'Profundo': 1ª mulher trans indicada ao Oscar defende personagem masculino
Karla Sofía Gascón, primeira mulher trans indicada a melhor atriz no Oscar 2025, interpreta Manitas Del Monte em "Emilia Pérez" —um chefão do tráfico mexicano que transiciona de gênero e começa nova vida como Emilia Pérez. Sob a direção do francês Jacques Audiard, o musical lidera a premiação com 13 indicações e desponta como o principal rival de "Ainda Estou Aqui".
Entre próteses faciais e desafios emocionais, a atriz quebra barreiras ao viver duas fases do mesmo personagem e ao abordar temas como representatividade, identidade trans e os desafios enfrentados pela comunidade.
Se tivessem dado a opção de escolher qual das partes poderia interpretar, escolheria a primeira parte da personagem [antes da transição de gênero], porque é muito mais intensa, muito mais profunda, muito mais complicada. Karla Sofía Gascón, em entrevista exclusiva para Splash

Para Karla, interpretar Manitas antes da transição foi uma experiência positiva, ainda que pudesse ser delicado e até violento para uma pessoa trans que já vivenciou esse processo. Ela considera o personagem intenso, profundo e desafiador, um desafio enriquecedor para uma atriz. A caracterização envolveu o uso de próteses faciais aplicadas no queixo, nariz e bochechas, transformando suas feições para refletir o aspecto mais masculino do personagem.
Encantada por interpretar as duas fases do protagonista, a atriz revela ter sugerido ao diretor Jacques Audiard a criação de uma prequela que explore o passado do personagem. "Gostaria de ver o que acontecia naquela vida antes de ela se tornar Emilia." Se o projeto se concretizar, Karla Sofía Gascón já demonstrou interesse em participar da produção.
Enquanto estava no Brasil para eventos de "Emilia Pérez", uma triste coincidência chamou a atenção: no mesmo período, a Rede Trans Brasil divulgou que o país permanece como o mais violento para pessoas trans no mundo. Foram 105 homicídios registrados em 2024. Este é o 16º ano consecutivo que o Brasil lidera esse ranking.
É sempre uma tristeza que isso aconteça em todo o mundo. As mulheres trans especialmente —porque com os homens trans não acontece o mesmo— são sempre marginalizadas e rejeitadas, como se fossem insetos ou monstros desta sociedade. É terrível simplesmente odiar uma parte da sociedade por existir. Para mim, o problema não está nas pessoas que são trans, mas, sim, em quem odeia os outros porque eles fazem coisas com seus corpos, o que eles querem fazer, sem prejudicar ninguém.
Apesar do dado alarmante, a atriz ainda vê o Brasil como um exemplo positivo na questão LGBTQIAP+. "Sempre considerei o país uma referência quando se trata de mulheres trans, de mulheres maravilhosas, de beleza, de sexualidade e amor. Sempre vi assim. Eu gostaria que tivéssemos mantido essa parte bonita."
A admiração de Gáscon pela cultura brasileira é evidente: em dez minutos de conversa, a atriz espanhola mencionou diversas coisas pelas quais é apaixonada no Brasil, destacando até mesmo Pelé como o melhor jogador de futebol do mundo. "Se eu começar a te contar todas as coisas que gosto no Brasil, não vamos terminar nunca. Desde as caipirinhas até os Tribalistas, passando por Roberto Carlos, que para mim é um dos melhores jogadores de futebol. Os pênaltis do Zico, Sócrates..."

Rivalidade com Fernanda Torres
Quanto à rivalidade com Fernanda Torres, Gáscon afirma que a relação entre as duas é a melhor possível e revela que adoraria trabalhar com a brasileira. "Ela me parece uma mulher maravilhosa, como pessoa e atriz, que merece tudo de melhor neste mundo."
Não estamos em uma competição. Esse é um jogo no qual outras pessoas nos colocaram, que nem é o nosso jogo. Estamos aproveitando. Temos que curtir e vivenciar as coisas de uma forma positiva. E espero que trabalhemos juntas, mesmo que seja apenas para eu dizer: 'seu café, senhorita'.
Além da indicação ao Oscar 2025, Karla Sofía Gascón conquistou o prêmio de melhor atriz em Cannes e no European Film Award pela sua atuação em "Emilia Pérez". No entanto, a espanhola vê essas indicações e prêmios como uma "realidade paralela". "É um lugar que você entra e deve tomar muito cuidado para não perder o chão e acreditar que você é algo que não é."
Apesar de todo o prestígio, "Emilia Pérez" não escapou das críticas e polêmicas, especialmente em relação à representação mexicana. Embora o filme represente a França no Oscar, o elenco principal não é mexicano: Karla Sofía Gascón é espanhola, enquanto Selena Gomez e Zoe Saldaña são americanas. Ela conta que treinou inúmeras vezes e repetiu cenas nas quais acreditava estar perfeita. Durante as gravações, ela teve o auxílio de um especialista em sotaque mexicano.
A maior dificuldade que encontrei neste filme, além de cantar, que não é a minha praia, estava relacionada em fazer um sotaque mexicano perfeito, para que ninguém no México pudesse me dizer nada contra meu sotaque mexicano, porque eu sabia que poderia causar confusão. Eu tinha que ter um sotaque perfeito para que ninguém pudesse falar nada sobre ele.

A dedicação de Gascón teve resultado, e seu sotaque não gerou críticas, mas o mesmo não ocorreu com Selena Gomez. A cantora americana se defendeu em uma postagem no Instagram: "Sinto muito por fazer o melhor que pude com o tempo que me foi dado. Isso não diminui o quanto de trabalho e coração coloquei neste filme".
"Emilia Pérez" é um dos principais concorrentes de "Ainda Estou Aqui" no Oscar 2025 e estreia nos cinemas brasileiros no dia 6 de fevereiro. A cerimônia do Oscar ocorrerá em 2 de março, domingo de Carnaval, e será transmitida no Brasil a partir das 21h pela TNT e pela Max.

Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.