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Nina Lemos

REPORTAGEM

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Atriz volta à TV por Lula: 'Como me olharia no espelho se negasse convite?'

Thalma de Freitas participa de propagandas políticas do candidato à presidência Lula (PT) - Reprodução/Instagram
Thalma de Freitas participa de propagandas políticas do candidato à presidência Lula (PT) Imagem: Reprodução/Instagram

Colunista de Universa

08/11/2022 04h00

Muitas pessoas levaram um susto ao ver o rosto de Thalma de Freitas, de 48 anos, na campanha televisiva do PT. A atriz, cantora e compositora, que teve contrato com a Globo por 18 anos e já lançou três discos solo, além de ter participado do projeto "Orquestra Imperial", era aquela mulher que, com voz calma e firme, elencou na TV durante todos os dias do período eleitoral os absurdos do governo de Jair Bolsonaro.

Thalma conta que foi pega de surpresa pelo convite. Ela mora há dez anos em Los Angeles, com o marido e a filha, Gaelle, de 9 anos. Uma amiga, produtora, disse que o PT precisava de uma apresentadora para a campanha, e ela encarou como missão. "Como eu me olharia no espelho se não aceitasse?", questiona.

De volta a Los Angeles, ela encara com otimismo o futuro do Brasil e diz que quer participar dele. Thalma agora planeja voltar a morar alguns anos no país. Sonha em colocar a filha em escola pública e em trabalhar com mulheres na música. Ela também afirma que adoraria participar, voluntariamente, de reuniões para remontar o Ministério da Cultura. "Temos uma chance enorme de fazer a diferença", diz a cantora, que em nenhum momento pensou que poderia perder trabalhos ao topar participar da campanha.

"Não moro mais no Brasil, estou em uma situação privilegiada, e não sou de pensar em seguidor, essas coisas. Eu sou das antigas", diz, segura.

Leia, abaixo, trechos da entrevista:

Nina Lemos - Você começou a fazer a campanha em um momento do Brasil extremamente dividido, com muita violência e perseguição política. Não sentiu medo?

Thalma de Freitas - Eu não tenho nada a perder. Moro em Los Angeles, minha filha estava protegida. E foi uma coisa patriótica mesmo. Eu prefiro chamar pátria de mátria, na verdade. [Ao receber o convite,] Não tive dúvida, fui. Meu corpo foi. Eu nem sabia o que era. A pátria chamou. Aquela coisa "verás que um filho teu não foge à luta". Acho que fui até ingênua. Apareceu uma chance de ajudar o meu país de verdade, depois de dez anos morando fora.

Nine Lemos - Você não ficou com medo, por exemplo, de perder seguidores, trabalho?

Thalma - Eu limpei minhas redes sociais. Coloquei que só amigos poderiam comentar. Mas não estou atrás de engajamento social, não acredito nisso. Não tenho essa coisa de perder seguidor. Eu sou das antigas. Então, não tinha nada a perder. E também estava em uma posição muito privilegiada. Eu moro nos Estados Unidos, não tenho mais contrato com a Globo, não faço publicidade. Tenho amigos que perderam trabalho por se posicionarem politicamente. Mas eu nem fazia mais esses trabalhos. Olha a situação do Brasil e do mundo! Com que cara eu ia me olhar no espelho se eu falasse não? Não tem não neste momento. Eu tinha muita esperança, então desmarquei tudo e me concentrei só nesse trabalho.

Nina Lemos - Você sofreu ataques de ódio?

Thalma - Foi ameno. Usaram gordofobia. Mas era tão infantil e raso que não dava nem para eu me ofender. Eu falava: "As crianças estão passando fome". E eles respondiam: "E você está gorda". É uma coisa muito primária que não tem como levar a sério.

Nina Lemos - Como você foi parar na campanha do Lula na TV?

Thalma - Eu sabia pelo meu mapa astral que algo importante viria. E sempre entendi que todo artista tem uma função social. Todos nós, comunicadores, jornalistas, atores, escritores, temos essa missão. E, às vezes, o universo pede que a gente sirva com algo que vá além da nossa vida pessoal. Mas nesse caso foi ridículo! Foi muita coincidência. Eu fui para o Brasil fazer uma participação em um filme. Minha amiga Anelis Assumpção [cantora] falou: 'Por que você não aproveita e marca um show?'. Achei uma boa ideia. Falei com uma amiga produtora, e ela me disse que estava trabalhando na campanha do Lula e que eles estavam procurando uma atriz negra para gravar uns vídeos. Fui sem expectativa alguma, e a peça viralizou. Aí me chamaram para fazer toda a campanha.

