Só 1 em 4 sobrevive: o risco de cair de um navio de cruzeiro em movimento
Segundo estimativas, cerca de 900 mil passageiros deverão embarcar em algum dos navios da temporada brasileira de cruzeiros, que começou em novembro.
Destes, praticamente todos, em algum momento, ainda que brevemente, pensarão nos eventuais riscos que um cruzeiro marítimo embute. Como a possibilidade de naufrágio ou de queda no mar — neste caso, o incidente mais recente está sendo apurado: a Polícia Federal investiga o desaparecimento de um turista durante um cruzeiro que saiu da Europa com destino ao Brasil. A embarcação aportou nesta quinta-feira (14), no Recife.
Nos dias de hoje, naufrágios de grandes navios de cruzeiros são eventos raríssimos e altamente improváveis. O último caso aconteceu em janeiro de 2012, quando o navio Costa Concordia atropelou as pedras de uma ilhota italiana por imprudência do seu comandante, causando a morte de 32 pessoas entre as mais de 4 000 que havia a bordo, já lá se vão mais de dez anos.
Já as quedas acidentais de passageiros no mar vêm tendo um ligeiro aumento no número de ocorrências, mas ainda assim quase nada frente ao universo de milhões de passageiros que embarcam em viagens desse tipo, no mundo inteiro, a cada ano.
Segundo a Associação Internacional de Empresas de Cruzeiros ("Clia", na sigla em inglês), 26 pessoas, em média, caem no mar a partir de navios de cruzeiro, a cada ano. Entre 2009 e 2019, aconteceram 212 casos. No ano passado, foram 16. Na média, mais de um caso por mês.
Em novembro, num só dia, aconteceram dois casos, em dois navios de cruzeiros diferentes, ambos fora do Brasil.
Na costa americana, um jovem de 28 anos caiu do transatlântico Carnival Glory, após ter sido filmado por câmeras de segurança caminhando pelo convés do navio, durante a madrugada. Seu corpo não foi encontrado.
Já o outro caso, no mesmo dia, nas proximidades de Porto Rico, no Caribe, vitimou um dos tripulantes do navio MSC Seascape, que mesmo tendo sido visto caindo no mar por colegas — que imediatamente lançaram boias e sinalizadores na água — também não foi encontrado.
Duas vítimas fatais em um só dia, pelo mesmo motivo: queda no mar, a partir de um navio de cruzeiro.
Só um em quatro sobrevive
Ainda assim, não seriam números nada alarmantes não fosse um detalhe perverso que faz parte desse tipo de acidente: de cada quatro pessoas que caem no mar de um navio, apenas uma sobrevive. Ou menos ainda.
Em 2019, dos 29 passageiros de cruzeiros marítimos que tiveram o infortúnio de cair no mar com o navio em movimento, apenas nove foram resgatados com vida. Dos demais, nem os corpos foram encontrados.
Dos 212 casos registrados entre 2009 e 2019, só 48 passageiros tiveram a sorte de sobreviver — tanto à queda, quanto a agonia de ficar horas a fio à deriva no mar, à espera de um resgate que nem sempre acontece, já que quase sempre a queda não é percebida de imediato, nem pelos demais passageiros, nem pelas equipes de segurança.
Dois casos no Brasil
No Brasil, de 2010 de para cá, aconteceram dois casos de quedas de passageiros no mar — ambos fatais, mas causados por imprudência das vítimas.
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Quero receberEm dezembro de 2010, o estudante paranaense Miguel Broliani, de 19 anos, caiu do convés do MSC Orchestra, quando o navio estava ancorado diante de Ilhabela, após sentar-se imprudentemente na amurada, durante um encontro com amigos, de madrugada. Mesmo resgatado em seguida, já que o navio estava parado, o estudante não resistiu a queda e morreu na hora.
Três anos depois, em 2013, o arquiteto Luciano de Lucca, de 30 anos, caiu da varanda de sua cabine no MSC Fantasia, antes mesmo de o navio deixar o porto de Santos, após supostamente se debruçar demais sobre a grade.
