Três blocos surgem, e cabo de guerra para regular IA pode sobrar para nós
Ler resumo da notícia

A maré está mudando no debate global sobre regulação de inteligência artificial. E isso traz boas e más notícias.
A primeira lei sobre o tema, o AI Act da União Europeia, concentrou até aqui todas as atenções, criando um modelo a ser exportado para o resto do mundo. É o chamado "efeito Bruxelas".
Todavia, o resultado de um fórum global sobre o tema, o AI Action Summit, realizado na França, revelou um cenário muito mais fragmentado.
Os Estados Unidos e o Reino Unido não assinaram a declaração final do evento, que propugna por uma IA mais responsável, sustentável e segura.
O vice-presidente dos EUA, JD Vance, compareceu ao evento e, em seu discurso, deixou claro que os EUA enxergam com preocupação o avanço de regulações como a criada na Europa.
Ele alertou sobre os impactos dessas leis na inovação e como a sua aplicação poderia restringir a liberdade de expressão.
Aqui o recado é duplo: por um lado Vance critica o ônus regulatório que leis abrangentes como a europeia criam para as atividades de empresas de IA, por outro ele mira no avanço recente de aplicações de IA chinesas, que reproduzem em seus ambientes as restrições sobre temas sensíveis na China.
Em termos globais, o mundo parece mesmo dividido em três grandes blocos no que diz respeito à regulação de IA.
- Nos EUA, impera um sentimento refratário à regulação, que ganha ainda mais impulso no segundo governo Trump.
- Na China, um ambicioso plano de supremacia tecnológica une os interesses do governo com a promoção de empresas que possam competir globalmente com as gigantes americanas.
- A Europa, que ficou para trás no campo da inovação, exporta o seu modelo regulatório, ancorado na mitigação de riscos e na proteção de direitos.
O próprio presidente francês, Emmanuel Macron, diz que a Europa promove uma terceira via na disputa entre EUA e China no que diz respeito ao futuro da inteligência artificial.
O curioso é que, ao final do evento realizado na França, o grupo de países signatários da declaração por uma IA mais segura não contou com Reino Unido e EUA, mas incluiu a China.
Será que a postura divergente, liderada pelos EUA, vai impulsionar mais países a seguir o mesmo caminho ou vai isolar essa dupla?
O modelo de regulação europeu possui muitos méritos, mas assim que a postura dissonante de EUA e Reino Unido foi anunciada, autoridades do velho continente já começaram a acenar com alguma suavização em suas regras.
E como o Brasil entra nessa conversa?
É sempre bom ter escolha. Um mundo mais plural sobre os rumos do debate envolvendo a regulação da IA nos favorece. Essa é a boa notícia.
A má notícia é que um verdadeiro cabo de guerra começa a se desenhar no cenário internacional, com pressões econômicas e geopolíticas que podem resultar em regulações frágeis, pouco preparadas para lidar com os desafios impostos pela IA, ou que existam simplesmente para dizer que o país fez alguma coisa sobre o tema.
Regular aplicações de inteligência artificial está longe de ser um assunto de nicho. IA não é um setor da economia, mas sim uma ferramenta que atravessa os mais diferentes setores, do agro à saúde, da educação à indústria.
Acertar a mão no desenho regulatório é importante para promover inovação nacional e garantir que direitos sejam protegidos, já que cada vez mais atividades do nosso dia a dia passam a contar com algum componente de inteligência artificial.
Brincando com Trump, que havia dito que o mantra nos EUA sobre energia seria "fure, bebê, fure" ("drill, baby, drill", em inglês), Macron afirmou que o mantra na França sobre IA seria "plugue, bebê, plugue" ("plug, baby, plug", em inglês), enfatizando a facilidade para empresas de tecnologia atuar no país.
Ao entrar na roda, fica a questão se o Brasil terá condições de impulsionar um movimento, quiçá no Brics, ou vai se juntar em tendências alheias, adotando o conhecido mantra latino "oh baby me leva".
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.