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Artes de Cyberpunk 2077 e Free Fire em SP são multadas em mais de R$ 1 mi

Arte de Cyberpunk foi feita em dois prédios em São Paulo - Reprodução/START
Arte de Cyberpunk foi feita em dois prédios em São Paulo
Imagem: Reprodução/START

João Varella

Colaboração para o START

12/01/2021 04h00Atualizada em 13/01/2021 14h00

Resumo da notícia

  • Murais em São Paulo divulgam games Cyberpunk 2077 e Free Fire, apesar de proibição de publicidade externa
  • Prefeitura emitiu multas que somam R$ 1 milhão; desenvolvedoras não comentam
  • START conversou com especialistas sobre as irregularidades das artes pela Lei Cidade Limpa

Um enorme mural com uma arte do jogo Cyberpunk 2077 apareceu em um prédio de São Paulo no fim de 2020. O trabalho artístico impressiona, porém, é irregular segundo a prefeitura e, por isso, foi multada em R$ 410 mil, de acordo com informações obtidas pelo START.

Da mesma forma, uma arte do game mobile Free Fire, feita em outro prédio na capital paulista, também recebeu multa no valor de R$ 595 mil. O motivo das irregularidades é que ambas violam a Lei Cidade Limpa (lei 14.223/2006), que impede publicidade externa na cidade.

A arte de Cyberpunk 2077

Com cerca de 20 metros de altura, o enorme mural estende-se por duas empenas cegas (nome dado à parede lateral sem janelas dos prédios) do condomínio São Bento, ao lado do elevado Presidente João Goulart, o Minhocão, na região central da cidade.

Arte de Cyberpunk 2077 reproduz a capa do game. - Reprodução/START - Reprodução/START
A arte de Cyberpunk 2077 reproduz a capa do game.
Imagem: Reprodução/START

A pintura começou em novembro de 2020.

O imóvel recebeu da produtora da ação publicitária R$ 10 mil em duas parcelas para ceder as paredes por dois anos, de acordo com duas pessoas que moram no local e pediram para não serem identificadas.

A reportagem teve acesso a um comprovante de transferência de R$ 5 mil na conta do condomínio. A razão social e o CNPJ da empresa depositante estão atrelados à produtora NaLata, que não retornou os pedidos de entrevista.

Ainda segundo os moradores, os responsáveis pela arte podem alterar o desenho livremente dentro do período acordado e afirmam não terem sido instruídas sobre o risco de ilegalidade. O síndico do prédio não quis dar entrevista.

Entramos em contato também com a CD Projekt (produtora do jogo) e Warner (responsável pela distribuição do game no Brasil), mas não tivemos respostas.

Um dos maiores lançamentos da indústria dos games dos últimos tempos, Cyberpunk 2077 teve intenso trabalho de marketing, o que envolveu a arte em São Paulo.

Porém, o game tem decepcionado muitos fãs com bugs e problemas de desempenho, o que o levou a ser tirado das vendas na loja oficial da PlayStation.

Mesmo com as polêmicas, Cyberpunk 2077 pode ser considerado um sucesso comercial. Segundo a CD Projekt, o game vendeu 13 milhões de cópias do título até 20 de dezembro, o que o coloca entre os maiores produtos de entretenimento da história em termos de faturamento.

ATUALIZAÇÃO: Nesta terça-feira (12), a arte de Cyberpunk 2077 já tinha sido apagada dos prédios.

Arte Cyberpunk 2077 apagada - Reprodução/START - Reprodução/START
Prédios sem a arte de Cyberpunk 2077
Imagem: Reprodução/START

A arte de Free Fire

Em setembro do ano passado, na mesma região, a empresa Garena inaugurou um mural de seu jogo mais famoso, o Free Fire. Não tão realista quando o de Cyberpunk 2077, quem conhece o game identifica facilmente as referências pintadas no prédio de 11 andares.

