Paciaroni fala em rigidez e desequilíbrio para explicar fase de Bia Haddad

Rigidez. Pressão desnecessária. Momento de desequilíbrio. Falta de maturidade. Expressões usadas por Rafael Paciaroni, técnico de Beatriz Haddad Maia, para explicar o momento da número 1 do Brasil, que não alcança uma semifinal desde fevereiro, no WTA 500 de Abu Dhabi, e contabiliza na temporada oito derrotas em que teve apagões e perdeu pelo menos seis games de forma consecutiva.
Paciaroni foi convidado do podcast New Balls Please, comandado por Fernando Nardini e Fernando Meligeni, e passou a maior parte da uma hora de conversa falando sobre Haddad Maia, o trabalho sua equipe vem fazendo, os porquês do momento de poucas vitórias e o que precisa ser feito para que Bia volte a brigar por coisas grandes no circuito mundial. Em 2024, a paulista de 28 anos começou a temporada como #11 do mundo e agora é a 22ª do ranking. Ao todo, soma 18 vitórias e 18 derrotas na temporada.
Leia em seguida os trechos que considerei mais ineressantes da entrevista. A íntegra da conversa pode ser vista no vídeo abaixo.
Sobre rigidez, pressão e falta de maturidade
A gente olha para a Bia, e parece que ela está nesse nível há muito tempo, mas se a gente for parar para pensar, é tudo muito recente. Em 2022, ela vem de #82 do mundo para #15, e 2023 é o primeiro ano de fato em que ela chega nos torneios como cabeça de chave e podendo brigar por coisas maiores. É como se fosse uma primeira tentativa, uma primeira experiência de chegar como favorita para conseguir resultados maiores. E a gente teve um 2023 muito bom, com bons momentos, com bons resultados. [O ano de] 2024 é uma segunda tentativa, na verdade. Ela já se sente mais experiente, mais pronta, mais preparada, e é a segunda tentativa, mas é tudo muito recente ao mesmo tempo. Falta um pouco ainda de maturidade mesmo para lidar com algumas coisas, como essa questão da rigidez. Ela fez uma pré-temporada incrível de 2023 para 2024, o arsenal dela melhorou como um todo, praticamente todos os golpes. Hoje, ela faz muito mais coisas do que fazia. E o que aconteceu é que junto com essa sensação de "estou me sentindo preparada", "estou me sentindo muito forte", veio uma rigidez junto, que é uma rigidez do tipo "ok, agora estou batendo melhor na bola, agora faço isso melhor, agora faço aquilo melhor, eu não deveria estar jogando um 3/3 no terceiro set com essa jogadora. Porque se eu melhorei os meus golpes, se eu melhorei minhas possibilidades físicas, psicológicas e etc., eu não deveria estar jogando um 3/3 com essa adversária." E isso te traz uma rigidez e uma pressão desnecessária. É um aprendizado novo, é o segundo ano de tentativa, ela está aprendendo a lidar melhor com as expectativas. De novo: o arsenal aumentou, só que as expectativas também aumentaram. Ela com ela mesma. É nosso papel tentar reequilibrar. A gente teve agora um momento de desequilíbrio e, recentemente, de Bad Homburg (no fim de junho) para cá, ela passou a ter um dia a dia com mais equilíbrio de novo. Ela vinha treinando bem, mas sempre flertando com uma rigidez. É a primeira janela do ano que a rigidez dela abaixa, e tenho certeza que a gente, conseguindo manter a estrutura do dia a dia como a gente mantém, de exigência - eu sou um pouquinho exigente (risos) - as coisas vão acontecer.
Sobre como solucionar o desequilíbrio
Eu tenho que fechar abas. A cabecinha dela vai abrindo muitas abas, e o nosso papel é simplificar. Esse é o momento de simplificar. É uma questão de convencimento. Quando o jogador precisa de um abraço, tem que estar pronto para dar o abraço. Quando o jogador precisa de um empurrão, você tem que estar pronto para dar um empurrão. E agora é hora de fechar abas. Na cabeça dela, o pensamento começa a abrir muitas questões. Você tem que começar a reduzir essas questões e voltar para a base do trabalho, simplificar as ações novamente. É isso que a gente tem feito.
Sobre a perda de rendimento ao longo das partidas
O slice dela antes passava 3m de altura sobre a rede, numa velocidade X. Hoje, passa a 1,2m da rede. Melhorou muito, e a velocidade aumentou. A gente consegue ter monitoramento sobre o que acontece, por exemplo, com o forehand da Bia do primeiro ao sexto game, como é do 7º ao 12º e como é do 13º ao 18º e do 19º para a frente. E as respostas aparecem. Tem perda de velocidade, tem perda de precisão... No saque dela, isso aparece muito. Ela começa o jogo sacando num nível de velocidade e num nível de precisão. Vai passando o jogo, e ela baixa quase 30km/h a velocidade do saque, e a precisão baixa quase um metro. Um metro é muita coisa! Você chama um saque corpo-direita, ela saca corpo-esquerda. Muda tudo. Chega na Collins, num jogo daquele, você faz um saque corpo-backhand, é uma coisa. Naquele momento, ia ser ruim. Você faz corpo-forehand, naquele momento seria uma coisa muito boa. E muda tudo.
