Rico Vasconcelos

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Opinião

Mulheres cis não podem usar PrEP Sob Demanda; é hora de repensar estratégia

A profilaxia pré-exposição ao HIV (PrEP), tanto na forma de comprimidos diários quanto de injeções bimestrais, é um potente método de prevenção contra essa infecção para qualquer pessoa, independentemente do seu sexo, gênero, orientação ou prática sexual.

No entanto, a "PrEP Sob Demanda", esquema em que os comprimidos preventivos são tomados apenas antes e depois das relações, é liberada para uso somente por homens cisgênero e mulheres trans que não fazem uso de hormônio. Mas será que essa restrição faz sentido?

No início do mês, durante a 30ª Conferência Mundial de HIV (CROI) realizada em Denver, nos EUA, foi realizado um simpósio com especialistas sobre o assunto para entender de onde vem essa restrição e, baseado no conhecimento científico atual, se ela se sustenta.

De acordo com os dados apresentados no simpósio, o principal argumento para a proibição do uso da PrEP Sob Demanda por mulheres cis e homens trans se baseia em estudos antigos que encontraram menores concentrações dos antirretrovirais da PrEP nas mucosas vaginais do que em mucosas anais de seus usuários.

Além disso, em outros estudos, esta menor concentração da droga em mucosas esteve associada à presença do hormônio feminino estrogênio, achado que contribuiu para a proibição do uso da "PrEP Sob Demanda" também para mulheres trans hormonizadas.

A construção desse raciocínio até aqui parecia fazer sentido. Afinal, se o estrogênio reduz a concentração dos antirretrovirais nas mucosas e a proteção contra o HIV depende desses medicamentos, o uso de esquemas de PrEP que utilizam menos comprimidos poderia prejudicar a eficácia da PrEP entre seus usuários.

Todo esse raciocínio, no entanto, começou a desmoronar a partir do final de 2023 com a publicação de alguns estudos que comprovaram que mulheres cisgênero com adesão parcial (entre 4 e 7 comprimidos por semana) se mantinham bastante protegidas do HIV, exatamente como acontece com os homens cis.

Desde então, começou-se a construir um novo raciocínio. De fato, entre mulheres cis a concentração dos antirretrovirais da PrEP é reduzida em mucosa vaginal, entretanto, dentro dos glóbulos brancos, onde parece realmente importar para que a PrEP funcione, essa concentração se mantém em níveis protetores.

A conclusão dos palestrantes no simpósio realizado no início do mês mais uma vez foi que a charada da prevenção do HIV se resolve na adesão ao método de prevenção em questão.

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Até agora, a orientação que costumávamos dar para mulheres cis era de que era necessária uma adesão perfeita, de 6 a 7 comprimidos por semana, para que houvesse alta proteção contra o HIV. Com os resultados publicados recentemente, o que importa é a garantia da adesão de 4 ou mais comprimidos nas semanas em que ocorreram as exposições sexuais para se alcançar essa proteção.

Mas será que isso é suficiente para liberar o uso da "PrEP Sob Demanda" para mulheres cisgênero?

Para alguns dos palestrantes do simpósio, sim. Entretanto não temos ainda nenhum ensaio clínico que tenha avaliado esse esquema de PrEP numa amostra representativa dessa população. Com o entendimento que começa a se formar na atualidade sobre o tema, esses estudos poderão então ser realizados e em breve provavelmente as recomendações de "PrEP Sob Demanda" podem mudar.

No Brasil, por enquanto, se mantém a restrição da "PrEP Sob Demanda" apenas para homens cis e mulheres trans não hormonizadas, mas, para qualquer pessoa, quanto mais diferentes métodos de prevenção existirem, melhor.

Essa é a beleza da ciência. A possibilidade de questionar suas verdades e evoluir. Aguardamos ansiosamente mais novidades sobre esse assunto.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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