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"Passei metade da 1ª gestação de cama, mesmo assim quis engravidar de novo"

Lucana Fuoco é mãe de Sofia, de 8 anos, e de Pedro, de 3 anos - Arquivo pessoal
Lucana Fuoco é mãe de Sofia, de 8 anos, e de Pedro, de 3 anos Imagem: Arquivo pessoal

Luciana Fuoco, em depoimento a Mariana Gonzalez

De Universa, em São Paulo

09/07/2021 04h00

"Em 2012, engravidei da minha primeira filha. Tudo ia muito bem, até que, por volta das 22 semanas, fui ao banheiro e, quando me limpei, saiu uma geleca muito grande de dentro de mim. Tomei um susto e liguei para o meu ginecologista.

Eu vivo em Caraguatatuba, no litoral norte, mas como cresci em São Paulo, fiz pré-natal com os médicos que já me acompanhavam há muitos anos, na capital. O médico ainda não usava WhatsApp, só telefone e SMS, e não tinha como mandar foto. Ele me pediu que procurasse um hospital na minha cidade, passasse com um outro ginecologista e perguntasse duas coisas: se eu tinha perdido o tampão e se o colo do meu útero estava fechado.

Infelizmente, minha cidade não tem muitos bons médicos — há quase 10 anos, tinha menos ainda. O ginecologista que me atendeu no hospital de Caraguatatuba fez um exame de toque e disse para o meu médico ficar tranquilo, que estava tudo bem.

Eu era mãe de primeira viagem, não sabia o que era um tampão, achei que tinha sido uma secreção. Eu sentia um peso no baixo ventre, mas também achei que fosse normal. A gente ouve falar que o bebê pressiona a bexiga, pensei que fosse isso.

Chegou dia 31 de dezembro. Como moro na praia, decidi pular sete ondas para celebrar o réveillon. No dia 1º de janeiro, eu não conseguia andar. Sentia muita dor, muita pressão, e comecei a ficar preocupada, mas tinha um ultrassom marcado para o dia 7, em São Paulo. Então decidi esperar.

"Como moro na praia, pulei sete ondas para celebrar o réveillon. No dia 1º de janeiro, eu não conseguia andar" - Aquivo pessoal - Aquivo pessoal
"Como moro na praia, pulei sete ondas para celebrar o réveillon. No dia 1º de janeiro, eu não conseguia andar"
Imagem: Aquivo pessoal

O médico que fez o exame disse que estava tudo bem com a bebê, que ela estava se formando bem, mas que queria fazer um ultrassom transvaginal para confirmar uma coisa. Depois, pediu o telefone do meu médico. Enquanto eu me vestia, ouvi ele dizer: 'Se eu fosse você, entrava com a medicação tal e internava ela'. Pensei que ele estava louco. Saí de lá e fui direto para o consultório do meu médico, que fez um novo exame de toque. Nesse momento, a expressão dele mudou e eu percebi que tinha alguma coisa errada.

Eu tinha perdido o tampão. Estava com 24 semanas [uma gestação normal dura, em média, 40 semanas] e tinha um centímetro de dilatação, por onde a bolsa já estava escapando.

O que ele me explicou é que, a partir dali, valia a lei da gravidade. O buraco que já estava dilatado, não fecharia. O bebê estava crescendo e, quanto mais pesado, mais ia dilatar a saída. Por isso, eu não poderia ficar em pé, porque estaria forçando a bebê para baixo e ela não estava pronta para nascer.

Enquanto meu médico explicava a situação, fiquei muda. Senti como se eu estivesse em outro lugar, em outra realidade, tentando assimilar o que estava acontecendo, porque até então eu não tinha passado mal, não tinha tido sangramento, nada. Meu médico falava 'você precisa ficar bem, sua filha precisa de você bem' e eu lá, muda, sem entender nada.

"Mesmo de repouso, minha bolsa rompeu na 28ª semana"

Fui internada com recomendação de repouso absoluto. No hospital, tinha que ficar praticamente de cabeça para baixo: minha cama ficava elevada de uma forma que os pés ficavam mais altos que o restante do tronco.