Grafite de Free Fire no Minhocão  - Thaime Lopes/UOL - Thaime Lopes/UOL
Grafite de Free Fire no Minhocão
Imagem: Thaime Lopes/UOL

DJ Alok, Casa de Papel e o pet Pandinha estão entre os personagens retratados em meio a notas de dinheiro.

A arte foi divulgada abertamente nas redes sociais oficiais do jogo e canais oficiais.

A produtora responsável pelo mural é a mesma do Cyberpunk 2077, a NaLata. Questionada sobre a autorização, a Garena informou que não faria comentários. O síndico do prédio em que a arte está exibida não quis dar entrevista.

Lançado em 2017, Free Fire é um dos jogos de celular mais populares do mundo, com mais de 100 milhões de jogadores ativos, além de ter o brasil como um de seus principais mercados.

ATUALIZAÇÃO: Nesta quarta-feira (13), a arte de Free Fire também já tinha sido apagada.

Arte Free Fire apagado - Reprodução/START - Reprodução/START
Prédio no centro de São Paulo já sem a arte de Free Fire
Imagem: Reprodução/START

Por que é contra a lei?

Ambas as ilustrações infringem a Lei Cidade Limpa (lei 14.223/2006), que impede publicidade externa na cidade de São Paulo.

Uma resolução de 2016 tirou a necessidade de autorização prévia da prefeitura para grafites, porém reitera a proibição a qualquer insinuação de produto comercial:

"A intervenção também não poderá exibir diretamente ou fazer referência indireta a nomes, marcas, logos, serviços ou produtos comerciais, sob pena de caracterizar infração ao artigo 18 da Lei Municipal nº 14.223/2006". A referida lei é a que foi batizada de "Cidade Limpa".

"Casos omissos e dúvidas na interpretação e aplicação desta resolução deverão ser submetidos à deliberação da CPPU ", diz outro trecho da resolução. Não há no Diário Oficial da cidade registro de consulta ou permissão nos endereços dos grafites ou no nome das empresas.

Cyberpunk game - Divulgação - Divulgação
No game Cyberpunk, corporações controlam cidades futuristas e distópicas
Imagem: Divulgação

Embora as figuras nas artes dos prédios em São Paulo não exibam o nome dos jogos por escrito, o reconhecimento do produto é imediato para quem acompanha videogames, e especialistas ouvidos pelo START concordam com a irregularidade das artes.

"Do jeito que está, o mural fere o objetivo da lei, entendo como inadequado", afirma Lucila Lacreta, mestre em urbanismo e diretora executiva do Movimento Defenda São Paulo. "Se a moda pega, bastaria colocar o produto sem usar palavras e pronto, fica decretada a volta da poluição visual na cidade".

Já Wilson Levy, advogado e coordenador do mestrado em Cidades Inteligentes e Sustentáveis da Uninove, esclarece que não há julgamento estético nas regras da Cidade Limpa. "A lei faz um pedido sensato de não haver referência comercial", diz. "Nesse caso em que houve pagamento aos artistas e divulgação oficial parece haver um caráter incompatível com as normas", afirma ele, que tem pós-doutorado em urbanismo.

Zonas Cinzas

 Grafites no Beco do Batman, na Vila Madalena, em São Paulo - Lucas Lima/UOL - Lucas Lima/UOL
Grafites no Beco do Batman, na Vila Madalena, em São Paulo
Imagem: Lucas Lima/UOL

É comum andarmos por pelas ruas e nos depararmos com grafites e murais de personagens da cultura pop, de filmes a quadrinhos. Em São Paulo, por exemplo, uma travessa no bairro Vila Madalena é conhecida como "Beco do Batman" por suas várias ilustrações do super-herói.

Essas artes também não seriam contra a Lei? O advogado Wilson Levy responde:

"Um artista que faça um grafite com um personagem famoso, digamos o Homem-Aranha, no muro de uma escola sem a permissão oficial da Marvel é um caso diferente".

