Cris Guterres

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Opinião

Nerd ou gladiador? Por que líderes começaram a se vestir como guerreiros

Um post da Thais Farage me chamou a atenção para o fato de que os líderes de tecnologia trocaram o visual de nerd despretensioso por algo que mistura gladiador romano com bilionário excêntrico. Mark Zuckerberg aposentou suas camisetas cinza para usar roupas personalizadas com lemas de guerra. Elon Musk agora oscila entre jaquetas de couro e ternos pretos dignos de vilões de ficção científica. Jeff Bezos, que já teve cara de livreiro simpático, virou um magnata que desfila nas semanas de moda com um ar de quem poderia comprar um país a qualquer momento.

Essa mudança estética não é só sobre moda ou gosto pessoal. Ela é uma declaração de poder. Se antes esses líderes queriam ser vistos como inovadores despojados que trabalhavam em garagens, agora querem ser percebidos como titãs inabaláveis. Não à toa, suas empresas também mudaram: de startups revolucionárias para impérios que ditam as regras do mundo digital e muitas vezes também do mundo real.

A evolução estética desses bilionários também sinaliza uma aproximação estratégica com políticos e ideologias específicas. Zuckerberg, Musk e Bezos não só reformatam o mercado digital, mas também circulam entre as esferas mais altas da política global. Eles foram figuras presentes em eventos como a posse de Donald Trump, evidenciando essa proximidade e reforçando seu papel não apenas como magnatas da tecnologia, mas também como influenciadores de políticas que moldam o futuro.

Além disso, esse alinhamento garante maior influência política e acesso direto ao governo, como no caso de Musk, que assumiu uma posição no Departamento de Eficiência Governamental (DOGE). Quando a estetização do poder se torna parte da narrativa, ela também influencia decisões, regulações e a maneira como essas figuras são percebidas pelo público.

As recentes mudanças anunciadas por Zuckerberg na Meta reforçam essa narrativa. O enfraquecimento das políticas de moderação de conteúdo e o relaxamento das restrições para discursos políticos demonstram um alinhamento estratégico que vai além dos algoritmos. É um movimento que reflete a consolidação de poder e a capacidade desses líderes de influenciar diretamente o debate público e as regras do jogo político.

Essa estratégia de transformação estética não é nova. Líderes ao longo da história já utilizaram a vestimenta para consolidar sua autoridade. Napoleão Bonaparte se inspirava nos imperadores romanos, adotando coroas de louros e mantos luxuosos para reforçar sua imagem de governante absoluto.

No século XX, Hitler e o regime nazista usaram uniformes desenhados estrategicamente para criar uma identidade de disciplina e superioridade. Mais recentemente, líderes autoritários como Vladimir Putin e Kim Jong-un se apresentam com uma estética militarista e austera, projetando força e domínio. Esse fenômeno mostra que a maneira como essas figuras se apresentam visualmente reflete diretamente suas ambições políticas e sociais.

Diante dessa mudança de postura e imagem, podemos prever que esses líderes continuarão a consolidar seu poder em áreas que vão muito além da tecnologia. A influência política deve se intensificar, assim como a participação ativa em debates sobre liberdade de expressão, regulamentação digital e o papel das big techs na sociedade. Com plataformas cada vez mais moldando o discurso público e impactando diretamente eleições políticas e até questões geopolíticas, é provável que vejamos uma fusão ainda maior entre tecnologia e poder estatal.

Além disso, a personalização da imagem desses bilionários como figuras quase míticas pode reforçar narrativas que os colocam como visionários inquestionáveis, reduzindo o espaço para críticas e regulamentações mais rígidas. Até que ponto estamos dispostos a deixar que esses novos gladiadores determinem as regras do jogo sem questionamentos?

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Se a história nos ensina algo, é que mudanças na imagem dos líderes raramente são aleatórias. Quando as figuras mais poderosas do mundo começam a se vestir como imperadores e guerreiros, talvez seja um sinal de que não estão apenas brincando de se reinventar. Eles estão consolidando poder de formas que vão muito além da estética. A pergunta que fica é: estamos atentos a esse movimento?

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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