Sobre as sequências de games perdidos
O arsenal dela expandiu. O slice dela conseguiu ficar mais baixo, com uma velocidade melhor, ela conseguiu variações de saque que antes ela não tinha, tem variações de devolução que antes ela não tinha, a proximidade da rede melhorou muito, etc., mas trouxe uma rigidez. "Eu me sinto mais capaz, mas ao mesmo tempo eu acho que isso não deveria estar mais acontecendo. Se eu estou batendo melhor, se faço mais coisas, por que meu jogo está 3/3?" E ao invés de usar isso ao meu favor, para solucionar... "Vou voltar a jogar por aqui. Vou jogar profundo e pelo centro. Hoje vai ter que ser por aqui." Só que aí traz aquela sensação de rigidez. Quando ela percebe, o jogo já passou. Quatro, cinco, seis games. E quando ela volta, fica nisso. "Eu anseio, vou para o futuro; quando volto, me frustro porque passaram três-quatro-cinco-seis games; e o tempo de voltar para o presente me custa." Aconteceu agora em Wimbledon. Estava 4/0, interrompe o jogo, volta... [perde] nove games seguidos. Quando ela volta para o presente, para [o jogo] de novo. Isso é tempo. A gente pode dar um zilhão de exemplos aqui. A Collins é uma delas, com 30 anos de idade. Sempre foi uma jogadora potencialmente boa. Começou a jogar em de verdade aos 25 anos. E foi se libertar de maneira gran finale aos 30 anos.
Paciência x Burnout
A questão agora é de tempo. Você tem que ter a paciência - ao esperar pelo tempo, você não pode ser passivo - mas também não pode ter aquele anseio de "Isso aqui não pode estar acontecendo" porque senão, de novo, burnout. Aconteceu com várias jogadoras, e é sempre uma coisa que a gente tem que ficar ponderando porque daqui a pouco ela fala "não quero mais jogar, não vejo mais prazer nisso. Nunca está bom!" Porque você chega a #10 do mundo, aí tem que ser #5. Você chega a #5, tem que ser #1! Você chega a #1, agora tem que ganhar Wimbledon. Aí tem que ganhar Roland Garros. E depois "ah, mas nunca ganhou na Austrália!". "Mas não ganhou os quatro no mesmo ano!". Ganhou os quatro no mesmo ano? "Mas não ganhou a Olimpíada". Não acaba nunca. Então você tem que conduzir sem comodismo, mas ao mesmo tempo tomar muito cuidado para não pesar a mão de um jeito que o jogador fale "Quer saber? Não quero mais."
"Meu trabalho tem que ser melhor"
As críticas devem ser direcionadas mesmo à equipe de trabalho. E têm que ser direcionadas mesmo. Eu estou aqui - de novo - meu trabalho tem que ser melhor. Precisa ser melhor. Se a gente quiser um dia sonhar - e a gente sonha - em ganhar um grand slam, meu trabalho precisa ser melhor. E eu me cobro todos os dias e me abro todos os dias para me redescobrir. Tanto no sentido pessoal - se você não evoluir, você não consegue ajudar o ser humano que está junto com você - e no sentido profissional. Você tem que eleger as pessoas que vão lá e vão te dar porrada e vão te dar a crítica positiva, que gera um ganho, e você tem que ir lá e usar essas informações. Eu vou selecionar. Isso aqui eu acho que entra agora, isso aqui não entra, isso aqui cabe agora, isso aqui não cabe. Agora... se você não estiver preparado hoje para a crítica, é impossível viver. Se eu não quiser, estou no trabalho errado.
Treino com Krejcikova antes de Wimbledon
Wimbledon começou na segunda-feira. Sábado, se você chega e assiste ao treino da Bia com a Krejcikova dentro das quadras - a gente pode treinar uma vez nas quadras de jogo - você fala que são duas jogadoras neste momento - neste momento porque a Krejcikova já era uma campeã de grand slam - mas neste momento, neste recorte, são duas jogadoras de nível diferente. A Bia... Todos os pontos, massacrando, se impondo em cima da Krejcikova. Foi lá, ganhou set, já estava break acima no segundo set. Passam duas semanas, a Krejcikova é campeã de Wimbledon, e a gente tomou terceira rodada. E podiam ter se enfrentado. As coisas mudam muito rápido. Você tem que estar aberto às críticas. Eu sou um cara muito crítico do meu trabalho, puxo todo mundo muito duro todos os dias. A única coisa é que as críticas têm que gerar um ganho.
Sobre filtrar o que chega até Bia
Esse filtro sou eu. Eu, nesse ponto, sou uma pessoa mais aberta. Ela prefere deixar que eu faça esse filtro e que leve até ela. Talvez pelas experiências anteriores, que ela carregou em relação à vida dela, experiências pessoais e profissionais. Esse filtro é meu, eu faço essa busca, eu faço o filtro, mas num sentido muito aberto. É muito mais uma questão de saber, por exemplo, o momento em que ela está muito vulnerável, então uma informação pode vir e pode abrir muita aba; ou num momento em que ela está muito centrada, e pode vir essa informação direto para ela porque ela vai conseguir processar muito bem. Então depende muito do momento. Meu papel é estar sempre aberto, é sempre buscar. Eu não fui jogador profissional. Algumas experiências eu não tive. Meu papel, minha obrigação, é buscar essa informação. A partir do momento que eu abro espaço e trago essa pessoa, como um Fino, como um Guga - e nesse ponto eu sou muito felizardo de eles me atenderem com tanto carinho e tanta vontade de colaborar. Então essa experiência que eles têm, junto com o espaço quando ela está no momento certo, com a abertura certa para receber essa informação, com aquilo que eu tenho da minha parte... Como eu não fui jogador profissional, eu tenho um outro lado de vantagem que é sempre enxergar as coisas na terceira pessoa.
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