Topo

Vitor Guedes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O Vasco é o time do amor

Representantes de organizadas do Vasco assinaram Código de Conduta Ética contra homofobia e transfobia - Daniel Ramalho / Vasco
Representantes de organizadas do Vasco assinaram Código de Conduta Ética contra homofobia e transfobia Imagem: Daniel Ramalho / Vasco

Colunista do UOL

24/06/2022 12h03Atualizada em 24/06/2022 12h03

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Nasci em 1977 e, desde que comecei a frequentar estádios, no início dos anos 1980, nunca mais parei, seja na condição de filho e agora de pai, seja como torcedor (que nunca deixarei de ser) ou jornalista.

Muito antes de ter idade para entender e raciocinar sobre odiosos preconceitos mundanos, estava no meio de negros, na arquibancada, torcendo para negros no gramado. Meu filho, Basílio, recebeu o nome em homenagem a um jogador negro que fez o gol mais importante da história do meu time e a cor dele nunca foi um fator a ser considerado.

Depois, um pouco mais crescido, ao tomar conhecimento da história, sempre foi muito dificil aceitar e entender como, um dia, negros foram proibidos de jogar bola... Estou falando só de futebol porque nunca deu para entender nem aceitar que há pouco mais de um século, a escravidão existia oficialmente.... E eu estive na África do Sul, em 2010, cobrindo uma Copa onde os reflexos do Apartheid, recentemente encerrado (oficialmente), eram assustadoramente presentes e chocantes.

Hoje, na minha profissão, debato e trabalho com mulheres e, no estádio, encontro grupos cada vez mais numerosos de mulheres no papel de torcedora, quando antes, as raras presenças femininas no estádio, eram associadas ao "papel" de mulher, namorada, filha ou irmã do torcedor homem que o acompanhava. Minha irmã, que tem apenas um ano a menos que eu e, pois, foi criada junto comigo, viu muito menos jogos do que eu na infância porque para a geração dos meus pais, estádio era coisa de homem. E, para além do preconceito, tinha até uma certa dose de razão porque as poucas mulheres presentes eram submetidas aos coros mais absurdos e, se precisassem usar o banheiro, encontrava uma situação completamente degradada.

O racismo, o machismo e a misoginia, presentes na sociedade, seguem, infelizmente, presentes no futebol. Mas, ainda que de forma mais lenta que a desejada, melhorou. Mulheres hoje são vistas em números maiores e não é mais comuns gritos histéricos e absurdos, muitas vezes gritados por avôs, pais e filhos ladeados, com rimas das mais absurdas.

Toda semana tem caso novo de racismo, imitação de macaco e crimes de injúria racial. Mas, hoje, eles não são mais aceitos nem considerados "coisa do futebol" pela maioria e há, na maior parte da sociedade, repulsa a esse tipo de comportamento criminoso e asqueroso.

Dito tudo isso, vamos para a homofobia. Não vejo, em 2022, mudanças significativas em relação ao comportamento dos anos 1980. Gritos de "bambi", em São Paulo", "Maria", em Minas, "flor", no Rio, ou "barbie", em Recife, são presentes nos estádios, nos bares, nas ruas e abertamente nas "brincadeiras" entre torcedores. "Bicha" e "viado" são termos usados como palavrão para desqualificar o time rival, o juiz ou o jogador adversário como, em si, a homossexualidade fosse algo criminoso, asqueroso e desprezível.

Fazendo um mea-culpa que faço com toda a sinceridade do mundo e nenhum orgulho, cantei muito gritos homofóbicos no estádio e "brinqiuei" assim com amigos torcedores rivais. Fui criado de forma homofóbica e faço parte de uma geração homofóbica e, como tal, por anos reproduzi esse comportamento, inclusive em textos antigos publicados que hoje me envergonham.

Por isso, para além da corajosa revelação de bissexualidade por parte do Richarlison, é muito legal ver o que está fazendo o Vasco e a torcida do Vasco, se comprometendo, publicamente a lutar contra qualquer preconceito, inclusive o sexual, o presente de forma mais "orgulhosa" e ostensiva nas arquibancadas. Há um simbolismo gigantesco quando torcidas organizadas do clube assinam um Código de Conduta contra homofobia e transfobia.

Se hoje ninguém cogita proibir negros em seu time, é imperativo lembrar que, quando o pioneiro Vasco abriu espaço, muita gente torceu o nariz e o clube, extremamente popular, foi fundamental para a aceitação dos negros e também dos imigrantes na sociedade carioca e, de certa forma, na sociedade brasileira como um todo, já que o Rio de Janeiro era, à época, a capital federal e o "centro" do país.

Em relação à homofobia, é tão evidente a sua presença que a maioria dos clubes não tem jogador usando a camisa 24. Exceções pontuais, como o Corinthians, acontece porque Cantillo é colombiano e, fora do país, ninguém associa 24 ao "veado". E olha que Cantillo teve que pedir a camisa com o mesmo número que usava na Colômbia porque, de cara, teve piada homofóbica em sua apresentação e hoje presidente Duilio, à época integrante da diretoria de futebol, fez piada homofóbica com o 24.

O passo do Vasco é importante, mas ainda insuficiente. Espero que as gerações futuras, quem sabe a dos meus netos, olhem para o futebol e achem inacreditável que, um dia, a sexualidade alheia, seja ela qual for, tenha sido um tabu no futebol como a minha geração acha absurdo e lamentável que, um dia, negros não podiam jogar bola e mulheres não podiam frequentar arquibancada... Bom, antes disso, mulheres não podiam nem sequer votar. Justo elas, mulheres, que vão nos salvar do inferno que vivemos desde 2018. Dá para acreditar?

Eu sou o Vitor Guedes e tenho um nome a zelar. E zelar, claro, vem de ZL! É nóis no UOL!

Veja:

E me siga no Twitter e no Instagram.

Quem mandou matar Marielle? E por quê?

Justiça para Dom Phillips e Bruno Pereira!