Segundo ele, o fato de não passar pelo controle da empresa, ter um caráter efêmero e de partir da expressividade do artista configura uma obra de arte. "Bem diferente seria se fosse pago pela empresa, firmasse um contrato para divulgar o herói ou um produto com o personagem".

Grafite Beco do Batman - Fernando Donasci/UOL - Fernando Donasci/UOL
Imagem: Fernando Donasci/UOL

Outro caso válido, de acordo com Levy, é a chamada arte patrocinada, sem menção aos símbolos e códigos da marca. "O grafite deixa a cidade mais colorida, mas é cheio de zonas cinzentas", disse.

"Zona cinzenta" é uma figura de linguagem para casos em que cabem interpretação, sem distinção óbvia entre certo e errado.

Prefeitura exaltou arte de Cyberpunk

Após o START enviar questionamentos ao governo municipal sobre as artes de Cyberpunk 2077 e Free Fire, fiscais foram até o prédio e constataram a infração.

Porém, a própria prefeitura exaltou o desenho em seu perfil oficial no Twitter no dia 10 de dezembro.

Tweet prefeitura SP Cyberpunk - Reprodução/Twitter - Reprodução/Twitter
Imagem: Reprodução/Twitter

"As definições de arte foram atualizadas com sucesso! #SP2077", dizia a postagem, compartilhada e curtida quase 4 mil vezes. O post foi apagado após o START entrar em contato com a Secretaria de Comunicação da prefeitura.

O órgão se manifestou por meio de nota: "A Prefeitura de São Paulo informa que já apagou a publicação no Twitter, que saiu por engano como arte urbana. A administração municipal não faz alusão a propagandas".

O texto da rede social continha a hashtag #SP2077, indicando conhecimento da referência do desenho.

Keanu Reeves Cyberpunk 2077 - Divulgação/CD Projekt Red - Divulgação/CD Projekt Red
Keanu Reeves é uma das estrelas presente em Cyberpunk 2077
Imagem: Divulgação/CD Projekt Red

Uma pessoa vinculada ao governo municipal falou sob sigilo ao START que o tuíte da prefeitura foi um "grande equívoco" e que "os desenhos são caso flagrante de "pegadinha", tentando explorar uma abertura da lei".

A fonte da prefeitura aponta que o regime de trabalho remoto imposto pela pandemia dificulta o trabalho de fiscalização.

Mais de R$ 1 milhão em multa

Cyberpunk 2077 Arte São Paulo - Reprodução/START - Reprodução/START
Imagem: Reprodução/START

Já sobre as artes, a Prefeitura de São Paulo confirmou, em nota, a irregularidade dos desenhos: "A lei proíbe, conforme seu artigo 9º, a instalação de anúncios em muros, paredes e empenas cegas de lotes públicos ou privados, edificados ou não".

A multa é de R$ 10 mil para anúncios com até 4 metros quadrados. Anúncios maiores pagam além da multa base outros R$ 1 mil por metro quadrado a mais. As duas paredes com o grafite de Cyberpunk 2077 somam cerca de 400 metros quadrados.

Mais alta, porém com largura menor, a empena cega do Free Fire tem área total similar. Os prédios estão a cerca de 600 metros de distância um do outro.

Grafite Free Fire em São Paulo - Thaime Lopes/UOL - Thaime Lopes/UOL
Arte de Free Fire fica a poucos metros de distância da arte de Cyberpunk
Imagem: Thaime Lopes/UOL

Como informado no início do texto, a multa para a arte de Cyberpunk é de R$ 410 mil e a de Free Fire ficou no valor de R$ 595 mil, somando R$1,05 milhão.

A empresa multada não é nem a CD Projekt nem a Garena, e sim a produtora que realizou as artes, a NaLata, que prestou esse serviço para as companhias de games em cada ação.

Após a penalidade, a NaLata tem a obrigação de corrigir as artes em 15 dias, sob pena de nova multa com valor dobrado.

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