Embora a queda tenha sido testemunhada por outros passageiros, que acionaram imediatamente a tripulação — e até por um piloto de jet ski que estava nas imediações do navio, e tentou resgatar a vítima —, Luciano desapareceu nas águas do porto, e seu corpo só foi encontrado dois dias depois.
Um incidente dramático
Em 2015, outro caso envolvendo um brasileiro, Erik Elbaz, aconteceu no mar das Bahamas, no Caribe, quando seu marido, o também brasileiro Bernardo Garcia Teixeira, de 31 anos, se atirou da varanda de sua cabine, no sétimo andar, na direção do mar, após aparentemente ter tido uma discussão com o companheiro — que, no entanto, sempre alegou que a tentativa de suicídio de Bernardo fora causado pelo bullying que eles vinham sofrendo dos tripulantes do navio por serem gays, e que foram dois deles que empurraram o brasileiro para o mar.
Bernardo, no entanto, não caiu no mar, mas sim sobre um dos barcos salva-vidas que estavam suspensos pelos guindastes do lado de fora do navio, e ali ficou alguns minutos, agarrado aos suportes, até que, esgotado, caiu na água,
O acidente, dramático e angustiante, foi acompanhado de perto por diversos passageiros e tripulantes, que, no entanto, nada puderam fazer para evitar a queda do brasileiro no mar. O corpo de Bernardo jamais foi encontrado e, até hoje, a família da vítima tenta processar a empresa dona do navio, a Royal Caribbean.
A culpa é do álcool
Mas existe uma boa notícia nisso tudo: o principal motivo da imensa maioria de casos de quedas de passageiro no mar é conhecido.
Trata-se do consumo exagero de bebidas alcoólicas, algo comum e frequente nos navios de cruzeiro -- sobretudo naqueles que oferecem pacotes all-inclusive, com consumo ilimitado por um preço fixo, o que, hoje, praticamente todas as companhias marítimas oferecem.
"Entre outras ações, como aumentar a altura das grades de proteção e instalar equipamentos que detectam a queda de elementos pesados casco afora, os navios poderiam reduzir os riscos de queda de passageiros no mar se limitassem o consumo etílico a bordo", diz Brian Salerno, vice-presidente de políticas marítimas da Clia.
Mas as empresas marítimas argumentam que os tripulantes dos seus cruzeiros já são treinados para interromper o fornecimento de bebidas alcoólicas sempre que detectam o consumo excessivo por algum passageiro.
Outro especialista no assunto, Andy Harmer, diretor da Clia no Reino Unido, vai além, e garante que, sem o efeito do álcool ou de algum mal súbito, as chances de alguém cair de um navio de cruzeiro no mar são insignificantes.
"Isso só acontece em casos de imprudências, como abusar do álcool e se debruçar exageradamente nas varandas", garante.
"Nos navios, as grades de proteção chegam até a altura do peito da maioria das pessoas, e só mesmo um ato intencional, ou irresponsável, geralmente causado pelo consumo exagerado de bebidas alcoólicas, pode resultar em queda no mar", diz Harmer.
Mesmo assim, ele aconselha que famílias viajando com crianças pequenas removam (quando não em uso, obviamente) as cadeiras das varandas das cabines que possuem esse tipo de benefício, para não criar um facilitador para um eventual acidente, embora, até hoje, nenhuma criança tenha despencado de um navio de cruzeiro por ato próprio.
No único caso similar registrado até hoje, um avô americano foi o responsável involuntário por deixar cair um bebê de uma janela que dava para um piso inferior do navio, durante um cruzeiro no Caribe, em 2019.
Foi a única tragédia envolvendo queda fatal de crianças nos cruzeiros marítimos. E, mesmo assim, não no mar.
O que os navios fazem?
Tal qual as demais companhias marítimas, as duas empresas que atuam na temporada brasileira de cruzeiros neste verão, a MSC e a Costa Cruzeiros (ambas contatadas, mas só a Costa respondeu) seguem os protocolos internacionais criados pela Organização Marítima Internacional, para casos de queda de pessoas no mar.
Este conjunto de regras determina que, assim que uma queda é identificada (o que, como já se disse, nem sempre é percebida instantaneamente), é disparado um alarme técnico entre toda a tripulação do navio, chamado MOB — iniciais de "Man Overboard", ou "Homem ao Mar".
