Presidente da COP30 é hábil, mas carece de linha direta com Lula

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Escolhido por Lula nesta terça-feira (21) para presidir a COP30 do Clima da ONU, o embaixador André Aranha Corrêa do Lago tem competência amplamente reconhecida nas negociações do clima. Mas o que emplacou seu nome foi outra qualidade: a capacidade de conversar com os gregos e troianos dentro do nosso país.
Não é a cena lá fora que preocupa o país-sede da COP30 - prevista para acontecer em Belém entre 10 e 21 de novembro. São os nossos russos. A oposição de alas conservadoras do agronegócio e também dos setores de energia e infraestrutura vetou previamente um nome que soaria óbvio para o cenário internacional: o da ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, ovacionada mundo afora pela sua biografia e pelos resultados na reversão do desmatamento na Amazônia.
Diferentemente do nome de Marina, celebrado entre ambientalistas, Lago tem bom trânsito político tanto no mundo da conservação quanto no setor privado brasileiro.
Além de ter representado o país como embaixador no Japão e na Índia, Lago foi negociador-chefe do país na Rio+20 e nas duas últimas edições da COP do Clima.
Durante o encontro do G20, no final do ano passado, Lago ajudou a emplacar a agenda climática na declaração final sobre financiamento, após ter envolvido os ministros de finanças dos países do bloco no entendimento de que as provisões precisam saltar dos bilhões para os trilhões.
Naquele mesmo período, já na semana seguinte, o embaixador propôs ao final da COP29 do Clima da ONU a criação da rota Baku-Belém para criar estratégias de mobilização de recursos que atendam a casa de US$ 1,3 trilhão.
No livro "Conferências de Desenvolvimento Sustentável", Lago analisa o histórico de atuação da diplomacia brasileira nas negociações ambientais desde Estocolmo - a primeira delas, de 1972 - e faz um breve paralelo com o cenário doméstico.
"O que o Brasil fez em 1972 no plano internacional - unir conceitualmente meio ambiente e desenvolvimento - está sendo feito internamente, paulatinamente, apesar das dificuldades, e em grande parte graças ao dinamismo da sociedade civil brasileira", ele afirma.
Embora tenha alguns meses para conduzir uma negociação que envolve o mundo inteiro, o Itamaraty deve dar atenção especial a setores influentes na política doméstica: o agronegócio (especialmente a pecuária), a indústria e os setores de infraestrutura e transporte.
A preocupação é que uma oposição ao acordo climático dentro de casa possa botar água do feijão da COP30. Como conseguiriam? A receita é simples e usa apenas um ingrediente: o lobby em Brasília, que serve tanto para pedir favores quanto para descredibilizar uma presidência, caso ela não agrade.
A presidência brasileira da COP impõe ao Itamaraty o desafio de aplicar país adentro as técnicas que marcam o Brasil como um país do diálogo.
Além de fazer a ponte entre os países ricos e o mundo em desenvolvimento, o Brasil tem atuado em bastidores críticos nas negociações ambientais: Itamaraty já chegou até a colocar Rússia e Ucrânia para conversar, em um episódio que destravou os inventários de emissões de carbono dos países. Em outro momento marcante, às vésperas do Acordo de Paris de 2015, a mediação brasileira entre economias emergentes e os países ricos foi chave para fechar o documento.
Dez anos depois, o mundo chega à COP30 muito mais fragmentado, desconfiado, violento e instável - o que inclui os agravantes climáticos.
A COP30 ainda não tem uma agenda clara, mas a missão é a mesma que se arrasta pela última década: aumentar o compromisso dos países com as metas de redução de emissões de gases que causam o aquecimento global e viabilizar um pacote de financiamento - uma briga clássica e mal resolvida, que também sobra para a COP30.
A ausência estadunidense dói no bolso das negociações, já que os Estados Unidos foram um dos principais financiadores da agenda climática, mas não deve aumentar a dificuldade política das negociações. Na sua primeira eleição, o presidente estadunidense Donald Trump testou a resiliência do acordo climático. Agora, o mundo já se acostumou a não contar com os Estados Unidos.
Resta saber se o presidente Lula dará à agenda climática a mesma importância política que seus detratores dão. Enquanto Trump se promove a partir da agenda antiambiental, Lula ainda não deu sinais de que priorizará a COP30 ou sequer se saberá tirar algum proveito político dela.
Qual legado a conferência deixará, dentro e fora do país? O Brasil vai propor uma agenda de transição energética? Lula vai tocar no assunto da revisão da governança global? Os interlocutores mais próximos do Planalto ainda não sabem dizer.
A escolha do embaixador Corrêa do Lago para a presidência da COP também pode sinalizar ao mundo uma baixa prioridade política da conferência para o Brasil.
Geralmente, os países-sede das COPs do Clima indicam para a presidência nomes de nível ministerial. O mundo passou a ler como um bom sinal de importância política das COPs nomeações de ministros das pastas de economia e energia, por exemplo. No Brasil, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) e o vice-presidente Geraldo Alckmin chegaram a ser cogitados.
É um sinal positivo para a agenda climática que a proficiência de Corrêa do Lago tenha vencido indicações políticas - especialmente a essa altura do mandato, que promete uma dança das cadeiras nos ministérios.
Ainda assim, ministros como Haddad, Alckmin, Marina ou até Mauro Vieira, chefe de Corrêa do Lago no Itamaraty, têm um acesso que o embaixador ainda precisará abrir: ao gabinete de Lula.
Nos momentos mais tensos das negociações, diplomatas e ministros ligam para as cúpulas do poder de cada nação. Os bastidores se apertam em salas pequenas, onde só entram ministros e Chefes de Estado. Alguns nós só se desatam em telefonemas entre presidentes.
Para ter força política e conduzir algum resultado significativo, a presidência brasileira, mesmo sem nível ministerial, precisará estar colada com a única outra liderança que também fala com os russos: o presidente Lula.
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