Navio histórico será afundado para virar maior recife artificial do mundo
Nem desmanche, nem sucata, muito menos museu. O destino do outrora mais famoso navio transatlântico dos Estados Unidos, o SS United States, desativado 55 anos atrás - e, desde então, ocupando uma das vagas do porto de Filadélfia, o que já gerou até ordem de despejo - será o fundo do mar, onde se tornará o maior recife artificial do mundo e atração para mergulhadores.
A decisão foi tomada na semana passada, com a concretização da venda do navio para o governo de Okaloosa, um dos 67 condados que formam o estado da Flórida, no sul do Estados Unidos.
Lá, ele será propositalmente afundado diante da cidade de Destin, para atrair turistas mergulhadores e também vida marinha para o mar da região - nos dois casos, visando benefícios e lucros.
Deve gerar lucro
Um dos objetivos é que o gigantesco casco do navio, de quase 300 metros de comprimento, se transforme no maior recife artificial do mundo, atraindo vida marinha.
Outro, que gere lucro, com o dinheiro que os turistas gastarão na região, quando a visitação submarina do transatlântico foi autorizada, o que pode acontecer já no final do ano que vem.
Vendido por US$ 1 milhão
O navio - lançado ao mar em 1951, mas que há muito tempo deixou de ter condições de navegar - foi vendido pela SS United States Conservancy, uma organização sem fins lucrativos criada pela americana Susan Gibbs, neta do projetista do próprio transatlântico, William Francis Gibbs (uma espécie de Oscar Niemeyer da indústria naval americana do início do século passado), por 1 milhão de dólares - cerca de R$ 5,5 milhões.
Mas o governo de Okaloosa gastará dez vezes mais em todo o projeto, que inclui a criação de um museu na própria cidade de Destin, com equipamentos retirados do navio e narrando sua história, para os turistas regulares, não mergulhadores.
Só a preparação do casco e o transporte, a reboque, do imenso navio do porto de Filadélfia até o local do afundamento custará mais de 7 milhões de dólares, ou quase R$ 40 milhões.
"Um ótimo negócio"
Mesmo assim, o governo do condado vê o afundamento do transatlântico como um bom negócio, tanto para o meio ambiente marinho, quanto, sobretudo, para os cofres da região.
A previsão é que o investimento renda sete vezes mais ao longo dos anos, já que, de acordo com um estudo da Universidade da Flórida, cada dólar gasto na construção de recifes artificiais marinhos gera sete dólares em benefícios econômicos para a economia da região onde eles são instalados, na forma de despesas dos visitantes em hotéis, restaurantes e empresas de mergulho.
"É um ótimo negócio, em todos os aspectos", diz Paul Mixon, presidente do conselho do condado que arrematou o navio. "Tanto para o meio ambiente quanto para os cofres do município de Destin, que se tornará um destino de pesca recreativa e turismo de mergulho de primeira linha".
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Quero receber"E qual cidade não gostaria de ter o maior recife artificial do mundo bem diante dela?", enfatiza.
Navio imponente e histórico
De acordo com o político-empresário, o atual maior recife artificial do mundo, criado em 2006 com o afundamento também proposital do navio USS Oriskany - que era 50 metros menor que o SS United States - no mar de Pensacola, também na Flórida, atrai cerca de 10 000 mergulhadores por ano, e rende cerca de US$ 3,6 milhões à região.
"Com este transatlântico, o resultado financeiro será bem maior, porque trata-se de um navio mais imponente e histórico", diz Mixon.
Acessível para iniciantes
Segundo ele, a fim de permitir a visitação de mergulhadores de todos os níveis de habilidade, de iniciantes a avançados, o SS United States será afundado em local de baixa profundidade, bem perto da costa, a cerca de 25 milhas da praia da cidade.
Além disso, já que o navio é enorme, suas chaminés serão removidas (e transferidas para o museu a ser criado na cidade), a fim de que mesmo mergulhadores novatos possam "passear" pelo convés submerso do transatlântico a baixa profundidade, enquanto os mais experientes poderão explorar até partes internas dele.
Mixon também acredita que o recife artificial gerado pelo transatlântico submerso vai criar novos habitats para a vida marinha, e que isso irá impulsionar a pesca recreativa, uma das atividades de lazer preferida dos americanos.
