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Thiago Braz mostra outra face do esporte brasileiro: campeão de doping

Maurren Maggi, Rodrigo Pessoa, Cesar Cielo, Rafaela Silva e, agora, Thiago Braz. Dos nove brasileiros campeões olímpicos individuais pelo Brasil em uma janela de duas décadas, entre 1996 e 2016, cinco têm no currículo testes positivos para substâncias dopantes. É a maioria, é muita coisa.

E a lista ainda tem campeões coletivos como Giba e Murilo, astros da seleção masculina de vôlei, Tandara Caixeta, também no vôlei, e Gabriel Barbosa, um dos craques do ouro olímpico do futebol na Rio-2016, este condenado por tentar burlar um exame.

Por anos, a muleta da contaminação funcionou. Cielo já era campeão olímpico quando testou positivo para furosemida, junto com outros três nadadores, incluindo o depois campeão mundial Nicholas Santos. O advogado Marcelo Franklin foi contratado para defendê-lo e conseguiu comprovar uma contaminação cruzada de suplementos manipulados.

Desde então, tem acumulado vitórias com essa mesma tese, apesar de a Associação Nacional de Farmacêuticos Magistrais (Anfarmag) dizer que essa contaminação é "uma hipótese extremamente improvável".

As farmácias listam uma série de procedimentos e fiscalizações que reforçam a segurança desses produtos. Ainda assim, elas se tornaram as vilãs do doping no Brasil, ao menos para os tribunais, que não as incluem como parte dos processos. No caso Thiago Braz mesmo: a farmácia considerada "culpada" pela contaminação não foi ouvida para refutar a acusação.

Só entre 2019 e 2021, período marcado pela pandemia e pelo pouco volume de testes, a Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD) analisou 11 casos em que atletas alegavam contaminação de suplementos ou medicamentos manipulados.

[respira que a lista é longa]

Foi essa alegação usada por atletas importantes do esporte brasileiro como Murilo Endres (bicampeão mundial de vôlei), Ana Claudia Lemos (velocista suspensa às vésperas da Rio-2016), Tandara Caixeta (expulsa de Tóquio-2020), Lucas Verthein (remador olímpico em Tóquio, e que irá a Paris), os tenistas Thomaz Belucci (três vezes olímpico) e Bia Haddad Maia (melhor do país hoje, ficou fora de Tóquio por isso), os nadadores João Gomes Jr (duas medalhas em Mundiais de Natação em piscina longa) e Thiago Simon (então recordista sul-americano), a halterofilista Natasha Rosa (suspensa antes de competir em Tóquio-2020), a boxeadora Flávia Figueiredo (então titular da seleção brasileira).

E continua: Gabrielle Roncatto (nadadora classificada a Paris, sua terceira Olimpíada), Maria Clara Lobo (então melhor brasileira do nado artístico), Netinho Marques (convocado a Paris no taekwondo), Andressa de Morais (prata no Pan de 2019 e então sexta do mundo no lançamento do disco) e mais recentemente Matheus Takaki, que estava a caminho de Paris no judô.

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[respirou?]

Enquanto atletas como Isaquias Queiroz dizem que não usam suplemento manipulado nem a pau, porque não vale o risco, outros seguem fazendo uso deles apesar de inúmeros alertas de órgãos como o COB e a ABCD, que deixou claro, diversas vezes, que esses produtos só devem ser usados em caso de necessidade.

Thiago Braz não soube dizer que necessidade ele tinha de consumir suplementos manipulados. Alegou questões médicas, mas não soube citar nenhum diagnóstico. Mesmo avisado diretamente pela World Athletics dos riscos de comprar suplementos no Brasil e morando na Itália, Thiago optou por esse caminho.

E paga o preço. Se no passado casos semelhantes geraram poucos meses de suspensão, agora o campeão olímpico levou 16 meses de gancho e vai perder uma Olimpíada, por ter assumido um risco mesmo sabendo de todos os riscos. É um novo patamar de rigidez.

No Brasil, essa maior rigidez também já está valendo. Depois de tomar uma chamada da Agência Mundial Antidoping (Wada), o TJD-AD ampliou a punição aplicada a Lucas Mariano, um dos principais jogadores de basquete do país, potencial titular da seleção no Pré-Olímpico, que alegou ter se contaminado ao consumir um produto para emagrecimento.

Mas seria menos grave se fosse só contaminação de suplementos e remédios. O Brasil ainda acumula outros diversos casos importantes que tiveram as desculpas das mais variadas. André Calvelo, campeão dos 100m livre na seletiva olímpica de Tóquio, alegou que fez o café da manhã no mesmo liquidificador em que a namorada bateu um anabolizante. Acabou substituido na delegação por Gabriel Santos, que se contaminou com a pomada usada pela esposa, por uma toalha contaminada. Henrique Rodrigues, da natação, ouro no Pan de 2015, e Maurren Maggi já haviam se defendido nos mesmos termos. Rebeca Gusmão jura que trocaram o potinho de xixi dela.

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Os casos atingem até modalidades onde o dopign é raríssimo. Por motivos dos mais diversos, já foram suspensos Camilla Gomes, provável convocada do Brasil para a ginástica de trampolim em Paris, Jorge Zarif, campeão mundial de vela, e, na semana passada, Christal Bezerra, que já foi o sétimo nome da seleção brasileira de ginástica artística.

O problema brasileiro é sistêmico, como já identificou a UCI, federação internacional de ciclismo, quem mais faz testes no mundo. Em 2019 eram 30 brasileiros suspensos ao mesmo tempo, a ponto de a entidade estudar uma punição ao país, não somente aos atletas. Na última década, a lista de suspensos inclui Flávia Oliveira (sexta na Rio-2016), Kleber Ramos (pego no doping na Rio-2016), Guilherme Müller (então sexto melhor brasileiro do ranking mundial de MTB), Clemilda (três Olimpíadas no currículo) e outras duas integrantes do clã Fernandes, Kacio Freitas (bronze no Pan de 2019), Clemilda e Flávia são reincidentes.

Situação parecida vive o levantamento de peso. Dos três convocados a Tóquio-2020, dois foram suspensos por doping: Natasha Rosa e Fernando Reis Saraiva, maior nome da história da modalidade no país, foi pego antes de Tóquio-2020 com hormônio do crescimento. Serafim Veli, que ficou muito perto da vaga, cairia no doping em 2022. Matheus Gregório foi à Rio-2016 e foi suspenso em 2018. Patrick Mendes foi pego no Pan de 2015, e Aline Facciola após ser campeã mundial sub17.

Tudo isso apesar de um número relativamente baixo de exames. Ao menos foi o que apontou a World Athletics, que impôs aos atletas brasileiros de atletismo um critério extra de elegibilidade: eles obrigatoriamente têm que fazer três testes antidoping supresa nos 10 meses que antecedem Paris-2024. A regra foi criada porque o país vinha fazendo um número insuficiente de testes na elite.

Na primeira leva de testes uma brasileira, Caroline Thomaz, foi pega no doping e suspensa. Será mais um desfaque na Olimpíada.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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