"Era repouso absoluto. Na época, eu tinha uma agência de comunicação e trabalhava na cama do hospital" - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
"Era repouso absoluto. Na época, eu tinha uma agência de comunicação e trabalhava na cama do hospital"
Imagem: Arquivo pessoal

Passei uma semana assim, sendo monitorada e recebendo medicação o tempo todo, até que fui liberada para continuar o repouso em casa. Decidi ficar na casa da minha mãe, porque estaria em São Paulo, mais perto dos meus médicos, e porque meu marido tinha que trabalhar e eu precisava de assistência.

Era repouso total. Na época, eu tinha uma agência de comunicação e trabalhava na cama. Eu não podia levantar para nada, nem sentar para comer — tinha que fazer as refeições deitada. O médico só me liberou sair da cama para um banho rápido, e mesmo assim eu tomava sentada, com a ajuda da minha mãe.

Na 28ª semana, mesmo fazendo o repouso certinho, minha bolsa rompeu sozinha, mas não entrei em trabalho de parto.

Logo que eu cheguei ao hospital, enquanto fazia os primeiros exames, a enfermeira perguntou o que tinha acontecido, eu contei, e ela falou: 'Cedo né?'. Depois disse 'ainda bem é que é menina, porque os meninos resistem menos'.

Não sei se existem estudos científicos sobre isso, mas aquilo me marcou muito. Eu sei que a intenção era me confortar, o problema é que a minha segunda gravidez, cinco anos depois, foi de um menino — e essa frase me assombrou a gestação inteira. Eu ficava pensando que, por ser menino, ele era mais frágil, que se acontecesse de nascer prematuro, não teria um desfecho tão bacana como a irmã.

Desde a primeira internação, eu sabia que a Sofia ia nascer prematura, mas o médico esperava que a gente conseguisse manter a gestação até 36 semanas. Quando a bolsa rompeu, a meta diminuiu para 34 semanas.

Entendi que ficaria no hospital até o fim da gestação. Na época, meu médico disse que cada dia mais que minha filha passasse na minha barriga, seriam três dias a menos na UTI.

Eu tinha que tomar quatro litros de água por dia e era monitorada o tempo todo: fazia exame de sangue todos os dias e ultrassom a cada dois dias, tudo para saber se a bebê estava crescendo.

Conforme os dias foram passando, vinha a angústia. Comecei a mandar mensagem para todas as minhas amigas falando: 'Vem me ver'. Eu queria gente comigo, me distraindo, para não pensar que minha filha poderia nascer a qualquer momento.

Eu tinha mais seis semanas pela frente, essa era a expectativa — mas entrei em trabalho de parto apenas duas semanas depois, na 30ª semana.

"Eu sabia que uma nova gestação poderia não ter o mesmo desfecho, mas sempre quis mais de um filho" - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
"Eu sabia que uma nova gestação poderia não ter o mesmo desfecho, mas sempre quis mais de um filho"
Imagem: Arquivo pessoal

"Tinha muito medo de perder minha filha"

Acordei de madrugada com cólica, uma sensação estranha no corpo. Eu estava muito nervosa, angustiada, não queria ver ninguém. À noite, entrei em trabalho de parto. O medo tomou conta de mim. Eu tinha muito muito medo de perder a minha filha.

Eu tinha 32 anos e parecia uma menina de 15, de tão assustada. Quando ouvi ela chorar, chorei e alívio, pensando: 'Ela está viva'.

A Sofia nasceu de parto normal, como eu queria. Ela nasceu com 30 semanas, mas com peso e tamanho de 28 — por isso, foi enquadrada como um bebê prematuro extremo e passou semanas na UTI. Esse sentimento de medo, de morte e vida, se prolongou até a alta dela, 36 dias depois.

Todos os dias, eu chegava no hospital às 9h e saía às 22h. E todos os dias eu chegava com medo do que ia encontrar. Eu sentia muito medo de ter alguém me esperando com uma notícia ruim. Aí, quando eu via a Sofia, me dava um alívio. Isso se repetia no dia seguinte, e no seguinte, até que eu pude levar ela para casa.

