, em outro pode sofrer uma reviravolta e tomar um caminho completamente inesperado.

Essa máxima vale para toda a medicina, mas dentro infectologia, a fascinante especialidade médica que se dedica a estudar as doenças transmissíveis causadas por vírus, bactérias, fungos e protozoários, isso é especialmente frequente.

Há cerca de 20 anos, quando ainda estava na graduação, aprendi que a hepatite A era uma doença causada por um pequenino vírus de RNA que se transmitia entre as pessoas pelo ciclo chamado fecal-oral.

Um indivíduo doente com hepatite A elimina em suas fezes partículas virais infectantes. Se elas fossem ingeridas por outra pessoa, por meio da água de um rio, de uma alface mal lavada ou de uma ostra crua, o ciclo se fechava e o vírus era transmitido.

Dessa maneira, aprendíamos que saneamento básico e o uso de água limpa para o consumo eram excelentes maneiras de se controlar os casos de hepatite A de uma região.

De fato, com a melhora do acesso a água e esgoto tratados na cidade de São Paulo, por muitos anos os surtos de hepatite A simplesmente desapareceram. No entanto, isso começou a mudar entre 2017 e 2018, quando o município registrou uma explosão de casos levando inclusive 5 pessoas à morte em decorrência da doença.

A investigação deste surto mostrou que os casos se concentravam entre homens jovens gays e com a vida sexual ativa, caracterizando que a transmissão não estava ocorrendo por meio de água, alface ou ostra, mas sim por via sexual. Especialmente pelo sexo oro-anal.

Depois de semanas de enfermarias cheias de rapazes com Hepatite A, na metade de 2018 a Secretaria da Saúde resolveu incluir a categoria "Homens gays e bissexuais" na lista de pessoas que deveriam receber gratuitamente a vacina contra esse vírus pelo SUS. Antes disso, apenas grupos selecionados eram vacinados, tais como as crianças com menos de 5 anos de idade e as pessoas que vivem com HIV ou portadoras de doenças no fígado.

Essa foi a primeira vez no Brasil que a orientação sexual de um indivíduo foi o critério de uma campanha de imunização. E o resultado foi o rápido controle do surto.

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Tudo vinha bem em São Paulo até que em 2022 os estoques da vacina começaram a se tornar escassos, interrompendo a campanha de vacinação e fazendo com que os casos de hepatite A voltassem a aumentar. Em 2023, ainda com o estoque zerado, a secretaria decidiu excluir de vez os homens gays da campanha de vacinação.

Felizmente, diante da identificação de um novo surto evidenciado pela manutenção do crescimento dos casos de hepatite A entre homens jovens, no início de outubro, de maneira rápida e acertada, o município voltou a disponibilizar as doses da vacina para a população gay masculina.

A imunização para hepatite A é feita apenas uma vez na vida para pessoas susceptíveis com duas doses da vacina com o intervalo de 6 meses entre cada dose. Elas estão sendo aplicadas desde o dia 5 de outubro em todos SAEs (Serviços de Atenção Especializada) e CRIEs (Centros de Referência em Imunobiológicos Especiais) do município de São Paulo.

Assim, atenção homem gay ou bissexual que nunca foi vacinado para hepatite A, esse recado é para você. Sobretudo se você tiver vida sexual ativa com parcerias casuais.

As boas políticas públicas só atingem seus objetivos se houver adesão por conta da população. Divulgue essa informação e ajude São Paulo a controlar mais uma vez o surto de hepatite A.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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