"Vai ser bom para todos", diz.
Vai ajudar a pesca
"Embora fosse preferível que o United States virasse um museu a céu aberto - e não submerso -, transformá-lo no maior recife artificial do mundo, em vez de ser desmanchado e vendido como sucata ao ferro velho, é uma opção mais digna para um navio com a sua relevância histórica", diz a presidenta da SS United States Conservancy, Susan Gibbs, que aceitou, com certo alívio, a venda do navio.
"Será um bom último capítulo para a história de um dos mais emblemáticos navios da história marítima dos Estados Unidos", diz.
Quase foi despejado do porto
Até ser vendido para o condado de Okaloosa, o futuro do ex-garboso transatlântico era nebuloso, e parecia caminhar inexoravelmente rumo ao desmanche.
Com dívidas acumuladas de quase R$ 1 milhão em aluguéis atrasados pela vaga que ocupa há 38 anos no porto de Filadélfia, o navio chegou a ser alvo de uma curiosa ação de despejo, movida pela empresa dona do píer, a Penn Warehousing. E isso forçou a ONG que administra o transatlântico a aceitar a oferta de vendê-lo para ser afundado.
A SS United States Conservancy se tornou dona do SS United States 15 anos atrás, quando ele também estava em vias de ser demolido, por abandono dos seus antigos proprietários.
Famosos viajaram nele
Na ocasião, a doação do transatlântico à ONG administrada por Susan Gibbs teve apoio até do ex-presidente americano Bill Clinton, que havia feito uma das últimas viagens do navio, da Europa para os Estados Unidos, em 1968.
Além dele, muitas outras celebridades - como Marilyn Monroe, Salvador Dali, Judy Garland, Cary Grant e Walt Disney - também viajaram no SS United States, na época um dos transatlânticos mais luxuosos do mundo.
Afundar para não virar sucata
Apelidado The Big Ship ("O Grande Navio", com capacidade de transportar quase 2 000 passageiros, metade deles em Primeira Classe), o SS United States foi lançado em 1952 e navegou até 1969, quando o crescimento do transporte aéreo entre Europa e Estados Unidos - e a diminuição paulatina na quantidade de passageiros interessados em fazer esta mesma viagem pelo mar -, forçou a sua aposentadoria.
Em 1984, a fim de sanar dívidas com o aluguel atrasado do cais onde o navio estava atracado, Susan chegou a vender, por meio de leilões, peças e acessórios do transatlântico, já então sem condições de navegar.
De lá para cá, a situação só piorou. Tanto do navio quanto das finanças da ONG administrada por ela.
Mas Susan sempre lutou para que o navio projetado por seu avô não fosse desmanchado e transformado em sucata.
"Isso jamais poderia acontecer com um navio com tamanha relevância", argumenta.
O mais veloz do mundo
A importância histórica do SS United States, sobretudo para os americanos, vem do fato de que, além de ter sido o primeiro grande transatlântico de alto luxo construído no Estados Unidos - e motivo de orgulho para a engenharia naval do país na época -, até hoje ele é detentor do recorde de velocidade da travessia do Atlântico, conquistado 72 anos atrás.
Logo na sua viagem inaugural, em 1952, o SS United States quebrou o recorde da travessia do Atlântico Norte, cruzando o oceano a uma velocidade média de 66 km/h - marca impressionante mesmo para os dias atuais.
O feito lhe rendeu o direito de usar a Blue Riband, a "Fita Azul", um prêmio criado no início do século passado, para ser concedido ao navio de passageiros que atravessasse o Atlântico com a maior média horária de velocidade.
Como o SS United States foi um dos últimos transatlânticos a operar a rota regular entre a Europa e os Estados Unidos, e como, a partir dos anos 1960, as viagens marítimas entraram em franco declínio, ele acabou ficando com o recorde da maior velocidade média daquela travessia para sempre.
Com isso, mantém até hoje a posse da Blue Riband, a mais alta honraria que um navio poderia receber no passado - um prêmio que, durante décadas, rendeu uma vibrante disputa entre as grandes empresas marítimas, com enormes transatlânticos participando de uma improvável corrida de navios em pleno oceano, como pode ser conferido clicando aqui.
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