A ativação do alarme MOB (também presente nos instrumentos eletrônicos de navegação, que registram o ponto de ativação e fazem o navio voltar até ele) implica na imediata interrupção da marcha do navio, no lançamento de boias sinalizadoras e salva-vidas na água, na comunicação do fato às autoridades marítimas, e na liberação de barcos salva-vidas, que ficarão dando voltas na região, a procura da vítima no mar.
Mas, apesar de todo esse protocolo, as chances de uma pessoa que tenha caído de um navio em movimento ser encontrada no mar são pequenas — e menos ainda, viva. Por alguns motivos.
Por que é tão fatal?
Um deles é que um navio leva muito tempo para parar totalmente — algo entre três a cinco quilômetros, dependendo do seu tamanho e velocidade. E ainda mais para manobrar e retornar ao ponto onde supostamente aconteceu a queda, uma vez que, na grande maioria dos casos, elas costumam acontecer durante à noite (quando, não por acaso, aumenta ainda mais o consumo de bebidas alcoólicas nos navios) e não são testemunhadas por outros passageiros ou tripulantes.
Com isso, o local exato da queda da vítima passa a ser um mero exercício de probabilidades, com a agravante de que, no mar, não existem referências físicas que possam servir de referência a eventuais testemunhas - só água, por todos os lados.
Alerta de "Homem ao mar"
Outra agravante é que, quase sempre, a queda só é detectada muito tempo após acontecer — não raro apenas horas depois, ou mesmo no dia seguinte —, quando amigos ou acompanhantes dão por falta da pessoa a bordo. Com isso, mesmo o alarme MOB torna-se praticamente inútil.
Mesmo quando a queda é testemunhada por outras pessoas (a recomendação, nestes casos, é não tirar os olhos da vítima, e não desviar o olhar para nada mais), ela logo deixará de ser visível no mar, porque, além de o navio estar em movimento (ou seja, deixando a pessoa para trás a cada segundo), qualquer marola de míseros 20 centímetros de altura é capaz de encobrir totalmente a cabeça de uma pessoa - única parte do corpo que fica à mostra, na superfície.
Isso, se a vítima ainda estiver viva ou consciente, porque a simples queda de uma altura que pode passar dos 40 metros, como nos maiores navios de cruzeiro, pode ser fatal ou deixar a pessoa desacordada, sujeita a afogamento imediato.
Dependendo da altura da queda, o impacto do corpo humano no mar é equivalente a cair sobre uma laje de concreto. Ou seja, fatal.
Além disso, ainda existe o risco de a vítima ser tragada pelas hélices do próprio navio, que sugam toda a água ao redor, ou, no mínimo, contribuem para que ela desapareça rapidamente dos olhos de eventuais testemunhas, em meio ao turbilhão de espumas. Com a agravante de que, quem cai acidentalmente de um navio, nunca está vestindo um colete salva-vidas.
Por tudo isso, sobreviver à queda de um navio em movimento é quase um milagre. Mas, felizmente, acontece.
Os que tiveram sorte
Aconteceu, por exemplo, em novembro do ano passado, quando o americano James Grimes, de 28 anos, caiu do navio Carnival Valor nas águas do Golfo do México, e foi encontrado, sem querer, por um navio cargueiro mais de dez horas depois, que sequer sabia do acidente. Na ocasião, Grimes creditou o seu milagroso resgate ao fato de ser Dia de Ação de Graças, a data mais representativa para os americanos.
E aconteceu, também, com a inglesa Kay Longstaff, que, em agosto de 2018, caiu de um navio ao largo da costa da Croácia e foi resgatada só no dia seguinte, por um barco de passeio. Para suportar o frio e o cansaço, ela disse que cantava o tempo todo.
Outro caso que se tornou bem famoso foi o do também americano Tim Sears, de 31 anos, que também caiu de um cruzeiro na costa do México, em abril de 2003, e passou a noite inteira nadando, até ser resgatado acidentalmente por outro navio, no dia seguinte.
O detalhe é que só quando isso aconteceu é que o navio do qual ele despencara ficou sabendo da queda do seu passageiro.
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