Apesar de ter nascido de 30 semanas, Sofia seguiu muito bem, sem precisar de oxigênio, sem intercorrências, estava ali só para ganhar peso. Mas eu vi de tudo naquela UTI: bebê sendo reanimado, correria, pais e mães se despedindo dos seus filhos, casais que tiveram gêmeos mas saíram do hospital com um bebê só, famílias que estavam nessa jornada há cinco, seis meses.

Nesse período, fechei meu escritório e fui perdendo os clientes, porque eles não aceitaram meu afastamento. O último cliente perdi quando a Sofia tinha 15 dias e ainda estava na UTI. Foi bem difícil.

Eu pensava: 'Que parte da história que minha filha nasceu prematura e estava na UTI eles não conseguem entender?'. Acabei fechando a agência e, quando tudo ficou bem e pude voltar para casa, voltei a trabalhar com freelancer.

"Não tive medo de engravidar de novo"

Depois disso tudo, meu médico disse que eu tinha incompetência istmo cervical, que é quando o colo do útero não suporta o crescimento do bebê e, por isso, dilata antes da hora.

Ele me disse que, se eu quisesse engravidar de novo, precisaria fazer um procedimento chamado de cerclagem [procedimento que fecha o colo do útero através de uma sutura, explica a ginecologista e obstetra Andrea Gonçalves, ouvida por Universa] e que também seria uma gestação de risco, que eu teria que ficar de repouso. Mesmo assim, não tive medo de engravidar de novo.

Eu sabia que uma nova gestação poderia não ter o mesmo desfecho que o da Sofia — apesar do nascimento prematuro e do tempo de UTI, deu tudo certo. Na próxima, mesmo bem amparada, poderia dar tudo errado. Eu sabia, estudei muito e, mesmo assim, não tive medo. Eu sempre quis mais de um filho.

Na segunda gestação, tive períodos de repouso absoluto, intercalados com algumas pequenas movimentações, mas nada de exercício e nem esforço. Não precisei passar toda a gestação deitada, mas não podia limpar a casa, pegar minha filha no colo, nada.

Esperamos a Sofia ser mais autônoma, para que não dependesse muito de mim e para que não sofresse tanto com a minha ausência — fosse pelo repouso, porque ia faltar colo, faltar o banho juntas, fosse outro parto prematuro e tempo de UTI, se algo desse errado. Por isso, a diferença deles é de 5 anos.

Apesar de não ter tido medo antes, eu tive muito medo durante a gestação. Tive muito, muito medo de perder o Pedro. No final, deu tudo certo: ele nasceu a termo [quando o parto acontece no tempo certo], com 41 semanas e 3 dias. Sou uma mãe muito coruja." *Luciana Fuoco é jornalista, tem 41 anos, e é mãe de Sofia, de 8 anos, e de Pedro, de 3.

Ginecologistas explicam

Universa ouviu duas especialistas para explicar termos técnicos que aparecem no depoimento de Luciana.

Segundo a ginecologista e obstetra Andrea Gonçalves, o tampão é uma formação mucosa, de textura gelatinosa, que fica no colo do útero, protegendo a passagem do bebê, para evitar infecções por bactérias e microorganismos, que podem atingir a cavidade onde está se formando o bebê. "Funciona como uma rolha mesmo, tampando essa passagem do bebê para o mundo exterior", explica a médica ginecologista Larissa Flosi.

As duas médicas dizem que o tampão costuma sair próximo do parto, mas não necessariamente funciona como "sinal" de que o nascimento acontecerá em breve: "O tampão pode ou não sair antes do parto. Algumas mulheres entram em trabalho de parto sem perder o tampão e outras perdem, mas não entram em trabalho de parto nos dias sequentes", fala Larissa.

Andrea explica o que aconteceu no caso de Luciana Fuoco: "Como o bebê só deixa de ser prematuro depois de 37 semanas, podemos dizer com certeza que com 22 semanas — como no caso de Luciana — ele não está com todos os órgãos bem desenvolvidos para a vida fora do útero. Portanto, a perda do tampão pode indicar uma dilatação do colo uterino muito antes do que deveria. Em casos como este, é recomendado repouso para tentar manter a gestação até que o mesmo tenha uma idade gestacional com chance de vida maior."