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Como Kardashian fez o vestido de Marilyn se tornar ainda mais polêmico?

Kim Kardashian usa vestido feito sob encomenda para Marilyn Monroe e gera polêmica - Reprodução/Getty Images
Kim Kardashian usa vestido feito sob encomenda para Marilyn Monroe e gera polêmica Imagem: Reprodução/Getty Images

Laysa Zanetti

De Splash, em São Paulo

11/05/2022 04h00

Quando Kim Kardashian subiu as escadarias do MET (Museu Metropolitano de Arte de Nova York) na semana passada trajando um lendário vestido usado 60 anos antes por Marilyn Monroe, o momento deveria ser de glória. O impacto positivo, no entanto, durou pouco e logo deu lugar a críticas. De uma dieta rigorosa a historiadores debatendo a necessidade de se expor uma peça histórica e frágil a riscos do uso, a polêmica se intensificou nos dias após o tradicional baile do MET, o Oscar da moda.

Considerado o mais caro do mundo, o vestido foi comprado pelo Ripley's Believe It or Not! por US$ 4,81 milhões (aproximadamente R$ 24 milhões) em um leilão, em 2016. A roupa havia sido usada por Marilyn Monroe, um dos ícones mais importantes do cinema, em um momento que entrou para a história: com ela no corpo, a atriz cantou parabéns para o então presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy, no Madison Square Garden, em 19 de maio de 1962.

A controvérsia estaria em uma questão de ética. Curadores de museus e conservadores de moda apontam que é grave uma instituição que deveria preservar a peça emprestá-la para uma celebridade. Os representantes da Ripley's Believe It or Not! alegam, no entanto, que Kim tomou todos os cuidados com a roupa, usada apenas por alguns minutos.

Menos sete quilos em três semanas

Kim Kardashian - Greg Swales/Vogue - Greg Swales/Vogue
Kim Kardashian fotografada com vestido desenhado para Marilyn Monroe
Imagem: Greg Swales/Vogue

Quando pisou no tapete vermelho, a empresária, de 41 anos, contou que foi um desafio caber na peça. Ela passou por uma rotina rigorosa de dieta e exercícios, e perdeu aproximadamente 7 kg em três semanas — apenas para usar o vestido, que havia sido costurado no corpo de Marilyn. Na primeira prova de roupa, em abril, a roupa não entrou e, por ser histórica, não poderia ser alterada.

"Foi um grande desafio, como um papel para um filme", disse Kim em entrevista à Vogue. "Eu estava determinada a caber nele. Não como carboidratos ou açúcares há três semanas." Ainda assim, apesar da privação de comida, o vestido não coube perfeitamente na empresária — não foi possível levantar o zíper para cobrir o bumbum e ela usou um casaco no tapete vermelho para cobrir a parte de trás da peça, fechada com um barbante.

Nas redes sociais, fãs e ativistas criticaram os comentários e a atitude da empresária. Lili Reinhart, de 25 anos, por exemplo, considera nocivo para algumas pessoas ver alguém como Kim Kardashian falando sobre dietas tão restritivas. "Caminhar em um tapete vermelho e dar uma entrevista em que você diz o quanto está com fome... porque você não comeu carboidratos no último mês... tudo isso para caber na p*rra de um vestido?", disse a atriz no Instagram.

Em entrevista à BBC, a nutricionista e perita em dieta Nichola Ludlam-Raine disse que é irresponsável falar sobre esse tipo de privação. "Muitas pessoas vão ler e assistir, especialmente pessoas com distúrbios alimentares ou jovens mulheres, e vão achar que fazer isso é possível, ou necessário. Não é uma maneira sustentável de se viver.".

Onde fica a história

Vestido histórico de Marilyn Monroe fotografado no Ripley's Believe It or Not! em Orlando, em novembro de 2018 - Liliane Lathan/Getty Images - Liliane Lathan/Getty Images
Vestido histórico de Marilyn Monroe fotografado no Ripley's Believe It or Not! em Orlando, em novembro de 2018
Imagem: Liliane Lathan/Getty Images

Não bastasse a dieta rígida, a peça de roupa frágil e simbólica estava guardada e conservada. O vestido fica em um vidro fechado, com controle de temperatura e umidade, na unidade do Ripley's em Orlando. Foi para lá que ele voltou após passar pelo MET Gala.

O Ripley's Believe It or Not!, responsável pela peça, não é um museu. É parte de uma instituição privada que visa ao lucro financeiro com a exibição de atrações temáticas, curiosas ou raras. Além do vestido, o Ripley's também têm um sabre de luz da saga Star Wars e um Rolls-Royce que pertenceu a John Lennon.

"Estou frustrada porque isso é um retrocesso para o que é considerado um tratamento profissional para figurinos históricos", declarou Sarah Scaturro, responsável pela conservação das peças do Museu de Arte de Cleveland, em entrevista ao jornal Los Angeles Times.

"Nos anos 80, profissionais da área se uniram para formularem uma resolução de que figurinos históricos não deveriam ser usados. Então, a minha preocupação é que colegas agora serão pressionados por pessoas importantes para que as deixem usar esse tipo de roupas", explicou.

A pesquisadora independente Cara Varnell, especializada em vestidos históricos, explica que o motivo do preciosismo com peças como o Jean Louis de Marilyn não é apenas por este ser um vestido de 60 anos.

"Se você tem um Charles James pendurado no guarda-roupas da sua avó e quer usá-lo, tudo bem. Mas uma peça que está arquivada significa que tem importância cultural o suficiente para que a valorizemos e queiramos preservá-la. É parte da nossa herança cultural coletiva. Estou sem palavras para o que aconteceu."

