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Gustavo Cabral

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Mudança climática expõe a sociedade a mais riscos de novas pandemias

14.07.23 - Incêndio florestal na Califórnia toma fôlego com onda de calor que estacionou sobre o estado americano  - DAVID SWANSON/AFP
14.07.23 - Incêndio florestal na Califórnia toma fôlego com onda de calor que estacionou sobre o estado americano Imagem: DAVID SWANSON/AFP

Colunista do UOL

07/08/2023 04h00

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Mudanças bruscas de temperatura têm gerado uma onda de calor em países europeus, asiáticos e nos Estados Unidos, superando 50°C. Isso é assustador, mas vem sendo alertado há bastante tempo, pois a taxa de aquecimento global acelerou muitos nos últimos 50 anos.

Naturalmente, pensamos nos desgastes físicos imediatos, principalmente para regiões com maior vulnerabilidade social, onde as pessoas não têm como se proteger, e isso é trágico. Mas isso pode ser ainda pior, como a exposição da sociedade a mais riscos de surtos a agentes causadores de doenças infecciosas, como a covid-19, que causou a pandemia que paralisou o mundo nos últimos três anos.

Quando falamos em aquecimento global, não temos como fugir do desmatamento. Com isso, precisamos pensar que essa junção de altas temperaturas, queimadas e diversas formas de devastação da natureza leva à destruição de habitats naturais de diversas espécies de animais. Isso induz a migração desses bichos para diversos locais, e consequentemente haverá contato com diversas espécies, inclusive o ser humano, que pode favorecer ao compartilhamento de microrganismos causadores de doenças, o que favorece mutações e adaptações dos patógenos, gerando um enorme problema.

Por exemplo, ocorreu com o Chikungunya mutações que permitiram a adaptação a um vetor, Aedes albopictus, que está presente em regiões temperadas, favorecendo surtos de Chikungunya na Itália e na França. O Chikungunya é transmitido pelo mosquito Aedes aegypt, mas como esses mosquitos não existem nesses países citados, o vírus se adaptou e foi transmitido por outro vetor, o A. albopictus.

Com essa linha de raciocínio, temos que tomar medidas cada vez mais radicais para evitar as mudanças climáticas como estratégia, inclusive, para prevenir a próxima pandemia. E volto a repetir, não tem como pensar em estratégias sem levar em consideração as ações cada vez mais duras para prevenir o desmatamento, pois essa é uma causa central da mudança climática.

Com isso, contribuímos para conter a perda de biodiversidade, diminuir ou retardar as migrações de animais, para que ocorram de forma natural, com adaptações que sigam o ritmo da vida e, naturalmente, diminuímos o risco de propagação e surtos de doenças infecciosas que muitas vezes não conhecemos. Ou até mesmo aquelas que temos ciência e que são tenebrosas, como é o caso do ebola.

Basta lembrarmos que a recente epidemia de ebola na África Ocidental foi associada a morcegos, que são portadores do vírus e que foram forçados a migrar em busca de novos habitats, pois o ambiente em que viviam foi destruído, ou parcialmente devastado para fins de interesse humano. O resultado foi que os morcegos podem ter sido a fonte da epidemia de ebola que matou mais de 11 mil pessoas na África Ocidental.

Vamos nos aprofundar um pouco mais nas influências dos efeitos climáticos sobre a saúde humana, pois como é alertado pelo CDC, Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos, os efeitos climáticos geram o "aumento de doenças respiratórias e cardiovasculares, lesões e mortes prematuras relacionadas a eventos climáticos extremos, mudanças na prevalência e distribuição geográfica de doenças transmitidas por alimentos e água e outras doenças infecciosas e ameaças à saúde mental".

Como falei, não temos como dissociar as mudanças climáticas da devastação ambiental e poluição, por exemplo. Inclusive, um grupo de pesquisadores de Havard fez uma publicação na revista científica Science mostrando dados que relacionam a poluição do ar com as taxas mais altas de mortalidade provocada pelo coronavírus, agente causador da covid-19. Mas isso vinha sendo dito bem antes da pandemia da covid-19. Como exemplo, outro trabalho científico publicado em 2016 sobre as mudanças climáticas e doenças respiratórias (como é o caso da covid-19) mostra que as mudanças na temperatura influencia a atividade viral e a sua transmissão, citando vários exemplos que podem ser vistos no artigo.

Além disso, há diversos artigos científicos que mostram a influência da temperatura elevada sobre a ocorrência de novas mutações extremamente prejudiciais. Ou seja, nesses pontos relacionados às mudanças climáticas, devastação da natureza etc. nós devemos ser realmente radicais com as ações pró-vida muito além da humana, pois o egoísmo só nos faz mais suscetíveis à destruição.

Temos que investir pesado e com inteligência para evitar outros surtos, outras pandemias. Por exemplo, apoiar cada vez mais o desenvolvimento científico e sustentável, na ciência da saúde pública, através de investimentos nas pesquisas que tenham retorno social e ambiental, como uma estratégia para antecipar outros surtos, como aconteceu com a covid-19 e diversas outras doenças infecciosas. E concluo com as seguintes perguntas: quando que a ciência e nós cientistas somos ouvidos de verdade? Apenas quando ocorrem tragédias?