'Tive mais de 100 visitas na maternidade e perrengues: todos davam palpite'

"Quando engravidei pela primeira vez, tive um aborto com 12 semanas. O motivo da minha perda foi uma gestação molar parcial e tive que passar por duas curetagens e fazer muitos exames. Só depois de um ano da perda, fui liberada para gestar outra vez. Quando engravidei de meu primogênito, o Guto, estava extremamente ansiosa. Ele foi muito desejado.

Nesse período, fiquei muito medrosa. Só contei para a família com 12 semanas, após o exame morfológico. Tinha pavor de que me perguntassem se aquela gestação estava bem, porque essa pergunta não teria resposta. Era algo que estava fora do meu controle — na primeira gestação estava tudo bem para mim e deu tudo errado.

Logo no início da gestação de Guto, após uma relação sexual, tive um sangramento. Eu só chorava: saí de pijama aos prantos para o consultório e assustei meu marido e a médica com minha reação. O sangramento era porque minha placenta estava prévia, fechando o canal. Eu dizia que era meu corpo segurando aquele bebê. Passei a gestação toda com placenta prévia e só subiu com 37 semanas. Apesar de nada mais ter acontecido de grave, demorei a tirar fotos da barriga ou postar algo nas redes sociais. Eu estava com muito medo, mas tudo foi entrando nos eixos.

Engordei 17 quilos, mas me sentia linda e reluzia de felicidade. Me paravam até no supermercado para me avisar dessa luz toda que eu emanava. Bem perto do parto, eu já estava no modo 'ok, posso relaxar'. Fiz chá de bebê, fiz ensaio fotográfico, meu menino era praticamente um órgão meu e eu me sentia plena. Todo mundo me paparicava: desde os trabalhadores das obras nas quais sou arquiteta até amigos, familiares e desconhecidos. O trabalho psicológico foi me resguardar e depois me assumir e me exibir. Na reta final, tentei novamente me resguardar, quebrando contratos com clientes abusivos e me unindo mais a amigos e familiares.

Mas, como mãe de primeira viagem, deixei que amigos e familiares fossem abusivos. Achei que era o certo, que eles sabiam. Só que tanto palpite e achômetro me deixou com menos empoderamento e autoconfiança. Voltei a ficar medrosa.

Como minha placenta estava prévia, eu não pesquisei nada sobre parto normal. Foi só no ultrassom de 37 semanas que vimos que enfim daria para tentar o normal. Com 38 semanas, fiz mais exames e vimos que eu não tinha nenhum sinal de contração. Meu líquido amniótico tinha diminuído muito. Mas a minha médica particular me liberou para ir para casa, mandou eu tentar relaxar, marcar acupuntura para tentar agilizar de forma natural o trabalho de parto. Drenagem, repouso, tomar bastante água e observar se o bebê se mexia eram outras recomendações.

Ao chegar em casa, uma amiga me ligou e eu contei o que havia acontecido. Ela ficou surpresa com a decisão da médica pois tinha passado pelo mesmo e tinha sido internada de imediato.

Desliguei o telefone e imediatamente entrei em desespero, completamente insegura. Eu pensava: 'Cheguei até aqui, ele já tem nome, quarto, enxoval. Não posso deixar nada de ruim acontecer com ele'. Para piorar: Guto não se mexia! Ligamos para a médica e resolvemos marcar a cesárea para o dia seguinte. Aí então Guto virou um atleta olímpico. E eu chorava ainda mais porque achei que tinha tomado a decisão equivocada, mas meu marido e a médica sustentaram.

Com Guto, grávida de Leila
Com Guto, grávida de Leila Imagem: Tati Pollo
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Passamos a noite arrumando as coisas e quase não dormi: muitas lágrimas caíram e, às 6h da manhã, sem nenhum sinal de trabalho de parto, me troquei, entrei caminhando e sozinha na sala de cirurgia e Guto nasceu. Senti uma emoção distante e parecia que eu estava emocionada com o nascimento de uma criança e não do meu filho. Eu não tinha tido o ritual do trabalho de parto.

Tive que entrar em hormônios artificiais para a descida do leite. Guto foi tomar banho com o pai, eu fiquei lá sozinha, sem o filho, sem a barriga e sem entender o que acontecia.

Recebemos mais de 100 pessoas na maternidade. Tive muitos perrengues com amamentação com todos ali dando palpites e dizendo como eu deveria fazer e me portar. Eu não me achava capaz e parecia que os outros também não me achavam.

Entrei em depressão pós-parto pouco tempo depois. Hoje tenho dois filhos e vejo que tudo que veio depois da perda gestacional contribuiu para esse quadro, mas fui diagnosticada cedo, medicada e acompanhada.

Todo mundo vai ter medo, a falta de controle é real, mas, apesar de não conseguir controlar nem seu próprio corpo, aceitar isso pode ajudar. Se blindar de muitos palpites também. O negócio é estudar, procurar pessoas capacitadas e se proteger. E também é legal aceitar suas limitações e se entregar ao inconsciente, à mulher 'bicho'. Quanto mais em paz com nosso instinto estivermos, mais linda será esta trajetória!"

Esther Zanquetta, 40 anos, arquiteta, mãe de Guto, 6, e Leila, 3

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