Mas quais são os riscos?

O suntuoso traje é feito de um material francês muito delicado, a seda soufflé. Quando ele é novo, é maleável e resistente, mas vai enfraquecendo com o tempo. Além disso, o vestido é coberto por 6 mil cristais, costurados à mão.

Por isso, o simples fato de alguém usá-lo, mesmo que por pouco tempo, pode causar danos ao material, que tem até mesmo a força da gravidade contra si.

"Quando você se mexe, algo está cedendo, mesmo que não seja visível", explicou Kevin Jones, curador do museu do Instituto Fashion de Design e Propaganda, em Los Angeles. "Sob um microscópio, veríamos todos esses pequenos rompimentos. E, com o tempo, isso seria um grande problema."

Nas redes sociais, Sarah Scaturro explicou como a exposição coloca a peça em risco. "Um vestido de 60 anos terá problemas, pontos fracos. E Kim certamente está usando produtos, loções, cremes, perfume, maquiagem corporal etc., tudo o que causa ainda mais danos."

Apesar das críticas, representantes do Ripley's dizem que todos os cuidados necessários foram tomados. De acordo com o The Hollywood Reporter, Kim e sua equipe fizeram dezenas de reuniões com o time de entretenimento da companhia, inclusive com a presença do presidente, John Concoran.

Nessas reuniões, foi estabelecido que Kim poderia ficar com o vestido no corpo apenas pelo tempo suficiente para passar pelo tapete vermelho e subir as escadas do MET. Além disso, a maquiagem corporal estava proibida.

"Temos pessoas ligando e pedindo para pegar objetos empresados o tempo todo, e a resposta quase sempre é não", contou Amanda Joiner, vice-presidente de licenciamento e publicações do Ripley Entertainment, ao The Hollywood Reporter. "Ficamos intrigados para ouvir as ideias da Kim, mas nunca foi um sim automático."

"Kim não mexe com réplicas"

Kim Kardashian junto da filha mais velha, North West, e detalhe da jaqueta de Michael Jackson - Instagram - Instagram
Kim Kardashian junto da filha mais velha, North West, e detalhe da jaqueta de Michael Jackson
Imagem: Instagram

Apesar de o capítulo com o vestido de Marilyn ter gerado polêmica, é comum que peças famosas de estrelas sejam leiloadas e usadas por compradores igualmente ricos.

A própria Kim Kardashian, que ganhou do Ripley's uma mecha dos cabelos de Marilyn Monroe, é uma grande conhecedora deste meio. Foi justamente por isso que ela conseguiu a façanha. Kim chegou ao Ripley's Believe It or Not! por meio da empresa Julien's Auctions, que efetuou a venda do vestido em 2016 e, agora, conectou as duas partes.

Kim e sua mãe, Kris Jenner, são clientes de longa data da Julien's Auctions. Em 2019, por exemplo, a estrela comprou uma jaqueta de veludo que pertencia a Michael Jackson e deu de presente de Natal para sua filha, North, na época com seis anos.

Ao longo dos anos, a companhia já leiloou itens que vão da coleção de sapatos de Brittany Murphy às cinzas do escritor Truman Capote, e ver peças de celebridades ou artistas famosos sendo repassadas, seja para lucro pessoal ou doação para instituições de caridade, não é incomum.

Mesmo assim, não significa que colocar o vestido de Marilyn "para jogo" era algo simples. Quando o CEO e presidente da Julien's Auctions, Darren Julien, intercedeu por sua cliente com o Ripley's, ouviu como resposta a oferta para que ela usasse uma réplica.

"Eu disse que a Kim não mexe com réplicas", lembrou, para o THR. A celebridade conseguiu desfilar com o vestido original e posar para fotos por alguns minutos. Na sequência, o trocou por uma réplica, que também pertence ao Ripley's.

Importante para quem?

Marilyn Monroe canta "Parabéns a Você"  - Bettman Archive/Getty Images - Bettman Archive/Getty Images
Marilyn Monroe canta "Parabéns a Você" para o presidente John F. Kennedy no Madison Square Garden, em maio de 1962
Imagem: Bettman Archive/Getty Images

Criado pelo estilista francês Jean Louis, o vestido foi desenhado especialmente para dar a impressão de que Marilyn Monroe estava nua. Por isso, ao longo dos anos, passou a ser considerado o "vestido nude original", e parte indivisível da história de Norma Jean e sua polêmica relação com os Kennedy.

Marilyn usou o vestido para a celebração dos 45 anos do então presidente dos Estados Unidos John F. Kennedy. A festa não era apenas para JFK, e coincidiu com um evento para angariar recursos para o partido democrata estadunidense. Foi lá que a artista presenteou o chefe de Estado com sua interpretação agora famosa de "Parabéns a Você".

Na ocasião, usar o vestido foi uma libertação para a estrela. Até então, ela era contratada da 20th Century Fox (que, hoje, pertence à Disney). O estúdio não permitia que Marilyn usasse roupas muito reveladoras nos filmes, para fugir de escândalos como o do calendário e das fotos no estilo pin-up que foram tiradas dela em 1949, antes da fama, aos 22 anos.

"Ela não se importava, porque já havia sido demitida", disse Bob Mackie, que criou o esboço da peça, à Vogue. "Como uma figura, ela estava em seu auge, e o vestido era de um formato clássico e muito moderno para a época."

Aquela foi uma das últimas aparições públicas da estrela de "Quanto Mais Quente Melhor" (1959) e "O Pecado Mora ao Lado" (1955). Ela morreu menos de três meses depois, no dia 4 de agosto, aos 36 anos.