Nina Lemos - Por que você acha que as suas falas na campanha deram tão certo?

Thalma - Foi a primeira vez que fizeram uma peça de campanha atacando o Bolsonaro de forma irrefutável. Fizeram uma campanha de fato indo para cima, criticando. Mas de uma maneira ética, baseada em fatos reais. Eu era a carranca ali de um barco muito grande, de uma campanha que tinha muita gente maravilhosa participando.

Nina Lemos - A sua vontade de voltar a morar no Brasil tem a ver com a campanha?

Thalma - Eu não tinha mais vontade de voltar a morar no Brasil. Com a campanha passei a ter esse desejo e agora decidi com meu marido que vamos passar uns anos no Brasil, sim. Foi a campanha que me fez ter essa vontade.

Nina Lemos - E o que você pretende fazer no Brasil?

Thalma - Nestes dez anos que estou fora não trabalhei tanto. Tenho estudado bastante. Comecei a estudar indústria, música e marketing. Várias coisas que podem me ajudar a lidar com a música de maneira confortável. Quero atuar com mulheres nessa área. Fiz um pacto com amigas cantoras de trabalhar mais vozes femininas, de ter mais mulheres na nossa técnica, de ter um levante de mulheres produzindo.

A Gaelle não fala português direito, quero que ela tenha essa experiência de Brasil. Eu não vejo por que não pegar este momento pessoal e levar minha filha para estudar em escola pública. Quero estar na escola, lidando com teatro, aula de inglês. E trabalhar com música, mais do que como atriz.

Nina Lemos - O que você espera do novo governo?

Thalma - Entendo que o Lula vai trazer de volta o Ministério da Cultura, que a gente perdeu. Ele disse que ia querer envolver mais os artistas, e espero que isso aconteça. Temos que nos envolver mais nos sindicatos de cultura. Criamos vários grupos de WhatsApp para ajudar na campanha do Lula, não foi? Acho que devemos continuar em contato e trabalhando, para que tenha mais casas de show, para que haja recurso para a parte técnica. Acho que é nossa função reconstruir a indústria de cultura no país.

Nina Lemos - Você sempre foi engajada politicamente?

Thalma - Tenho 48, acho que com 50 vou ser mais engajada. Estou criando um poder que a maturidade traz e percebendo que vou poder ser mais útil no dia a dia, na rotina. Fazer a campanha abriu essa caixa. Pelo inusitado que foi, pela série de acasos que aconteceu.

Nina Lemos - E você já tinha ligação com o PT?

Thalma - Tenho zero ligação com o PT! Eu votava na esquerda. Mas era também daquelas pessoas que às vezes não votava, acredita? Todo o mundo teve sua chance de redenção na campanha. Eu, antes, não queria me envolver com política, achava que tudo era muito pobre. Sempre apoiei a Dilma, o Lula, fui contra o golpe [a destituição de Dilma em 2016]. Sei como o Lula foi importante para o Nordeste e tinha muita admiração por ele.

Nina Lemos - E você, como mulher negra, deve ter entendido também a importância das cotas?

Thalma - Quando começaram as cotas, eu era contra. Acredita? Eu achava um absurdo a gente precisar de cotas! Eu não era educada a respeito disso. Comecei a entender, a me informar e a estudar depois que deu merda, depois do golpe. O meu maior engajamento era seguir o Bruno Torturra [jornalista e editor do programa "Greg News"]. A minha formação política vem disso, de seguir o Fluxo [canal do YouTube de Bruno] há dez anos.

Nina Lemos - E o que você espera do governo em relação ao racismo? Você sendo uma mulher negra?

Thalma - Essa campanha ter entendido que a apresentadora devia ser uma mulher negra já é algo. A gente sabe que antes não era assim! Há alguns anos, o apresentador seria um homem branco. Não houve muita conversa sobre racismo na campanha, porque tinha muita coisa para falar. Mas isso vai ter que ser discutido muito ainda no Brasil, o país tem que rever diversas coisas. Nossa geração tem muito o que mudar. Um início é começar a rever a relação com empregadas domésticas, por exemplo.