Amizade saudável é afeto, resistência e onde existimos sem justificar nada

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Tem gente que diz que amizade é "família que a gente escolhe". Eu prefiro dizer que amizade é acolhimento sem burocracia, aquele lugar onde a gente pode existir sem precisar justificar nada. Para muitas mulheres, especialmente para aquelas que já perderam seus pais, que não têm uma relação próxima com a família ou que simplesmente sentem que o mundo pesa demais, as amigas viram refúgio, apoio emocional, rede de sobrevivência. Amizade salva.
Nos últimos tempos, tenho visto muita gente falar sobre "amizade de baixa manutenção", aquela amizade que não precisa de mensagens diárias, que sobrevive mesmo se a gente ficar meses sem se falar. Eu entendo a intenção do termo: é a ideia de que amizades verdadeiras não dependem de cobrança ou presença constante.
Mas será que a gente precisa chamar de "baixa manutenção" aquilo que, na real, deveria ser o padrão? Amizade saudável já não é, por definição, sem pressão? Ou estamos tão acostumadas a pensar nas relações como algo que precisa ser "gerenciado" que começamos a falar de amizade como se fosse um carro que precisa de revisão a cada seis meses?
Porque, convenhamos, nem tudo precisa de um rótulo. A gente vive um momento em que adoramos nomear as coisas, criar conceitos, dar um termo bonito para sentimentos e situações que sempre existiram. Isso pode ser ótimo, porque nomear é uma forma de entender e de se reconhecer nas experiências. Mas às vezes também parece uma ansiedade coletiva de catalogar tudo, como se o que não tem nome não existisse.
A gente precisa mesmo chamar de "amizade de baixa manutenção" aquilo que é só... amizade? Ou é só um jeito novo de dizer que há amizades que não cobram e que nem por isso são menos intensas?
Eu acabei de voltar de um mês fora do Brasil, em um momento muito delicado da minha vida, onde tenho necessitado ainda mais da atenção das pessoas que amo. E nas duas semanas que se seguiram a minha volta eu estive em cada um dos dias com uma amiga querida. Seja ao telefone, seja num samba, num restaurante, numa livraria. Cada dia em minha vida eu busquei o que há de mais valioso em uma amizade: a escuta sem julgamentos.
No final de 2023, ganhei de uma amiga o livro 'Irmãs do Inhame', de bell hooks, e ele me ensinou tanto sobre amizade. Sobre como mulheres, em especial, constroem laços que vão além do afeto, que são resistência, que sustentam e fortalecem. Se formos pensar na amizade entre homens, ela é vista como algo forte e leal, enquanto a amizade entre mulheres muitas vezes é tratada como instável e cheia de conflitos.
Já falamos aqui neste espaço sobre como isso acontece. Desde cedo, as mulheres são ensinadas a competir umas com as outras, seja pela atenção dos homens, por espaço no trabalho ou por reconhecimento. Essa ideia foi reforçada ao longo do tempo e aparece na cultura pop, onde a broderagem masculina é exaltada, enquanto a amizade feminina quase sempre é retratada com fofocas, ciúmes ou traições.
Mas a verdade é que a amizade entre mulheres é valiosa. Ela traz troca, apoio e companheirismo genuíno. Talvez seja por isso que precisamos falar tanto sobre ela - porque, quando estamos juntas, nos fortalecemos e mostramos que podemos contar umas com as outras. Amizade não é só presença, é legado, é cuidado intergeracional.
O que eu sei é que amizade de verdade não precisa de contrato, nem de prazo de validade. Tem amiga que some e, quando volta, parece que nunca foi embora. Tem aquela que precisa de mensagens diárias e manda meme o dia todo - amoooo. Tem a que a gente só encontra em aniversários, mas sente como se estivesse ali o tempo inteiro. O que importa não é a frequência, mas a certeza de que, quando precisar, aquele colo vai estar lá. O nome que a gente dá para isso é detalhe.
Então, se existe um termo para essa conexão forte e livre, talvez seja só amizade madura, amizade sem pressão, ou, quem sabe, amizade de verdade. O resto é só um jeito diferente de falar sobre o que sempre foi essencial: o amor que escolhemos viver, todos os dias, de jeitos diferentes, mas sempre com o mesmo coração aberto.
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