Edmo Atique Gabriel

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Opinião

Caso João Carreiro: o que é prolapso mitral e quando se preocupar?

O caso triste do cantor João Carreiro, que morreu após uma cirurgia cardiovascular, assustou muitas pessoas. E com razão, afinal de contas era um rapaz jovem de 41 anos com uma alteração cardíaca chamada prolapso de valva mitral, comum a muitas pessoas. Talvez muitos que estejam agora lendo este artigo tenham esse diagnóstico ou conheçam algum familiar ou amigo com essa alteração.

A questão primordial é desmistificar o que seria um prolapso de valva cardíaca. Nosso coração tem quatro valvas principais, que têm como função controlar a entrada e saída de sangue no órgão. Uma dessas valvas é a mitral, localizada do lado esquerdo do coração. Ela normalmente tem um formato semelhante a uma sela de cavalo e é composta de dois compartimentos que se aproximam de forma coordenada para que não haja refluxo ou vazamento.

O prolapso de valva mitral é uma variação da anatomia mitral. Ele nasce com a pessoa e muitas vezes passa despercebido ao longo da vida. As proteínas que constituem essa valva apresentam um alinhamento diferente no prolapso e, dessa forma, ela fica com uma certa deformidade.

O problema pode não causar sintomas, mas em alguns casos as pessoas se queixam de palpitações no coração, como se fosse uma aceleração transitória dos batimentos cardíacos. O prolapso mitral isoladamente não é grave e não precisa de tratamento cirúrgico. No caso das palpitações, pode ser usado algum medicamento para controle da frequência cardíaca.

O prolapso mitral começa a preocupar quando duas situações se associam ao quadro: insuficiência da valva mitral e endocardite bacteriana. No caso da insuficiência, temos um prolapso de valva associado a vazamento ou refluxo, podendo resultar em sobrecarga do coração, edema de pulmão ("água no pulmão"), dor no peito, falta de ar e arritmias cardíacas. A endocardite seria uma infecção bacteriana, originada nos dentes, pele, pulmão ou intestino, e que atinge a valva mitral com prolapso, causando perfuração ou rotura da valva.

Nessas duas situações, a necessidade de uma abordagem cirúrgica aumenta. Tudo vai depender da intensidade da insuficiência da valva, das condições clínicas da pessoa e da boa resposta (ou não) com uso de antibióticos, no caso da endocardite. Embora sejam sempre empregados medicamentos para melhorar a função cardíaca, o prolapso mitral associado a uma importante disfunção, seja esta decorrente do refluxo ou efeito destrutivo de bactérias, precisa de tratamento por meio de cirurgia.

O tratamento cirúrgico pode ser dividido em plastia da valva mitral, quando a valva é preservada e reconstruída cirurgicamente, ou troca da valva mitral por uma prótese mitral. Essa decisão é fruto de uma análise minuciosa antes da cirurgia, podendo ser ajustada ao longo do ato cirúrgico. A cirurgia requer, em sua grande maioria, a necessidade de parar o coração por um tempo para realizar o procedimento. Além disso, diante desse período de parada do coração, o sangue flui por tubos coordenados por uma máquina. Esse cenário complexo é, por um lado, necessário para realizar o procedimento, mas, por outro, pode gerar uma tempestade inflamatória no corpo.

No caso do cantor João Carreiro, houve certa estabilidade ao final da cirurgia, seguida de grande instabilidade logo nas primeiras horas subsequentes. Essa instabilidade pode ter sido ocasionada por essa tempestade inflamatória ou por uma intensa arritmia cardíaca. São ocorrências que podem acontecer, mesmo com todo o conhecimento atual.

Cada caso de prolapso mitral deve ser individualizado quanto a suas eventuais indicações de cirurgia. O mais importante é ser acompanhado por um médico experiente e, caso seja necessária a cirurgia, enfrentar esse desafio para conquistar alívio dos sintomas e maior longevidade. O caso do João Carreiro é triste, ninguém espera pelo desfecho que ele teve, mas não pode ser motivo de descrença em relação a uma cirurgia cardiovascular bem indicada.

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Para quem tem prolapso mitral, minha dica é muito objetiva: não tenha pânico, faça check-up periódico e relate sempre ao seu médicos seus sintomas.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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