Escala 6x1: mulheres ficam cansadas e distantes do que as faz vivas
Imagina acordar todos os dias sabendo que, depois de uma jornada exaustiva de trabalho, ainda há uma lista invisível de tarefas esperando por você em casa: cozinhar, limpar, cuidar dos filhos, dos pais, da vida que segue. Talvez você não precise imaginar porque eu posso ter descrito o seu dia a dia. Essa é a rotina de milhares de mulheres que vivem sob a escala 6x1, onde o descanso é um privilégio raro e a folga de um dia é apenas um respiro para a próxima maratona.
Com o recente debate sobre a escala 6x1 ganhando voz nas redes e chegando ao Congresso, é impossível ignorar quem mais sofre com essa realidade: mulheres carregando jornadas duplas ou triplas são as que mais sentem o peso dessa rotina. Esta discussão, então, vai além de uma questão de horários: trata-se de reconhecer e valorizar uma vida que, hoje, está sobrecarregada e invisibilizada, uma luta por justiça e dignidade que não pode mais esperar.
A escala 6x1 pesa mais nas costas das mulheres, e essa carga extra não é só no trabalho. Fora do expediente, elas assumem uma segunda jornada quase invisível: as tarefas domésticas e o cuidado com a família, atividades historicamente apresentadas como um "ato de amor". Mas será que é só amor? Como lembra a teórica Silvia Federici, o trabalho doméstico alimenta o sistema capitalista, uma engrenagem que mantém o capitalismo girando e sustentado em grande parte pelo esforço e pelo tempo das mulheres.
Para quem vive essa escala desumana, a "segunda jornada" do trabalho doméstico significa abrir mão de autocuidado, descanso e oportunidades de crescimento. É por isso que o trabalho das mulheres vai muito além do que é reconhecido: ele é o alicerce de um sistema que, muitas vezes, nem vê o que elas fazem.
No Brasil, mais de 50% dos lares são chefiados por mulheres, segundo dados do IBGE. Essas mulheres, muitas vezes, são as únicas responsáveis pelo sustento da casa e, ao mesmo tempo, pela gestão das tarefas domésticas e do cuidado familiar. As mulheres na escala 6x1 não deixam de vivenciar apenas o descanso. Deixam de lado momentos de autocuidado e o direito ao lazer.
Elas perdem o tempo de estar com os filhos e vê-los crescer, de acompanhar a vida escolar, de ouvir histórias sobre o dia deles com atenção e sem pressa. Desistem das conversas espontâneas, dos cafés demorados, de uma tarde tranquila com os amigos, de ler aquele livro que esperam há tanto tempo ou até de cultivar um hobby que as faz sorrir.
Perdem a chance de dedicar tempo ao próprio crescimento, de estudar, de investir nos próprios sonhos ou projetos pessoais. Cada semana é mais um ciclo em que as urgências e as necessidades dos outros ocupam o espaço onde poderiam construir seu próprio percurso de vida. Na escala 6x1, até o sono se torna escasso, e o prazer de uma vida simples e equilibrada parece um luxo inatingível.
Ao final, essas mulheres não estão apenas cansadas, estão distantes do que as faz vivas. Essa é a verdadeira perda de uma rotina que coloca o trabalho acima de tudo, enquanto o tempo de ser, de existir para si, é cada vez mais raro. É essa ausência de escolhas e de liberdade que o debate sobre a escala 6x1 precisa abraçar: o direito de viver uma vida plena, onde o trabalho não apague o brilho e a identidade de quem são.
A oposição da elite ao fim da escala 6x1 expõe uma postura que ignora, ou convenientemente desconsidera, o custo humano dessa rotina. Para muitos que vivem em condições privilegiadas, é fácil defender a produtividade acima de tudo e manter uma estrutura onde o tempo dos trabalhadores é um recurso inesgotável.
O sociólogo Ricardo Antunes resume bem essa lógica: "A classe trabalhadora é tratada como engrenagem de uma máquina de extração de valor que não precisa de descanso." Essa engrenagem, para a elite, é algo que deve rodar sem parar, enquanto eles desfrutam de uma vida onde o tempo para descanso, lazer e autocuidado é garantido e sagrado.
Aqueles que defendem a permanência dessa escala, muitas vezes, estão alheios à realidade da vida das mulheres que sustentam, não apenas suas casas, mas também boa parte da economia. São elas que se veem aprisionadas em um sistema onde seu trabalho fora e dentro de casa é invisível e desvalorizado, enquanto a elite lucra sobre o sacrifício diário e silencioso que elas fazem. A visão de que "produtividade" e "crescimento" só se mantêm à custa de jornadas exaustivas é um reflexo do abismo entre quem trabalha para sobreviver e quem lucra com esse sistema.
Enquanto a luta contra a escala ganha força, precisamos lembrar que o equilíbrio entre vida e trabalho não é um luxo, é uma necessidade. Quando as mulheres têm mais tempo para si, não estamos falando só de descanso; estamos falando de dignidade e justiça. Acabar com a escala 6x1 é dar um passo para uma vida onde elas podem existir para além do trabalho. Essa luta, afinal, não é apenas por horas de folga, mas por uma existência plena e por um reconhecimento justo do papel das mulheres na sociedade.
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